sexta-feira, 1 de maio de 2009

Francisco C. Domingues – Colombo e a Política de Sigilo na Historiografia Portuguesa (Notas)

NOTAS
(*) Este artigo foi inicialmente preparado para um número especial dedicado a Colombo do Bolletino della Società Geografica Italiana, recuperando parcialmente textos já por mim escritos sobre temas que se retomam aqui.
(1) Sobre Correia da Serra o estudo mais recente é de BOURDON, L.: José Corrêa da Serra Ambassadeur du Royaume-Uni de Portugal et Brésil a Washington 1816-1820, Paris, Fundação Calouste Gulbenkian-Centro Cultural Português, 1975.
(2) SARAIVA CARDEAL: Indice Chronologico das Navegações. Viagens, Descobrimentos e Conquistas dos Portuguezes nos Paizes Ultramarinos desde o Principio do Seculo XV, in Obras Completas, tomo V, Lisboa, Imprensa Nacional, p. 48; sublinhado nosso.
(3) BOXER, C.: The Portuguese Seaborn Empire 1415-1825, Londres, Hutchinson, 1969.
(4) ALEXANDRE, V.: Origens do Colonialismo Português Moderno, Lisboa, Sá da Costa, 1979, pp. 55-64.
(5) Sobre o mapa côr-de-rosa, além da obra anterior, NOWELL, C.: The Rose-Colored Map, Lisboa, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1982 (Col. «Memórias», 21).
(6) Manuel Francisco Mesquita de Macedo Leitão e Carvalhosa, 2.º visconde de Santarém (1791-1855), viveu uma longa parte da sua vida em Paris depois da derrota dos absolutistas na guerra civil portuguesa de 1832-1834. Aí se dedicou aos estudos históricos, procurando reabilitar o papel dos Portugueses na exploração africana, posto infundadamente em causa por alguns historiadores franceses seus contemporâneos. Dedicou-se em particular à história da cartografia antiga, disciplina de que é considerado o fundador, e no domínio da qual produziu uma vasta obra (estudos e atlas cartográficos) que acaba de ser reeditada na totalidade em Lisboa.
(7) Das obras completas em 43 volumes, boa parte dos quais relativos à história ultramarina, destaca-se a História de Portugal (1879), de extraordinário recorte literário e atenta à documentação disponível, embora em muitos passos hipotecada à visão política que o Autor tinha dos problemas do país no momento em que vivia.
(8) DIAS, C. MALHEIRO (direcção de): História da Colonização Portuguesa no Brasil, 3 vols., Porto, Litografia Nacional, 1921-1924.
(9) CORTESÃO J.: Do Sigilo Nacional sobre os Descobrimentos. Crónicas desaparecidas, mutiladas e falseadas. Alguns dos feitos que se calaram, in «Lusitania», vol. I, 1924, pp. 45-81.
(10) CORTESÃO J.: História dos Descobrimentos Portugueses, 2 vols., Lisboa, Arcádia, 1960-1962.
(11) CORTESÃO J.: A Política de Sigilo nos Descobrimentos, Lisboa, Comissão Executiva das Comemorações do Quinto Centenário da Morte do Infante D. Henrique, 1960.
(12) DOMINGUES F.: A Política de Sigilo e as Navegações Portuguesas no Atlântico, in «Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira», vol. XLV, 1987, pp. 189-200.
(13) CORTESÃO J.: Teoria Geral dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, Seara Nova, 1940, p. 11.
(14) CORTESÃO J.: A Política de Sigilo nos Descobrimentos, p. 9.
(15) GUEDES M.: O Descobrimento do Brasil, 2.º ed. revista, Lisboa, Vega, 1989. ALBUQUERQUE L.: Os Descobrimentos Portugueses, Lisboa, Alfa, 1985.
(16) De entre o muito que se escreveu a propósito das comemorações do quinto centenário da viagem de Bartolomeu Dias, pode destacar-se ALBUQUERQUE L./ RODRIGUES V./ BARBOSA J.: Bartolomeu Dias. Corpo documental-bibliografia, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1988.
(17) BARATA J.: Estudos de Arquealogia Naval, Lisboa, Imprensa Nacional, 1989, vol. I, pp. 223-248 e vol. II, pp. 13-110.
(18) ALBUQUERQUE L.: Navegadores, Viajantes e Aventureiros Portugueses. Séculos XV e XVI, vol. I, Lisboa, Caminho, 1987, pp. 94-96; KHOURY I.: As-Sufaliyya «The Poem of Sofala» by Ahmad Ibn Magid, Coimbra, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1983 (Col. «Separatas», CXLVIII).
(19) LEITE D.: História dos Descobrimentos. Colectânea de Esparsos, vol. I, Lisboa, Cosmos, 1959, pp. 411-449.
(20) PERES D.: Política de sigilo, in História da Expansão Portuguesa no Mundo, vol. II, Lisboa, Ática, 1939, pp. 17-21.
(21) DOMINGUES F.: op. cit., p. 201.
(22) GODINHO V.: Dúvidas e problemas àcerca de algumas teses da história da expansão, in Ensaios II, 2.º ed., Lisboa, Sá da Costa, 1978, p. 94.
(23) CORTESÃO A.: Espionagem dos Descobrimentos, separata de «Vida Contemporânea», 1935.
(24) CORTESÃO, A.: Cartografia e Cartógrafos Portugueses dos Séculos XV e XVI, 2 vols., Lisboa, Seara Nova, 1935.
(25) CORTESÃO, A.: The Mystery of Columbus, in «The Contemporary Review», vol. CLI, 1937, pp. 322-330.
(26) CORTESÃO, A.: Esparsos, 3 vols., Coimbra, Acta Universitatis Conimbrigensis, 1974-1975.
(27) PEREIRA, D.: Esmeraldo de Situ Orbis, reprodução da edição anotada por Augusto Epifânio da Silva Dias (1905), Lisboa, Sociedade de Geografia de Lisboa, 1975.
(28) PIMENTEL, M.: Arte de Navegar, edição comentada e anotada por Armando Cortesão, Fernanda Aleixo e Luís de Albuquerque, Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 1969.
(29) Sobre esta questão, A Viagem de Fernão de Magalhães e a Questão das Molucas, Actas do II Colóquio Luso-Espanhol de História Ultramarina, Lisboa, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1975 (Col. «Memórias», 16).
(30) DOMINGUES, F.: A obra técnica do padre Fernando Oliveira (alguns aspectos), in «Arquivo Histórico Dominicano Português», vol. IV/2, 1989, p. 217.
(31) CORREIA, G.: Lendas da Índia, introdução e revisão de M. Lopes de Almeida, vol. I, Porto, Lello & Irmão, 1975, p. 8.
(32) ALBUQUERQUE, L.: Navegadores, Viajantes e Aventureiros Portugueses. Séculos XV e XVI, vol. I, Lisboa, Caminho, 1987, p. 79 e seguintes.
(33) PINA, R.: Croniqua Delrey Dom Joham II, edição de Álvaro Martins de Carvalho, Coimbra, Atlântida, 1950.
(34) PINA, R.: op. cit., p. 184.
(35) PINA, R.: op. cit., p. 184.
(36) Sobre o tratado de Tordesilhas e suas consequências, El Tratado de Tordesillas y su proyeccion, Actas do I Colóquio Luso-Espanhol de História Ultramarina, 2 vols., Valladolid, Universidade de Valladolid, 1973.
(37) ZURRITA, J.: Anales de la Corona de Aragon, tomo V: Historia del Rey Don Hernando El Catholico, Saragoça, Lorenço de Robles, 1610.

Francisco Contente Domingues
«Colombo e a Política de Sigilo na Historiografia Portuguesa», Mare Liberum. Revista de História dos Mares, n.º 1, Dezembro de 1990, pp. 105-116.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Se o problema estivesse só na História Local...


... estaríamos nós muito bem!


E acrescentando mais uma reflexão, em que me revejo inteiramente, veja-se

sábado, 11 de abril de 2009

D. João II, Regedor e Governador da Ordem de Santiago

A pseudo-história deturpa frequentemente a nomenclatura histórica de modo a servir os seus interesses; deturpa também a terminologia da época, distorcendo-a de forma mais ou menos grosseira até que esta reflicta os fins a que se propõe desde início.
É o que se passa com o cargo de D. João II na Ordem de Santiago. A pseudo-história afirma-o sistematicamente como sendo mestre dos espatários, quando na realidade a documentação o mostra como «Regedor e Governador» da mesma.
Frequentemente, neste tipo de cargos, a títulos diferentes não correspondem funções diversas, mas mesmo assim reflectem situações, estatutos, intenções ou missões subtilmente desiguais*.
Se não passa pela cabeça de ninguém chamar governador a um vice-rei da Índia, ou vice-versa, então porquê insistir em chamar mestre de Santiago a D. João II ou dona a Filipa Moniz?



Nos o princepe e regedor e governador da hordem cavalaria de Santiaguo destes reynos de Portugal

(...)

O qual alvara de licença em cima scripto eu Ruy de Pina scripvã da camara do princepe nosso senhor e notario pubrico por sua autoridade, trelladey fielmente do proprio original; E porem asyney aquy de meu nome, em testemunho de verdade.
Rui de
Pyna



(TT, CC, 1, 1, 29.)

Como é evidente pela assinatura final, a fiabilidade deste documento é nula, pois, como tem sido afirmado até à exaustão pela pseudo-história colombina, Rui de Pina é um falsário.
Mas se dermos o documento assinado pelo escrivão da câmara do Príncipe Perfeito como autêntico podemos comparar a intitulação de D. João II com a de seu filho bastardo, D. Jorge, e tentar ver nelas as diferenças formais.
Nos o mestre e duque (...)


(TT, CC, 2, 15, 31)


* Quem quiser saber essas diferenças, faça o favor de pesquisar e não esperar que o preto lhe faça o trabalho de sapa.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Bibliografia da controvérsia (07)

  • BARRETO, Augusto Mascarenhas. A Identidade Portuguesa de Cristóvão Colombo – Comunicação, Lisboa, Academia de Marinha, 1990.
Nesta obra, onde Mascarenhas Barreto aparece identificado como professor, são referidos e remete-se para os dois primeiros artigos publicados pelo autor no jornal Correio da Manhã, os quais já foram aqui objecto de apreciação.
Como a maior parte dos escritos deste autor, trata-se dum compêndio de notas soltas, sem lógica discursiva, onde se apresentam dados parciais, deturpados ou fora de contexto para justificar os preconceitos do pretendente a historiador em relação a Cristóvão Colombo. Portanto, a este respeito, nada de novo.
Novo – tanto quanto a cronologia até agora estabelecida dos seus devaneios colombinos permite afirmar – são os epítetos com que Mascarenhas Barreto brinda Paolo Emilio Taviani a quem chama mafioso e mentiroso.
O maior impostor histórico da actualidade, senador italiano Paolo Emílio Taviani... (p. 15).
... Mas isso não passa de um pecadilho venal; pecado mortal é a despudorada fraude que comete ao citar uma frase de Fernando Colón [o que não é verdade!]: «Quis Deus, que o tinha guardado para maior coisa, dar-lhe força para que chegasse a terra»; e relacioná-lo com um extracto da carta que, em 1505, Colombo escreveu ao Rei Fernando «o Católico»: Deus nosso Senhor enviou-me aqui miraculosamente, porque acostei a Portugal (...).» E pronto. Com estas segunda citação, Taviani sugeriu o milagre do naufrágio, mas como todos os mafiosi genovistas não teve pejo em omitir o resto da missiva: «(...) digo por milagre, porque me apresentei ao Rei de Portugal, que entendia mais do que qualquer outro em matéria de descobrimentos, e Deus lhe fechou os olhos e as orelhas e cada um dos sentidos, tão bem que durante catorze anos não me escutou» (p. 15).
... Note-se que a mentira é o prato forte deste «Comissário dos Descobrimentos» (p. 16).
E não vale a pena continuar com maior levantamento de baixezas, bastando afirmar, só para terminar, que é Mascarenhas Barreto quem, neste texto, tem dificuldade em lidar com a verdade dos factos ao esquecer Rui de Pina na cronologia dos autores que dão o nome de Colombo ao Almirante das Índias de Castela (p. 19 e ss.) e que, portanto, dificilmente se trata duma invenção de italianos.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Um sapateiro judeu na realeza ibérica


Muito se tem escrito sobre a impossibilidade da mobilidade social e baseado nisto se refuta categoricamente que alguém, chamado depreciativamente de cardador de lã, possa alguma vez ascender na hierarquia social.
Ora vejamos o caso concreto dum sapateiro cujo neto é duque e o tetraneto monarca:
Isabel, a Católica é filha de Isabel de Portugal, neta de D. Isabel e do Infante D. João. Este era filho de D. João I de Portugal e de D. Filipa de Lencastre.
E quem é a esposa do infante D. João?
A esposa do infante D. João, D. Isabel, era filha do primeiro duque de Bragança, D. Afonso. Este é também filho de D. João I (é portanto, meio-irmão do infante D. João). Mas o mais curioso é ser Inês Pires Esteves, a mãe do primeiro duque de Bragança. Esta era nada mais, nada menos do que uma judia convertida, filha também de dois judeus, Pêro ou Fernão Esteves, o Barbadão sapateiro de Vila Viçosa e de sua esposa Mécia Anes.
Talvez se devesse pensar melhor as sociedades ibéricas no início da Idade Moderna.


(Clicar na imagem para ampliar)

sábado, 28 de março de 2009

Pseudo-História: alerta à navegação!

Não quero ser D. Quixote, apenas quero recordar que hoje, como ontem, se podem negar factos com base nas coisas mais ridículas como por exemplo gralhas tipográficas, dificuldade em reconstituir o que foi totalmente destruído e do qual apenas ficaram indícios, ou ainda rumores e contra-informação.
Quero, por isso, aconselhar a leitura desta página e a audição desta sobre um acontecimento que trouxe sofrimento a milhões de pessoas no século XX e que hoje, passadas décadas, já se tenta passar como não tendo acontecido. Trata-se do Holocausto ou Shoah.
Considerando isto, mais facilmente se compreenderá porque há pessoas perdendo o seu tempo demonstrando as asneiras aparentemente insignificantes em torno das ideias dum Cristóvão Colombo português.
É que a lógica que, nas matérias colombinas, diz serem os historiadores incompetentes, vendidos, burros e outros desqualificativos é a mesma lógica que permite dizer que os nazis afinal foram bons-rapazes e prestaram um serviço à humanidade. A mesma irresponsabilidade com que se alega a falsidade dos testemunhos que demonstram a naturalidade italiana de Cristóvão Colombo é a mesma que leva à atitude criminosa dos negacionistas do Shoah.
A naturalidade de Cristóvão Colombo é irrelevante, o assassínio de milhões de pessoas é algo que nunca poderá ser esquecido. Há uma diferença de grau na gravidade das duas pseudo-histórias, mas o princípio é o mesmo.
A pseudo-história vive dos interesses obscuros de uns e prospera com a ignorância (compreensível) da maioria dos que têm mais que fazer e que, por isso, deixam aos profissionais as áreas que lhes cabem, esperando que esses mesmos especialistas lhes dêem as respostas possíveis quando solicitadas ou necessárias.
Quando levianamente amadores ou interesseiros põem em causa trabalho sério, rigoroso e de reconhecido valor pelos pares dos especialistas envolvidos - como deve ser todo o trabalho científico - estão a pôr em causa todos os bons princípios em que assenta o conhecimento e a abrir o caminho para a instalação da irracionalidade.

terça-feira, 17 de março de 2009

Subsídios para a História de uma polémica (II)

Waldemar Paradela de Abreu, editor da Referendo, publica o livro de Augusto de Mascarenhas Barreto O Português Cristóvão Colombo Agente Secreto do Rei Dom João II em 1988 do qual ainda no mesmo ano, em Setembro, se publica uma segunda edição – ou se calhar, mais propriamente, uma segunda impressão.
O livro em si poucas, ou nenhumas, novidades apresenta em relação ao que outros autores já haviam escrito em Portugal desde que em 1915-1916 Patrocínio Ribeiro teve a duvidosa honra de primeiro reclamar a nacionalidade portuguesa para Cristóvão Colombo na refutação que fez de Celso Garcia de la Riega, ideias essas que mereceram três edições.
Pouco acrescentando ao que anteriormente havia sido escrito, mantendo praticamente os mesmos erros e acrescentando outros de sua lavra, o que consta no livro de Mascarenhas Barreto é dado como se de grande originalidade e descoberta do seu autor se tratasse. É uma simples desonestidade intelectual, mas nada de mais, pois há que vender o produto a um grande público que não tem, propriamente, memória de bibliófilo, o que já não acontece com os especialistas.
Precisamente porque os especialistas sabem de bibliografias (e têm mais com que se preocupar do que com o trabalho de amadores a fazerem pela vida) ignoraram o livro de Mascarenhas Barreto – ou pelo menos não foram lestos a cantarem hossanas como o autor desejaria, mas de modo algum impediram que propagandeasse as suas ideias como muito bem quis e entendeu.
Tanto assim foi que a própria Academia de Marinha – uma instituição que contava (e conta) entre os seus membros alguns dos mais prestigiados especialistas em História da Marinha e dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa – lhe abriu as portas para que pudesse aí apresentar as suas ideias. Como se isso não bastasse, a mesma instituição publicou essa comunicação em 1990 (por esta altura também deverá ter ocorrido uma comunicação do mesmo autor na Sociedade de Geografia de Lisboa).
Estas atenções da Academia de Marinha são tão mais louváveis, quanto, desde muito cedo, Mascarenhas Barreto não se coibiu em trazer para a praça pública um debate que deveria processar-se no meio científico. E isso é ainda mais lamentável quando rapidamente começa a recorrer à insinuação, ao insulto e, até mesmo, ao logro.
Fosse uma estratégia comercial, pressa em obter reconhecimento (numa área onde se leva décadas a obtê-lo) ou simples maus-fígados, Mascarenhas Barreto enveredou por uma via agressiva de apresentação e defesa das suas ideias, sem que lhe faltassem lugares onde o pudesse fazer. O jornal Correio da Manhã facultou-lhe um espaço onde, livremente, apresentou o que lhe ia na alma, sem, durante muito tempo, qualquer oposição ou réplica. O primeiro destes artigos, seis meses depois da segunda impressão do livro, é publicado em 13 de Março de 1989 com o título Os Caluniadores do Infante D. Henrique e, em pouco tempo, mais de duas dezenas de outros são passados nas rotativas do mesmo jornal.


A. Mascarenhas Barreto, «Os Caluniadores do Infante D. Henrique (I)», Correio da Manhã, 13-3-1989, pp. 2-3.
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À parte do amontoado de factos, interpretações e notas pseudo-eruditos, e portanto pouco esclarecedores de um qualquer problema histórico - além de a maior parte deles não serem coevos ou respeitarem à época do Navegador (e que se destinam somente a impressionar os leigos) – sobressai o modo displicente como se refere a alguns dos mais notáveis historiadores portugueses desde Luciano Pereira da Silva até Luís de Albuquerque, ao qual alude depreciativamente várias vezes quando não se lhe dirige abertamente de forma desagradavelmente negligente. Não é que os erros, imprecisões e interpretações alternativas não devam ser apresentados, o que não cai bem é a duplicidade de comportamento, pois na dedicatória que fizera a Luís de Albuquerque desfizera-se subservientemente em encómios, enquanto que publicamente insinua falta de patriotismo, motivações políticas e desmandos na gestão da coisa pública.


A. Mascarenhas Barreto, [«Dedicatória a Luís de Albuquerque»], in Luís de Albuquerque, Dúvidas e Certezas..., I, p. 173.
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A pretexto da protecção da honra do Infante D. Henrique, serve-se de um jornal de grande tiragem e muito popular para levar a cabo um vingança privada contra aqueles que considera servirem interesses nefastos ao país, defendendo alternativamente uma visão já ultrapassada da História e da política – se é que alguma vez as concepções que defende foram dominantes.
Sem grande subtileza, o auto-intitulado historiador Mascarenhas Barreto, desmascara os por si considerados pseudo-historiadores que ousaram denegrir o mito criado ao longo de séculos em torno da imagem do Infante D. Henrique. No entanto, sem qualquer propósita relação com o Infante, mete Cristóvão Colombo ao barulho – afinal a (quase) sua grande tese – e lá vem o Salvador Fernandes Zarco cujo nome descobriu depois de outros terem inventado um Cristóvão de Cólos, um Simão Palha ou um Salvador Gonçalves Zarco – outros agora querem-no D. Diogo, o Zombie, ou ainda Salvador Henriques Zarco, mas enfim...
Neste esforço acaba por se esquecer de explicar ao grande público como chegou a tão fabulosa descoberta, mas há que deixar os leitores na expectativa para que comprem o livro. Também não explica aqui, nem noutro lado, porque é que só ele usou uma sigla cabalística e mais ninguém antes ou depois dele.



A. Mascarenhas Barreto, «Os Caluniadores do Infante D. Henrique (II)», Correio da Manhã, 14-3-1989, pp. 2-3.
(Clicar na imagem para ampliar)

Como quase todos os amadores que incautamente metem as mãos no passado, Mascarenhas Barreto revela grande dificuldade em lidar com o tempo histórico. A diacronia e a sincronia estão completamente ausentes no discurso, na interpretação e no uso dos conceitos. Como consequência cai no pecado mortal do historiador: o anacronismo. Mas isso não o impede mostrar complexos negativos em relação aos graus académicos e ao ofício de historiador enquanto actividade individual cujo mérito é de reconhecimento exclusivo pelos pares. Ao amesquinhá-los, tanto nestes artigos como no que publicará no Diabo, está a manifestar o sentido de inferioridade que continuará a afligir os partidários destas ideias pouco consistentes mais de vinte anos depois de dar início a estas diatribes.
Parafraseando um grande professor, um licenciado em Direito intitula-se jurista; um em Economia, economista, etc. No entanto, os licenciados em História (bem como a maior parte dos que se dedicam à História) não se intitulam historiadores e arranjam sempre uma qualquer outra designação para definir o seu trabalho. Na comunidade historiográfica o grau académico detido e a proveniência do mesmo são pouco relevantes, pois a competência manifestar-se-á pelo trabalho desenvolvido. Assim sendo a designação historiador é geralmente um atributo, como que um título de reconhecimento, dado aos autores já falecidos e de mérito firmado.
Se Mascarenhas Barreto, com toda a legitimidade, queria ser um historiador tinha de esperar para ver o seu trabalho reconhecido como sendo historiográfico; tinha de sujeitá-lo ao normal processo de reconhecimento deste ofício, que é a discussão e a crítica pela (e dentro da) comunidade historiográfica. Mas o mais notável de tudo isto nem é o esforço propagandístico (insultos à parte) de Augusto Mascarenhas Barreto. O espantoso é que vinte anos depois ainda haja quem leve este disparate a sério, chegando ao ridículo de, muitas vezes, chamar a si a autoria de ficções que, na realidade, são pertença de outros.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

A queda de um mito... outra vez!

Paulo Pinto, A pólvora brasileira.

A partir duma notícia do Público.





Por mim, e depois de ler a mesma notícia, fico com muita curiosidade para ver as fontes usadas por este descobridor contemporâneo.

Adenda:
Historial da Escola de Sagres, por Luísa Gama.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Liberdade de Expressão

Liberdade de Expressão e Comentários de Desidério Murcho


Galileu na Inquisição.
Mesmo depois de censurado e condenado encontrou maneira de exprimir o seu pensamento.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Carmen M. Radulet


Faleceu no dia 27 de Dezembro de 2008 Carmen M. Radulet.
A sua morte repentina surpreendeu os seus amigos e conhecidos e deixou a historiografia portuguesa mais pobre.
Repartiu a sua vida académica entre Itália e Portugal dedicando-se ao estudo da cultura portuguesa, bem como das relações e influências mútuas havidas entre estes dois países de que tanto gostava.
Ao longo da sua carreira participou em inúmeras conferências e, só ou em co-autoria, escreveu dezenas de artigos e livros, dos quais se destacam aqui a título de exemplo os seguintes:


  • Documenti delle scoperte portoghesi. I Africa, Bari, Adriatica, 1983.
  • As viagens de Diogo Cão: um problema ainda em aberto, Lisboa, Instituto de Investigação Cientifica Tropical, 1988.
  • Os descobrimentos portugueses e a Itália: ensaios filológicos-literários e historiográficos, Lisboa, Vega, D. L. 1991.
  • Vasco da Gama: la prima circumnavigazione dell'Africa - 1497-1499, [Reggio Emilia], Diabasis, cop. 1994.
  • Terra Brasil 1500: a viagem de Pedro Álvares Cabral, testemunhos e comentários, [Lisboa], Chaves Ferreira, D. L. 1999.
  • (transcrição e apresent.) Viagens portuguesas à Índia (1497-1513): fontes italianas para a sua história – o Códice Riccardiano 1910 de Florença, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2002.

(Foto cedida pelo Sr. Cmdt. Semedo de Matos a quem se agradece a cortesia)

sábado, 13 de dezembro de 2008

Gostava de ter escrito isto...

... The Golden Age de Paulo Pinto.





(Para que conste, desisti de ver o filme ao fim de 10 ou 15 minutos).

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Oportunismo

A pseudociência tem como um dos seus atributos a recusa da crítica. O mesmo se passa com a pseudo-história, como já se mostrou nesta página. A crítica é o instrumento de verificação do conhecimento e não pode haver conhecimento sem crítica.
Qualquer discurso que procure passar por História mas que recuse a crítica passa a ser pseudo-história. Como a crítica é geralmente feita por especialistas e estes se encontram principalmente em instituições – universidades, academias e centros de investigação –, a pseudo-história passa a identificar esses organismos com os seus críticos e torna-se assim anti-institucional. Esta rejeição das instituições, confundindo-as com os seus membros, também nisso é reveladora da ignorância do processo de produção historiográfica.
Não deixa por isso de ser curioso que à recusa, por princípio, das instituições se procure sustentar nelas as suas próprias convicções quando erradamente se pensa estarem elas a dar o apoio para as ideias que se professam. É este mesmo raciocínio equivocado que faz pensar serem as instituições a validar um qualquer conhecimento e não os cientistas que na área em causa trabalham, como se a Universidade A pudesse validar, ou não, a Proposição X e a partir daí mais ninguém pudesse defender o seu contrário ou algo de diferente.
Na produção do conhecimento não há qualquer instituição certificadora de verdades e mesmo quando verdades são descobertas são-no feitas por homens, eventualmente institucionalmente enquadrados.
É por isso que, quando, por todo o lado (como aqui e aqui), vão aparecendo afirmações de que a Sorbonne apoia a ideia de ser Cristóvão Colombo português, estamos perante mais uma fraude feita por quem isso afirma. Tal como é fraudulento dizer que François Baradez é professor e é da referida universidade.
Conforme está amplamente demonstrado na página de Kristol Goulm, o jornalista François Baradez escreveu – sabe-se lá porquê – um pequeno artigo laudatório numa revista (Marins et Océans, n.º 3, 1992) de que se publicaram três números antes de fechar. O mesmo Baradez fez publicar noutros periódicos textos laudatórios do livro de Mascarenhas Barreto, facto que poderá indiciar um esforço sistemático de divulgação dos erros do autor do ... Agente Secreto de D. João II. O artigo na Marins et Océans é uma opinião que não é subscrita publicamente por nenhum professor, passado ou presente, da Sorbonne ou de qualquer outra instituição das que geralmente estão associadas à investigação histórica. Tendo cessado a publicação, essa revista foi posteriormente digitalizada e posta em linha por algum instituto ligado à Sorbonne. Quem nisto quiser ver um qualquer endosso pela universidade da opinião de Baradez sobre Colombo – ou de qualquer outro autor da revista sobre os vários temas publicados – erra tanto como aquele que vir na existência de livros numa biblioteca o apoio da mesma às ideias expressas nesses livros – pura burrice!
É, também, nestes pequenos detalhes que se manifesta toda a incoerência da pseudo-história. Esta rejeita a autoridade dos académicos e menospreza as suas instituições, mas ao mesmo tempo procura afincadamente obter o reconhecimento destes. Quando isso não acontece os seus praticantes inventam graus - usados como se de títulos se tratassem - e criam novas instituições que mimetizam as que desprezam.


Adenda de 12-12-2008.

Ver também:
CHRISTOPHE COLOMB ET LE PORTUGAL: ÉTAT DE LA QUESTION
Ouvrages de référence pour comprendre le livre de Barreto...
Les détracteurs du livre de Mascarenhas Barreto
Le professeur Mascarenhas Barreto est-il un mystificateur?

Adenda de 21-12-2008:
Fábrica de diplomas (diploma mill)
Life-experience diplomas from the Web are all the rage
Diploma mill: Bennington University
Adenda de 26-1-2009:
Qui est Mascarenhas Barreto?

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Subsídios para a História de uma polémica

O semanário O Diabo publicou em 1990 uma entrevista a Luís de Albuquerque que gerou uma forte reacção de Mascarenhas Barreto e de outros devotos da causa, reacções essas que parecem ir muito mais além do que o razoável para fazer valer uma qualquer posição académica.
Veja-se o que diz Luís de Albuquerque ao jornal O Diabo em 24 de Julho de 1990:
(Clicar na imagem para ampliar)

E agora a reacção de Mascarenhas Barreto no mesmo jornal de 7 de Agosto de 1990:
(Clicar na imagem para ampliar)

Pelo meio houve, pelo menos, uma carta ao director sobre o assunto, de que não dou mais notícia pois vale o que valem a maior parte das cartas aos directores dos jornais, e ainda mais um artigo de opinião por um José Martins, oficial da Armada reformado, em que desanca fortemente nos espanhóis, na CNCDP e até nos seus camaradas de armas que, cépticos, não paparam a historieta de Barreto quando este último a contou na Academia de Marinha.
O artigo em causa com o antetítulo de A Tese sobre a Portugalidade de Colombo e com o título muito indicativo de Estamos a Ser Alvo de uma Conspiração? foi publicado pel'O Diabo de 28 de Agosto de 1990 nas páginas 8 e 9.
Entre as muitas banalidades que o autor escreve - na linha do que já se está habituado a ver neste blogue aos defensores da Portugalidade do Almirante das Índias - está a notícia, dada pelo próprio, da carta que escreveu ao Primeiro-Ministro com altos conselhos de estado - eufemismo meu para dizer exigências - de como se deveria lidar com tão grave questão nacional. Transcreve a carta e desta convém reter a genial ideia - exigência - de - e passo a citar - mandar contratar os melhores peritos internacionais na ciência da cabala para estes confirmarem a descodificação da sigla daquele navegador ou, no caso contrário, nos dizerem o significado da mesma.
Agora compreendo como chegou ao fim a hegemonia da Marinha Portuguesa...

terça-feira, 25 de novembro de 2008

A paleografia dos colombófilos


Um historiador não tem que ser um paleógrafo, mas a proficiência em paleografia é condição essencial para todos os que trabalham com épocas históricas onde predominam os textos manuscritos e não abundam as edições impressas de fontes.
A Paleografia é uma ciência auxiliar da História mas é também um ramo autónomo do conhecimento que tem, entre outras, a História como ciência auxiliar. Tudo depende do objecto e da perspectiva adoptada em cada estudo.

Há uns meses efectuou-se a votação cujo resultado está manifesto aqui ao lado. Perguntava-se de quem era a assinatura acima (João Saraiva) e, à parte de algumas brincadeiras e tentativas de sabotagem, a maioria dos nossos leitores não respondeu por não conseguir ler o texto. Este facto não tem nada de mal, afinal é para isso que servem os paleógrafos e os especialistas em História do período.
Se não é vergonha nenhuma não saber ler textos antigos, e menos ainda não ser capaz de os transcrever correctamente, já é completamente indecoroso fazer-se passar por especialista, afirmando parvoíces como se verdades se tratassem. É o que ocorre, por exemplo, com as assinaturas e com as grafias do nome de Cristóvão Colombo acerca das quais se têm escrito os mais completos disparates, simplesmente porque quem o faz não sabe rigorosamente nada de paleografia. Essas fraudes ficam sideradas perante um sinal diacrítico ou de abreviatura; aliás, não sabem o que é uma abreviatura, e muito menos se é sistemática, vocabular ou especial; não conhecem um só estilo caligráfico que seja; não sabem distinguir suportes, instrumentos de escrita nem tintas.
Mas se a sua incompetência se limitasse à paleografia tal não seria muito grave, pois ainda poderiam socorrer-se dos textos publicados. Só que nem isso lhes vale, porque a sua ignorância estende-se à diplomática, à filologia e à etimologia, tanto no geral como no particular - aliás é mesmo no particular onde mais se manifesta o embuste que são.

(Algumas abreviaturas do nome Cristo usadas do século XIII ao século XVIII in
Eduardo Borges Nunes, Abreviaturas Paleográficas Portuguesas, Lisboa, Faculdade de Letras, 1981)



sábado, 22 de novembro de 2008

Um livro muito didáctico

Hoje passei numa livraria onde um livro me prendeu a atenção por ter como título O Alentejano que Descobriu a América. Obviamente que resolvi dar uma vista de olhos. Para além do título extravagante o livro é também curioso pela sua veia literária, por não ter páginas numeradas e muitas outras palermices.
A veia literária vê-se pela seguinte passagem:
(...) o rapaz prendeu-se de amores (ou de calores, não se sabe) (...) por uma rapariguinha de boas famílias (...) e zás, a moça engravida...

Logo à frente, para se dar um ar de erudição, resolve-se referir a palavra Sefarad em hebraico. Bom, os caracteres são hebraicos, mas escritos da esquerda para a direita o que dá uma palavra que não existe, pelo menos nos meus dicionários. Ou seja, דרפס em vez de ספרד. É óbvio que para quem não percebe nada, é indiferente a posição dos caracteres…

Depois envereda pela história dos judeus portugueses onde o autor revela a sua estrondosa ignorância.
Refere-se que Colombo foi baptizado com o nome Salvador Fernandes Zarco, mas no sentido de lhe ter sido dado esse nome, dizendo-se ser complicado baptizar um ilegítimo e muito mais porque o avô era sefardita.
Comecemos pelo princípio.
Se o avô era sefardita, ou seja, judeu (português ou espanhol, é indiferente) porque raio, porque carga de água, ia baptizar o neto?
Mas, imaginemos que os avós e os pais foram iluminados pelo Espírito Santo e baptizaram a criança. Porque razão tinham de ser discretos? Porque era filho bastardo e porque tinha sangue judeu?
A bastardia nunca foi impeditiva de baptismo. Mesmo as conservadoras regras estabelecidas pelo Concílio de Trento obrigavam a que as crianças fossem baptizadas nos primeiros dias de vida e isto independentemente de serem ou não legítimas.
Os judeus portugueses, que se saiba, sempre foram orgulhosos da sua religião e apesar das mais adversas condições sempre assumiram a sua identidade judaica até à implantação da Inquisição em Portugal, o que só sucedeu em 1536. Até aí, e mesmo após esta data, as pessoas eram identificadas por todos como sendo judias. Se queriam passar despercebidos, se alguma razão para isso houvesse, não conseguiam. Até houve distintivos específicos, embora com pouco uso, diga-se.
Na época em que Colombo viveu em Portugal os judeus praticavam livremente o Judaísmo e não tinham motivo para esconderem a sua religião. A expulsão e conversão forçada dos judeus ocorre em Portugal muitos anos depois de Colombo estar ao serviço dos Reis de Castela e Aragão. Até 1497 em Portugal os judeus tinham nomes judeus e não precisavam de ter outros, nem de se baptizarem, a não ser que a sua convicção religiosa o determinasse. Uma questão curiosa é: porque razão um pretenso judeu português (baptizado ou com nome dado, segundo o autor) iria dum país onde era livre de praticar a sua religião para Espanha onde havia Inquisição e perseguição aos judeus?

Mais ainda, porque razão haveria um bastardo dum infante de Portugal servir como marinheiro? É plausível que os Reis Católicos e toda a nobreza portuguesa, e até mesmo castelhana, não soubessem que Colombo fôra antes Salvador Fernandes Zarco?

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Exemplo de mercador elevado à alta-nobreza

Fernão Gomes
Serviu o rei em Ceuta, e na tomada de Alcácer, Arzila e Tânger onde o rei o fez cavaleiro; em 29-8-1474 recebeu nobreza com a atribuição de cota de armas e apelido «da Mina», tudo transmissível a seus filhos.
Em 1478 é elevado ao Conselho Régio.
A entrada de filhos de plebeus ao serviço da Casa Real, entreabrindo-lhes as portas da possibilidade de nobilitação, era motivo de escândalo e de preocupação obsessiva dos «cidadãos da governança». Perspectiva idêntica manifestaram ao ver que mesteirais se aproveitavam do novo sistema de administração das aposentadorias, não só para enriquecer e exercerem o mando, «ca eles que soíam e hão de ser mandados pelos bons mandam agora», mas também, e isso vinha logo à cabeça do capítulo, porque «nunca mais usaram de seus ofícios mecânicos de que antes usavam por acharem este direito [administração das aposentadorias] tão grosso que sempre dele têm que comer por onde já são feitos escudeiros».
... parece evidente que diversas portas de ascensão social a caminho da nobilitação se começavam a abrir no Portugal das décadas de sessenta e de setenta do século XV. Forçadas pela recuperação demográfica e económica, mas não só. A guerra foi o outro grande factor de nobilitação, tanto no Portugal de D. Afonso V, como na Espanha dos Reis Católicos. D. João II aceitou pôr travão e corrigir, a pedido dos povos em 1481-82, a política de seu pai que, no contexto das «guerras passadas de Castela» ou «nas partes dalém de África», conferira estatuto e privilégios de «vassalos acontiados» a numerosos oficiais mecânicos.


(João Cordeiro Pereira, «A Estrutura Social e o seu Devir», Nova História de Portugal, vol. 5, 1. ed., Lisboa, 1998, pp. 287- 289.)


Ver mais casos de nobilitação de burgueses.
(Última actualização: 27-11-2008)

sábado, 15 de novembro de 2008

Parabéns ao Colombina

Ao bom trabalho desenvolvido!

domingo, 2 de novembro de 2008

Luís Vaz de Camões - Os Lusíadas, Canto X, 138

Ao contrário do que alguns possam pensar, Camões refere-se a Fernão de Magalhães no Canto X, estrofe 138.

Eis aqui as novas partes do Oriente
Que vós outros agora no mundo dais,
Abrindo a porta ao vasto mar patente,
Que tão forte peito navegais.

Esta estrofe refere dois tempos diferentes. Os primeiros quatro versos - os acima transcritos - formam uma frase no presente. Ou seja, no presente da narrativa refere-se o que os portugueses têm descoberto e navegado no Oriente.

Os quatro versos seguintes, formando uma segunda frase, mudam de tempo verbal; a frase que compõem refere-se a um tempo futuro.
Ora, Cristóvão Colombo chegou ao Novo Mundo antes dos portugueses chegarem à Índia. Logo, o tempo futuro à chegada e à navegação dos mares da Índia não é a chegada ao Novo Mundo. Portanto o Poeta só pode estar a referir-se a Fernão de Magalhães, um verdadeiro português que serviu o rei de Espanha.
Tétis fala a Vasco da Gama num momento entre a chegada deste à Índia e antes do seu regresso a Portugal. Esta acção passa-se seis ou sete anos depois da primeira viagem de Cristóvão Colombo ao Novo Mundo, portanto gramaticalmente não faz sentido que a ninfa use um tempo verbal futuro para se referir a uma acção pretérita. No entanto, já é correcto que a ninfa refira uma acção que ainda está para acontecer usando o futuro e essa será a viagem de Fernão de Magalhães.


Mas é também razão que, no Ponente,
Dum Lusitano um feito inda vejais,
Que, de seu Rei mostrando-se agravado,
Caminho há-de fazer nunca cuidado.

Esse caminho que há-de ser visto, e nunca antes pensado ou cuidado, é a rota do Pacífico, pelo estreito que ficou com o nome do seu descobridor. Tomando a Europa como ponto de partida - numa perspectiva eurocêntrica, se assim se quiser chamar -, o Estreito de Magalhães fica para ocidente; tal como ficam na direcção Ponente todas as descobertas feitas no decorrer desta empresa, pois o seu rumo, grosso modo, foi de nascente para poente. Mas se em vez de se considerar a Europa como referencial das direcções, e se em seu lugar se colocar o local onde decorre a acção, onde a ninfa profetisa os sucessos futuros dos portugueses, ainda assim continua válido o mesmo raciocínio.
O Poeta disse,

Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
que eu canto o peito ilustre lusitano

e para o efeito chamou os heróis pelos nomes, nem poderia ser de outra maneira; não os ocultou, mesmo quando algum desses heróis era «Português, porém não na lealdade» como Magalhães.
Se Cristóvão Colombo fosse português, e Camões o soubesse, este não calaria o facto em 1572, pois tal já seria tão irrelevante que até um insignificante fidalgo, como ele o era ao tempo, o saberia. Mas, sabendo-o e sendo calado pela censura, então teríamos, para além de Camões, mais um ou mais uns envolvidos na conspiração colombina e sobre a plausibilidade duma conspiração envolvendo tanta gente já aqui se escreveu.

(Última actualização: 12-11-2008)

Sobre esta matéria também já se escreveu aqui.

Pondo as coisas em contexto...

Um comentário publicado no post anterior citando Luís de Albuquerque, além de provocação gratuita, é desonesto pois coloca fora de contexto as palavras do historiador, deixando no ar a ideia de que é esse o seu discurso historiográfico quando na realidade se está perante uma resposta sarcástica aos insultos de Luciano da Silva.
Aos pseudo-historiadores, esgotados os seus iniciais quinze minutos de fama - o tempo que leva a demonstrar os seus erros -, só resta o remeterem-se ao esquecimento, ou, em alternativa, tentarem manter-se sob a atenção dos media recorrendo a fantasias ainda mais elaboradas. Como é difícil complexificar uma pseudo-história para a tornar coerente com a História, e com isso manter a atenção do público, escala-se a polémica com recurso ao insulto soez, o que é infinitamente mais fácil. É o que fez Luciano da Silva e é o que fazem muitos dos comentadores deste blogue.

(...) O Dr. Manuel Luciano da Silva também quis dar nas vistas: concedeu uma entrevista ao Jornal de Coimbra. Não vale a pena perder muito tempo com este médico luso-americano, porque já dele falámos mais do que é devido, quanto ao seu hobby, como ele diz, de historiador (mas também sei que na sua profissão de clínico tem excelente e penso que merecida reputação). Volta com a pedra de Dighton e à carta de 1424. Ficamos a saber que, na opinião do médico: 1.° o Senhor Ministro da Educação é «analfabeto» (sic), porque não deu resposta a cartas que lhe dirigiu e em que, provavelmente, o massacrava com as suas «grandes descobertas»; 2.° «Luís de Albuquerque, Vasco Graça Moura, os homens da Comissão, estão a bloquear todas as minhas pesquisas em desperdício da verdade e honra que pertence a Portugal» (o itálico é meu). E depois: «os indivíduos que estão à frente da Comissão Nacional dos Descobrimentos preocupam-se mais com as suas personalidades e só eles é que sabem... Põem o seu penacho acima da verdade e da documentação»; 3.° eu tenho «uma inveja extraordinária das minhas [suas] investigações porque trabalhou [trabalhei] com Armando Cortesão, viu [vi] o mapa muitas vezes mas não descobriu [descobri] nada»; 4.° escrevi «centenas de trabalhos sem uma única ideia original»; 5.° «na pág. 155 [de um livro meu] há uma fotografia da pedra de Dighton que foi roubada pelo Albuquerque [sou eu]. Essa foto foi feita por mim [Manuel Luciano da Silva] em 2 de Novembro de 1959 e está coberta por copyrights para língua portuguesa e inglesa até ao ano de 1990. Ele [sou eu] publica a minha fotografia, sabendo muito bem que é minha, sem mencionar de onde a tirou».
Resposta a estes quatro pontos: 1.° não se apercebeu o Dr. Manuel Luciano da Silva ao fazer a primeira afirmação que devia desconfiar do estado do seu cérebro ou, alternativamente, de que estava a ser tolo?; 2.° Confesso: «os homens da Comissão» reúnem-se diariamente para estudar meios de «bloquear» o médico luso-americano; fico espantado, como estas coisas se sabem!; 3.° tenho, de facto, uma grande inveja das sensacionais descobertas de Manuel Luciano da Silva. Se lhe pudesse roubar uma... deitava-a no caixote do lixo!; 4.° aqui deu no vinte: nunca tive uma ideia original e isso acabrunha-me! contudo, agora, pensando nisso, concluo que antes assim, apesar de tudo, porque ainda não dei qualquer prova de insanidade mental com originalidades excêntricas; 5.° nova prova de incomensurável perspicácia: roubei ao Dr. Manuel Luciano da Silva, ou fiz roubar a fotografia da pedra de Dighton; não dos folhetos que vai publicando e onde a tem reproduzido com os retoques e riscos que lhe apetece; esses folhetos de cordel são de péssima qualidade e as fotos tão más como os folhetos. E foi então que estabeleci um minucioso plano para me apoderar do negativo de uma das fotos: aliciei um neto de Al Capone, que anda lá pelas Américas na penúria (até onde podem chegar os familiares de homens de renome!) e ele prontificou-se a assaltar a casa do médico luso-americano. Fê-lo exactamente «no dia 7 de Novembro de 1986, sexta-feira, quase à meia-noite»; o Dr. Manuel Luciano da Silva tinha acabado de descobrir na carta de Zuarte Pizzigano a prova irrefutável de os Portugueses terem chegado à América antes de 1424, usando nisso «os métodos da medicina», e entrara em transe; Al Capone bi-Jr. quando penetrou sub-repticiamente em sua casa e o viu, apanhou um grande susto; mas depois recompôs-se por notar que o nosso invejável «descobridor» passava por uma fase de total alheamento, normalíssimo em seguida à assombrosa conclusão indesmentível a que chegara; e o jovem ladrão subalterno surripiou-lhe o negativo, nas barbas dele! Usei-o, pois, fraudulentamente!

*

Até onde podíamos ir nesta conversa? Mas se eu pudesse dar um conselho ao Dr. Manuel Luciano da Silva e ele me ouvisse, dizia-lhe que procurasse outro hobby; e se desconfiar da minha opinião, desinteressada e amiga, recomendava que confirmasse a validade do que sugiro, dirigindo-se a um colega da sua Clínica, onde os deve haver bons como ele é, para uma urgente consulta psicanalítica, com a promessa de contar «tudo direitinho pra ele» (como se diz no Brasil). Aposto singelo contra dobrado que, nesse caso, lhe vai ser prescrito consumir as energias excedentes do seu metabolismo a jogar o «golf», a pescar, a pintar, a caçar gambozinos ou em outra qualquer actividade assim inofensiva.
Dr. Manuel Luciano da Silva, mascarado de Infante D. Henrique na procissão do Senhor Santo Cristo, em Bristol, em 13 de Maio de 1990. Prova de que o conselho dado ao protagonista é mesmo a sério.

(Luís de Albuquerque, Dúvidas e Certezas na História dos Descobrimentos Portugueses, vol. I, Lisboa, Círculo de Leitores, imp. 1991, pp. 158-161.)

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

A propósito de alguns comentários

O súbdito ideal do governo totalitário não é o nazi convicto nem o comunista convicto, mas aquele para quem já não existe a diferença entre o verdadeiro e o falso.
(Hannah Arendt, As Origens do Totalitarismo, 2.ª ed., Lisboa, D. Quixote, 2006, p. 627.)

terça-feira, 7 de outubro de 2008

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Do Morgadio - subsídio para a sua compreensão

Aos nossos leitores que porventura se terão perdido nos meandros histórico-jurídicos da questão do morgadio instituído por Cristóvão Colombo, ou que desde o início têm dificuldade de entender o funcionamento desta instituição que condicionou as estruturas económico-sociais dos estados ibéricos até ao século XIX, sugere-se a leitura dum excelente estudo sobre os seus primórdios em Portugal.

ROSA, Maria de Lurdes
O Morgado em Portugal. Sécs. XIV-XV, Modelos e Práticas de Comportamento Linhagístico, Lisboa, Ed. Estampa, 1995.

Através deste estudo ficamos a saber, por exemplo, que:
  • As primeiras instituições de morgadio em Portugal datam do início do séc. XIV e que em Castela terão aparecido um pouco mais cedo.
  • Só no século XVI (1537) surge a primeira obra tratando do morgadio enquanto instituição: Luis Molina Morales, De hispaniorum primogeniorum origine ac natura.
  • Já em Portugal só nos finais do século XVI se começam a publicar sentenças relativas a morgadios...
  • ... e é preciso esperar pelo ano de 1685 para ser dada à estampa a primeira obra portuguesa versando o assunto na perspectiva legal: Manuel Álvares Pegas, Tractatus de exclusione, inclusione, successione et erectione maioratus, Lisboa, Miguel Deslandes, 1685.
  • Estas obras «coligem e apresentam sucessivamente definições oriundas de diferentes ordenamentos jurídicos e tradições jurisprudenciais, salvaguardando sempre a vontade do instituidor como lei última do morgadio».

terça-feira, 22 de julho de 2008

Os historiadores são uns maçadores

E se, calmamente, lendo os documentos com atenção e com atenção se procurasse interligá-los, se diligenciasse encontrar uma expedição menos rocambolesca para o caso Colombo? E se nos puséssemos a ler toda a documentação genovesa sem a intenção de encontrarmos nela por qualquer preço indícios ou pseudo-indícios de falsificações, e só denunciássemos os documentos que na verdade, sem qualquer dúvida, são falsos?

(Luís de Albuquerque, «Lá vem Cristóvão Colombo, que tem muito que contar...», Dúvidas e Certezas na História dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, Círculo de Leitores, imp. 1991.)

sábado, 12 de julho de 2008

Cristóvão Colombo - Eça de Queirós

O Expresso apresenta um artigo de Eça de Queirós escrito por alturas do 4.º Centenário da chegada de Cristóvão Colombo ao Novo Mundo. Se não bastasse tratar-se de excelente literatura, este interessante texto vale para mostrar como as efemérides reflectem mais preocupações presentes do que real interesse pelo passado.

Os centenários têm a excelente utilidade de avivar e recolorir largos pedaços de Historia, que já se apagavam, se sumiam, conservando apenas aqui, além, algum contorno incerto e turvo...

Há anos, em Lisboa, o centenário do "Príncipe dos Poetas" levou muito homem culto (e mesmo de Letras) a comprar enfim os Lusíadas: e os divinos Sonetos, as Elegias choradas com tanta paixão e arte "sob los rios de Babilónia", foram finalmente lidas (ou folheadas) porque, no Rocio e no alto da Graça, havia luminárias em honra de Luís de Camões. Não foi tanto porém a Obra como a Vida do poeta que teve assim o seu feliz momento de ressurreição.

E como ela andou tão espalhada e repartida pelo mundo, através dela se rememorou - desde a Lisboa do século XVI, e da corte letrada da infanta D. Maria, e do soalheiro turbulento de Alhos Vedros até aos combates da Índia e às façanhas dos Mares do Oriente - toda uma soberba página da vida heróica da Renascença Portuguesa. Esse centenário foi assim, entre préstitos e charangas, uma preciosa vulgarização histórica. Portugal necessita de vez em vez absorver um largo trago da sua História - como os velhos de esvaída força necessitam beber goles de vinho generoso e forte, de Borgonha ou do Porto.

A mesma útil lição do Passado nos está sendo dada pelo centenário de Cristóvão Colombo de quem, por entre este tumulto de ideias e factos que nos solicitam andávamos tão esquecidos (nós os ignorantes), que apenas sabíamos que ele vagamente descobrira a América, e vagamente morrera em miséria. Todo o resto era uma mancha escura. Dela agora, graças ao centenário, vai surgindo (para nós os ignorantes), em um relevo certo e cada dia mais vigoroso, a imagem do herói e do seu tempo. Já começamos a saber toleravelmente o nosso Colombo - e como numa aventurosa galé arribou à Madeira onde herdou os papéis e as cartas dum velho mareante português; e como muito tempo errou por Lisboa, oferecendo um Mundo novo, desatendido do "Rei Perfeito", desdenhado pelos nossos cosmógrafos que só tinham olhos para Oeste; e como por um triste inverno atravessou a Espanha quase mendigando com o seu filhito Diego; e como bateu à porta do Mosteiro de Santa Maria da Rábida para nele encontrar, além do pão, aquele inteligente patronato de padres e fidalgos que, através de lutas, de dedicados esforços, o puseram enfim a bordo da Santa Maria, com uma bolsa de 6.000 maravedis, para ele ir buscar esse mundo de que tanto se riam os grandes doutores de Salamanca. E não é só Colombo que assim renasce, outra vez vivo e real, mas todos esses homens fortes que o amaram, com ele colaboraram no grande achado, e, de todo esquecidos, vêm hoje receber a sua parte de glorificação - o bom prior do mosteiro da Rábida, Juan Pérez de Marchena, um santo que era um cosmógrafo, Pedro González de Mendoza, grão-chanceler de Castela, que toda uma tarde defendeu o seu roteiro perante os reis católicos, no acampamento de Baeza; o velho duque de Medina-Coeli que o ajudou a equipar a Niña e a Pinta; e outros ainda até essa boa alma do infante D. Juan, que cria nele, como num predestinado e valente resgatador de almas.

Também estes devem partilhar das coroas do centenário - quando não seja senão para animar, pelo exemplo da sua fé generosa (tão em contraste com a resistência obtusa dos sábios de Salamanca, e de todos corpos constituídos da Espanha) aqueles a quem ainda hoje um grande homem possa levar a confidência de uma grande ideia.

Grande homem decerto o foi, este Colombo! Partira de Itália um simples piloto, e o ar de Espanha fez dele um herói. Melhor! Fez dele um Místico, pondo-lhe na alma essa Fé que vale mais que o Génio, porque só ela comunica ao homem a força que pertence a Deus. É, com efeito, uma ideia de misticismo que impele Colombo para os mares. O que ele pretende não é completar o mapa do mundo, em bem da ciência, mas achar essa misteriosa Índia onde há o ouro (o ouro excelentíssimo, como ele dizia) para com ele, em bem da Fé, equipar dez mil cavalos, cem mil infantes, e ir conquistar Jerusalém!

O que Colombo procurava através das névoas atlânticas, era na realidade o Santo Sepulcro.

E de que essa Índia seria descoberta, e colhido todo esse ouro, seguro estava ele - porque assim o predissera o profeta Isaías!

Parte enfim de Palos. Decerto levava roteiros e mapas. Mas que lhe importavam? O mapa único com que estudava, na incerteza dos altos mares, era o que lhe desdobravam de noite, diante da proa da Santa Maria, dois grandes anjos, e onde ele via brilhar num contorno de lua, a Índia e todo o seu ouro! Por isso quando os ventos sopravam com desusado furor, ele, indignado, mandava-os emudecer, em nome de Deus. E se as altas vagas batiam devoradoramente essas pobres caravelas, mal pregadas, frágeis como os nossos caíques de cabotagem, Colombo, indiferente à manobra, debruçado da amurada, à luz mortiça dum farol, lia às vagas, para as serenar, o Evangelho de S. João. Assim era no século XV um almirante mayor del mar oceano. E assim chegou pilotado pelo Espírito Santo. Além está a terra... A Pinta dá naquelas solidões, com uma velha colubrina o primeiro tiro, anúncio primeiro das mortandades que hão-de vir. Mas, nesse instante só se pensava em cravar depressa nel mundo novo, uma cruz, signo de infinita paz, do divino ensino trazido aos infiéis! Finalmente Colombo desembarca. Gajeiros e pilotos choram de pura alegria, aclamam o Almirante. Só Colombo está sereno. Porquê? Ele o diz - "porque nesta empresa das Índias não me aproveitou razão, nem matemática, nem mapas mundi; simplesmente se cumpriu o que disse Isaías!"

Há certamente razões para celebrar este homem - mas não sei se as há realmente para celebrar a sua descoberta. Dela datam a decadência e todas as ulteriores misérias de Portugal e de Espanha.

Até a essa fatal partida de Palos, nós éramos duas nações ditosas, compostas sumariamente de homens de espada e de homens de enxada. O homem de espada ia adiante rechaçando o Mouro, e o outro seguia atrás, com a sua enxada, granjeando a terra (que de resto o mouro já regara e preparara bem destramente!) Assim íamos edificando a prosperidade da pátria sobre a base de trabalho. E, dentro de nossa casa, éramos ricos. Todas as grossas e lentas caravelas da Europa vinham a Lisboa buscar trigo: e na Andaluzia, terra da amoreira e gado, havia dezasseis mil teares tecendo alegremente a seda e a lã. Era o tempo dos Bucolistas. E o mais ambicioso poeta, exclamava:

A mí, una pobrecilla

mesa, de amable paz bien abastada,

me baste!...

De repente, porém, uns atrás dos outros, nau após nau, Colombo descobre as Antilhas, Vasco da Gama acha o caminho da Índia, Ponce de León avista a Flórida, Balboa atravessa o Panamá, Álvares Cabral aporta ao Brasil!

E todos eles voltam perturbados, trazendo a notícia e já a posse de terras cheias de especiarias, de marfim, de ouro e de diamantes! Foi como se a estes dois homens, honestamente curvados sobre a terra, o Espanhol e o Português, tivesse saído o prémio grande da lotaria.

Houve uma brusca revolução nas suas ideias, nos seus hábitos, na sua moral. Todos, tumultuosamente, abandonam casais e teares. Para quê trabalhar? Para juntar ao fim de uma vida suada e dura, dois dobrões no fundo de uma arca? Mas só nas Molucas há um ilhéu, cujo solo é todo de ouro, de ouro bruto! Mas as Índias estão atulhadas de pimenta e cravo, e uma mão cheia de especiarias vale uma légua de centeio e milho! Mas o Samari, que é mouro, e portanto presa justa, tem no seu palácio cestas cheias de rubis e diamantes! Basta embarcar, trazer e mercadejar! E tudo embarca. Campos e teares ficam desertos. Dos sete milhões de carneiros que tinha a Andaluzia, escassamente lhe restam alguns milhares, comendo cardo pelas fráguas.

Lisboa já não tem trigo para vender - já não há pão próprio em casa. Há pimenta - com que se compra o pão alheio. Espanha e Portugal não são já duas nações, que pelo trabalho se desenvolvem normalmente, mas duas metrópoles ociosas, de braços cruzados, diante dos seus contadores, explorando ao longe, por meio de escravos, jazigos de ouro e feitorias de tráfico. E, opulentas, gozam a vida.

Mas que sucede? Que pouco a pouco se esgotam os jazigos de ouro. Que outras raças vindas do Norte, dextras nos mares, mais tenazes e mais hábeis, com aptidões de mercancia imensamente superiores se apoderam das suas feitorias, das suas naus. E aqui fica o desventuroso peninsular sem feitoria e sem ouro! Nada lhe resta. Os campos? Incultos. Os teares? Partidos. Os gados? Comidos nos tempos dos festins, com a pimenta e o cravo do Oriente. E, pior que tudo, perdido o hábito forte e salutar do trabalho! Que fará? Quando ele era rico, e para que Deus lhe perdoasse os meios sangrentos por que enriquecia, fundara e dotara muitos mosteiros, agora poderosos. É esse o seu recurso extremo. E o peninsular, lançando aos ombros a capa do Lazarilho, vai esmolar o caldo de todos os dias à portaria dos conventos.

Tem todavia ainda outro recurso. As descobertas, essas Américas e essas Índias, com o seu comércio, tinham feito desenvolver entre as raças do norte que com elas aproveitaram, uma instituição nova e estranha - o Banco. O Banco era ainda mais rico que o mosteiro - de facto ia substituindo o mosteiro. De sorte que o Peninsular (apenas adquiriu esta certeza) retomou a capa de Lazarilho e partiu a implorar a vida de cada ano aos Bancos de Inglaterra e França... E assim vive desde que os seus grandes pilotos o presentearam com um mundo. Não vejo por isso que haja uma superior razão em celebrar estas descobertas...

Nós, os Portugueses, fomos talvez mais justos, atendendo apenas, na descoberta, ao poema que ela ocasionou - esquecendo prudentemente a passagem do Cabo, e glorificando só os Lusíadas.

Enquanto à América, só ela realmente se orgulha em ter sido descoberta (vivia tão feliz, quando ignorada!) não me parece que deva especialmente celebrar Cristóvão Colombo como o homem sine qua non, a quem ela deve a sua vida de civilizada.

O genovês não lhe foi essencial, para ela emergir do segredo do Mar tenebroso!

"A América lá estava", como dizia o bom Narváez.

Ora, sempre que no século XVI se tratava de ir buscar um Mundo, quando não partia já um galeão espanhol, partia logo um galeão português. Em Cádis ou em Lisboa, havia constantemente um mareante, pronto a ir com alguns mapas incertos, e o coração posto em Deus, fundar, através dos mares, um reino novo. E se em 1492 Colombo não tivesse descoberto a América pelo norte, lá estava já Pedro Álvares Cabral que, em 1500, a descobriria pelo sul. Eram para esse continente mais oito anos de sossego e obscuridade ditosa!

João Gomes [Eça de Queirós]

sábado, 28 de junho de 2008

Mayorazgo de Colombo ou a Vingança de Baldassare (7)


Aqui o Sr. Rosa esquece-se uma vez mais que D. Hernando Colón disse por duas vezes que seu pai era de Génova, no seu testamento e na biografia do Almirante, e que, por isso, costuma dizer que não é credível! E cita a biografia de Colombo escrita por D. Hernando, que passa a ser credível, subitamente, pois dá jeito para citar a “missa em Todos-os-Santos” de Colombo!

Face ao anteriormente exposto, resta acrescentar, em defesa do vilipendiado Baldassare, que este lutou até à sua morte pela herança de Colombo, nunca tendo sido suspeito de qualquer falsificação, que essa suposta falsificação de nada lhe interessava num mayorazgo revogado mas inteiramente apoiado pelo Codicilo de 1506, como muito bem explicam Anunciada Colón de Carvajal e Guadalupe Chocano em En Torno al testamento de Critóbal Colón de 1502, sucedeu-lhe seu filho, o qual veio a receber 2000 ducados da herança de Colombo.
Note-se ainda que Baldassare tudo fez para aclarar a sucessão, recorrendo às chamadas “paulinas”:
«En la Villa de Madrid, a diez y ocho días del mes de henero de mill y quinientos y ochenta y seis años, ante mi el notario y testigos infrascritosparescio presente el señor Doctor Juan Hurtado, advocado en esta Corte, al que yo el notado infrascrito doy fee que conozco y dixo que por quanto a su noticia ha llegado como a instancia de Don Baltasar Colon fue ganada una paulina del Iltmo. Sr. Nupcio de Su Santidad, dada en Madrid, a nueve de noviembre del año de 1585 passado contra las personas que tienen o saben a donde esta el testamento que hizo don Cristoval Colon el año de quinientos y dos, o alguna clausula o parte dello y el dicho Sr. Doctor Hurtado por miedo de no caer en las censuras contenidas en la dicha Paulina, ha qúcrido hazer, como haze, la siguiente declaración y dixo que haviendo sido este declarante proveydo por curador al litem de don Cristoval Colon, hijo del Almirante don Luis Colon, el Doctor Verastegui le entregó ciertos papeles que el dicho Almirante Don Luis havia dexado en su poder, que todos eran papeles simples, excepto una escriptura que parescía ser testamento codicilo del dicho don Cristoval Colon, la qual le paresce que tenía una firma del dicho don Cristoval, pero a lo que se quiere acordar estava borrada y escrito en la margen que no havía de valer aquella dispusicion, sino otra, y que, por mandado de los señores del Consejo de Yndias, la entrego al Secretario Valmaseda muchos dias ha, y que no sabe otra cosa de lo contenido en la dicha paulina, y que esta es la verdad y lo juré en forma. Siendo presentes por testigos Joan Perez, don Manuel Btauo y Joan de Cespedes, estantes en esta Corte y el dicho Sr. Doctorlo firmó. Va entre renglones a do dize. Dada en Madrid a nueve de noviembre del año 1585 passado. El doctor Hurtado. Ante mi Antonio Frasca, notario publico» (firmado y rubricado)
«En la Villa de Madrid, a diez y nueve dias del mes de henero de mill y quinientos y ochenta y seis años, ante mi el notario y testigos infrascritos paresció presente el Sr. Doctor Joan de Verastegui, advocado de esta Corte y dixo que por quanto a su noticia ha llegado como a instancia de don Baltasar Colon fue ganada una paulina del títmo.
Sr. Nuncio de su Sanctidad, dada en la villa de Madrid, a nueve dias de noviembre del año proximo passado mill y quinientos y ochenta y cinco, contra las personas que tienen o saben adonde esta el testamento que hizo don Cristoval Colon en el año de quinientos y dos, o alguna clausula o parte dello, y el dicho Sr. Doctor Verastegui, declarante, por miedo de no caer en las censuras contenidas en la dicha paulina há querido hazer, como haze, la siguiente declaracion y dixo que el ha tenido y tiene en su poder un traslado de cierto testamento o codicilo que otorgo el Almirante don Cristoval Colon a diez y nueve dias del mes de mayo de mili y quinientos y seis años, otorgado ante Pedro de Ynoxedo, escrivano real en la villa de Valladolid, en que haze mencion que tenia fecho su testamento y que el lo ratificava y approbava, en que dize que el año de quinientos y dos, quando partio de España hizo ordenanza y mayorazgo, la qual escritura dexo en el Monasterio de las Cuevas, en Sevilla, a Fray Don Gaspar con otras sus escripturas y privilegios, la qual ordenan9a apprueba y confirma; pêro que aquella ordenanza y mayorazgo de quinientos y dos nunca este declarante la há visto ni sabido della, y cree y tiene por cierto que si la hubiera tenido o tuviera en su poder el Almirante Don Luis Colon se la hubiera monstrado a este declarante, porque desde el año de quinientos y cinquenta y dos hasta que murio fue su letrado y le comunico muchos negocios y secretos suyos, y que las escrituras que tubo del dicho Almirante don Luis Colon sobre cosas de su estado las entrego al Doctor Hurtado, aduocado en esta Corte quando fue proveydo de curador de Don Cristoval Colon, su menor, por inventario, al qual se remitte. Y esto es lo que sabe de lo contenido en la dicha paulina y que esta es la verdad, y lo juró en forma. Siendo presentes por testigos don Joan de Verastegui Fajardo y Miguel de Anoz y Joan Perez, estantes en esta Corte y el dicho señor declarante lo firmó de su nombre, al qual yo el notario doy fee que conozco. Va entre renglones: decía. vala. va tachado reno, no vala. El Doctor Verastegui.
Ante mi Antonio Frasca notario publico» (firmado y rubricado)


Documento 3

«En la villa de Madrid, a veynte y seis dias del mes de henero de mili y quinientos y ochenta y seis años, ante mi el notario y testigos infrascritos parescio presente Pedro de Acosta, natural de la villa de Vilvao y de presente residente en esta villa de Madrid y Corte de Su Magestad, agente que dixo ser del Conde de Gelves, y dixo que por quanto ha venido a su noticia como a instancia de don Baltasar Colon fue ganada una paulina del Iltmo. Señor Nuncio de Su Sanctidad, dada en la dicha villa de Madrid, a nueve dias del mes de noviembre de mill y quinientos y ochenta y cinco años proximo passado, e informado de lo contenido en la dicha paulina, por no caer en las censuras en ella contenidas, ha querido declarar, pomo declara, lo siguiente y dixo: que puede hauer siete años poco más o menos, hallandose este declarante en la villa de Valladolid haziendo ciertos negocios encomendados a el por don Cristoval de Cardona, Almirante de Aragon, le dixo a este declarante Fray Joan de Añgulo, de la Orden de Sancto Domingo, que residia en el Colegio de San Gregorio, de Valladolid, que en la celda de fray Joan Delgadiflo, frayle de la misma orden que residía en el mismo colegio, havia un bául lleno de papeles que tenia Alonso de Villarreal, y que andando el dicho Fray Joan de Angulo a rueáo y entercession deste declarante en busca del dicho baul de papeles, el dicho Fray Joan de Angulo dixo a este declarante que el dicho de Villarreal los havia mudado de alli, y los havia llevado al Monasterio de San Paulo; y porque la diligencia que este declarante hacia era para saver del mayorazgo y testamento que hizo don Cristoval Colon y asni andando este declarante en estas diligencias hablando con el dicho Alonso de Villan-eal, dixo a este declarante que si el Almirante de Aragón se lo pagase, el le daria papeles con que se aclarasse la justicia de lo tocante al ducado de Veraguas y a su mayorazgo. Y ansi mismo, el didio Fray Joan de Angulo, el qual es natural de la ciudad de Cordova, dixo a este declarante tratando sobre papeles del ducado de -Veraguas y mayorazgo que hizo don Cristoval Colon como desde Corte fue una persona, que no se acuerda si fue Juez o pesquisidor, a la dicha villa de Valladolid al dicho Colegio por los paieles tocantes al ducado de Veraguas, que estaban en poder de un obispo, frayle de la Orden de Santo Domingo; que residía en el dicho Colegio, y sabiendó que el dicho Juez o pesquisidor andava en busca de los dichos papeles, el rector y frayles del dicho Colegio los dieron a un frayle mutilon del dicho Colegio para que los escondiese, el qual los llevó a una granja del dicho Colegio, y el dicho frayle mutilQn se murió y, despues de muerto el dicho frayle mutilon, el dicho rector y frayles del dicho Colegio dixeron que havia sido gran descuydo a no preguntar al dicho frayle mutilon ántes que muriese adonde havia dexado los dichos ~apeles, y ansi el dicho rector y frayles enbiaron unos frayles deldicho Colegio a buscar los dichos papeles en la granxa, y andandolos buscando y no los hallando, uno de los dichos frayles dio con martillo en una pared y, como sono en gueco, dio mas recio y rompió un taybiquillo que estava hecho, y alli dentro haliaron los dichos papeles tocantes al ducado de Veraguas y a su mayorazgo y se los tomaron y los guardaron; lo que hicieron de los dichos papeles este declarante no lo save ni el dicho fray Joan de Angulo le dixo otra cosa. Otrosi dixo que havrá seis años, poco mas o menos, ségun se quiere acordar, andando este declarante buscando papeles tocantes al ducado de Veraguas y a su mayorazgo en la villa de Valladolid, halló una proban~a hecha ante Juan de Salzedo, receptor de la Chancilleria de Valladolid, entre el Almirante Don Diego Colon y Doña Philippa, su muger, antes que se casassen, en la qual probança paresce a este declarante que leyó un dicho de un frayle compañero del dicho Obispo; la qual contenia que yendo el Almirante don Luis Colon al dicho Colegio a visitar al dicho Obispo que, entiende este declarante, que havia sido su maestro, havia abierto el mayorazgo, el qual estava enquadernado y cobierto de terciopelo carmesi y leyeron la clausula la qual dexia que havia de heredar y succeder siempre en este estado hombre y no muger alguna. Otrosi dixo este declarante En torno al testamento de Cristóbal Colón del año 1502 175 que habra diez y seis años, poco mas o menos, este declarante estando en servicio del Almirante don Luis Colon en Oran, el dicho Almirante tenia un cofre lleno de papeles suyos, los quales, despues de la muerte de dicho Almirante don Luis, quedaron en poder de Antonio Prieto, su mayordomo. Otrosi dixo que habra cinco años, que los hace esta Pasqua de Resurrecion que viene, que este declarante vino a esta villa de Madrid y halló aqui el dicho Antonio Prieto y preguntandole destos papeles, dixo que los tenia en su casa, en la ciudad de Orán. Y esto es lo que sabe de lo contenido en la dicha paulina y lojuró en forma. Siendo presentes por testigos Francisco de Ribera y Pero Hernandez, los quales juraron en forma que conozen al dicho declarante, y lo firmó. Y ansi mismo este declarante dixo que la dicha provanqa hecha ante Juan de Salcedo, receptor de la Chancilleria de Valladolid, la envió desde Valladolid a esta Corte, a Francisco de Xuara, que hazia los negocios del Almirante de Aragon. Va tachado a do dice andando, no vala. Pedro de Acosta. Ante mi Antonio Frasca, notário publico (firmado y rubricado)”



Bibliografia

Ángel de ALTOLAGUIRRE y DUVALE, La patria de Cristóbal Colón, según las actas notariales de Italia.

_____ Declaraciones hechas por Don Cristóbal, Don Diego y Don Bartolomé Colón acerca de su nacionalidad.

Anunciada COLÓN DE CARVAJAL & Guadalupe CHOCANO HIGUERAS, «En torno al testamento de Cristóbal Colón del año 1502» Quinto Centenario, n.º 15, 1989, pp. 167-176.


Maria Benedita Vasconcelos