segunda-feira, 17 de junho de 2019

Carta de D. João II a D. Fernando de Aragão, 23 de Maio de 1493



A recém-divulgada carta de D.João II a D. Fernando de Aragão de 3 de Maio de 1493 como a primeira notícia oficial da chegada de Cristóvão Colombo a Portugal depois do feito que o celebrizou e de como foi recebido pelo rei, fez esquecer por um pouco uma outra carta bastante mais rica e relevante para a compreensão da rápida sequência de acontecimentos que levarão à assinatura do tratado de Tordesilhas.
De facto, esta segunda carta assinada pelo monarca português também em Torres Vedras mas em 23 de Maio de 1493 é um dos primeiros passos para a resolução pacífica do grande problema que se colocou a Portugal após o feito de Colombo. Só por isto o seu valor é inestimável enquanto monumento, pois quanto ao conteúdo confirma o que já se sabia por outras fontes de igual importância.
Por haver veículos mais sérios de comunicação científica do que este, e pelas razões referidas, não valeria a pena dedicar-se neste espaço qualquer nota a esta segunda carta, não fôra o facto de nela haver duas palavras que demonstram como as ideias dum Cristóvão Colombo português, com este ou outros nomes, são totalmente improcedentes face à realidade das fontes. Essas duas palavras foram notadas por Pedro Pinto que, estando a trabalhar com estes documentos sobre aspectos relevantes para a História, de imediato se apercebeu do rombo que elas fariam nas ideias dominantes do Colombo português. E em nada contribuindo para o progresso da arte e da ciência que o ocupa, passou essa informação e a respectiva transcrição a quem dela pudesse tirar utilidade, o que aqui se agradece.


Aos praticantes das várias crenças de Cristóvão Colombo não ser Cristóvão Colombo interessa da longa carta de D. João II a seguinte passagem, logo no início da mesma:

[...] Recebemos huũa vossa carta de creença., e ouuimos alguũas cousas que da vossa parte per vertude della nos disse, E quanto aos pregões e defesa que nos enuiaaes Requerer e que mandemos dar pera que nenhuũas carauellas e nauios de nossos Reynos e fora delles, nom vaão ao que ora nouamente achou dom christouam colombo vosso almirante., [...]
Excerto da Carta de D. João II a D. Fernando de Aragão (23-05-1493), Toledo, Archivo Histórico de la Nobleza, Villagonzalo, CP. 553, D. 8.
Dizem e escrevem esses autores que Cristóvão Colombo nunca se chamou Colombo, mas sim Colon, sem acento no segundo o, e que o Cristoforo Colombo italiano que a generalidade dos historiadores considera consensualmente não é o mesmo navegador, almirante das Índias de Castela. São assim duas pessoas diferentes, sendo que a identificação de ambas numa só é feita por engano voluntário dos actores históricos coevos ou pouco posteriores.
Este logro, segundo essas teses – chamemos-lhes assim por conveniência do discurso –, foi atribuído a Rui de Pina e a Pietro Martire D'Anghiera, pois como muito bem mostra a carta de D. João IIde 20 de Março de 1488 ao futuro almirante o seu nome não é Colombo e que nunca foi referido em Portugal ou nos reinos vizinhos como tal. Como muito bem mostra a carta de D. João II, Cristóvão Colombo é o mesmo Cristobál Colón que saiu de Palos, foi às Antilhas, passou pelos Açores e aterrou em Lisboa.
Esta grafia do nome agora constatada nesta carta é totalmente irrelevante para a História, pois não traz qualquer novidade, não se ficou a saber mais do que já se sabia. Mas é um severo revés para quem quer fazer umas histórias alternativas. O porquê da insistência na distinção minuciosa das grafias do nome da mesma pessoa pelos defensores de qualquer naturalidade de Colombo que não a italiana – no sentido geográfico e não no de estado – reside no facto de não haver qualquer prova que sustente as suas ideias e por isso sentem a necessidade separar as duas fases da vida do Almirante, atribuindo pessoas diferentes a cada uma delas. Até ao momento esta abordagem era a mais fácil por ser aquela que não obrigava a declarar todas as fontes e testemunhos contrários como falsos, bastava clamar por alguns. Com esta carta reforça-se a ligação que já havia sido estabelecida pelos historiadores com outros documentos mas que foi declarada como falsa pelos colombófilos, como o documento dito de Asseretto.
Como não têm importado todas as críticas que têm sido feitas, mostrando os erros infindáveis destes raciocínios, vai-se assistir agora a novos contorcionismos para encaixar uma cartita, que não pode ser declarada falsa, numa narrativa que quer continuar a negar a evidência dos factos.

sábado, 15 de junho de 2019

Carta de D. João II a D. Fernando de Aragão, 3 de Maio de 1493


CARTA DE D. JOÃO II A FERNANDO, REI DE CASTELA E ARAGÃO, SOBRE A CHEGADA A LISBOA DO ALMIRANTE D. CRISTÓVÃO COLOMBO (1493)


Transcrição de Pedro Pinto

Centro de Estudos Históricos, Universidade NOVA de Lisboa
CHAM – Centro de Humanidades, FCSH, Universidade NOVA de Lisboa, Universidade dos Açores


Resumo

1493, Torres Vedras, Maio, 3

Carta de D. João II a Fernando, rei de Castela e Aragão, sobre a chegada a Lisboa do almirante D. Cristóvão Colombo.
Abstract

1493, Torres Vedras, 3 May
Letter from King John II to Ferdinand, king of Castile and Aragon, concerning the arrival to Lisbon of the Admiral Christopher Columbus.


Toledo, Archivo Histórico de la Nobleza, Villagonzalo, CP. 553, D. 10.



[1]DOCUMENTO

Muyto alto muyto exçellente e poderoso princepe Irmaão Nos dom Ioham per graça de deus Rey de portugal e dos algarues d aaquem e d aallem mar em africa e senhor de guinee vos enuiamos muyto saudar como aquelle que muyto amamos e preçamos
veeo teer com fortuna do mar ao nosso porto da nossa cidade de lixboa dom christouam vosso almirante que folgamos muyto de veer e mandar tratar bem por ser cousa vossa,
E por vosso Respeito no caso que quisesse hir per terra por que mais çedo fosse a vos lhe mandamos dar cartas e auiamento pera despachadamente poder hir per nossos Reynos.,
E ouuemos muyto prazer de sua nauegaçom e por seu trabalho nom seer sem boom efecto e asy da maneira que teue em comprir vosso mandado em sua nauegaçom acerqua do que a nos compria segundo nos certeficou e Nos a vossas cousas avemos sempre de fazer por as estimarmos e querermos como as nossas proprias, sobre o quall stpreuemos mais largamente a Rui de sande caualeiro de nossa casa e alcaide moor de torres vedras alguũas cousas que vos falara, Rogamos uos muy afectuosamente, praza uos dar lhe Inteira fe,
Muyto alto muyto excelente e poderoso princepe e Irmaão nosso senhor aIa vossa pessoa e Real stado em sua santa guarda,
stprita em torres vedras a iij dias de mayo de 1493

a)     El Rey

[Verso]

+

Ao muyto alto muyto excelente e poderosso princepe El Rey de castella d aragam de sezilia de graada etc nosso muyto amado e preçado Irmaão.,

[2] de iij de mayo sobre la venyda del almirante de las yndias


[1] Os critérios de transcrição adoptados são os da Universidade Nova de Lisboa, sugeridos em João José Alves Dias et al., Álbum de Paleografia, Lisboa, Estampa, 1987.
[2] Escrito, em castelhano, posteriormente.




(Imagens
 

quinta-feira, 8 de março de 2012

História, Pseudo-História e Romance Histórico


A popularidade relativa que goza actualmente na literatura o romance histórico só deverá encontrar paralelo na prolixidade de escritos pseudocientíficos. Tratam-se de constatações resultantes duma observação não sistemática e que se não correspondem à realidade devem andar por perto, quanto mais não seja pela exposição privilegiada que obtêm nos escaparates e nos media, enquanto a historiografia passa quase despercebida.
O romance histórico está na moda e a razão de tal acontecer deverá radicar tanto na apetência do público, como no retorno financeiro para as editoras e autores.
Presentemente não há grande disponibilidade para a leitura, limitando-se esta, dum modo geral e para além da leitura profissional, a obras cuja fórmula de base se conhece e agrada ou então ao que é anunciado como sucesso editorial pela crítica e comentadores, através da publicidade e comunicação social. Também dificilmente as pessoas têm hoje o tempo ou a predisposição para lerem descrições de algo parecido a viagens entre Lisboa e o Carregado ou histórias inanes como a da Joaninha. Numa época em que tudo é superficial e na qual tudo o que se faz tem de ter uma utilidade prática, incluindo o lazer, não se pode perder tempo com ficção pura e dura. Com este sentido utilitário e superficial do «dois em um», o grande público consumidor de romances históricos junta ao consumo de literatura de ficção a pretensão do saber histórico, apaziguando o sentimento de inutilidade do primeiro exercício com a satisfação do conhecimento do real, mesmo quando sabe que não se trata inteiramente duma coisa ou de outra.
Havendo da parte do público grande apetência para este subgénero literário, as editoras não hesitam em publicar, pois sabem que o investimento é seguro e de rápido retorno, parecendo que a condição mínima para a publicação é os autores terem esboçado um enredo relativamente novo e umas linhas mais ou menos bem redigidas (e quando assim não é os departamentos editoriais poderão encarregar-se de dar um jeito). Nesta conjuntura de mercado, os autores podem tirar os escritos das gavetas e até, com um pouco de sorte, deixar as suas anteriores actividades para passarem a viver exclusivamente da escrita.
De estranhar seria que o passado humano não fosse fonte inspiradora de inúmeros autores e de deleite de ainda mais leitores, pois na História encontram-se factos, situações e cenários que podem ultrapassar qualquer ficção. A ficção tradicional já quebrou todos os dogmas formais e todos os tabus políticos, sociais, religiosos e morais, tornando-se-lhe cada vez mais difícil encontrar temáticas novas que mexam com as emoções das pessoas. Por outro lado a História, por ser real, ainda vai conseguindo mexer com essas emoções; dramatizando situações históricas facilita-se a identificação do leitor com a narrativa, cativando-o com enredos que, muito provavelmente, não resultariam se se tratasse de ficção pura.
Independentemente das razões que levam ao sucesso do romance histórico este pode cumprir todas as funções úteis (e inúteis) da literatura tradicional. Aliás, as gradações existentes entre os dois tipos são tantas e tão subtis que se torna cada vez mais difícil proceder à classificação em géneros ou em subgéneros. Mas tal também é irrelevante, devendo bastar, sem preconceitos, a avaliação subjectiva de boa ou má literatura e a classificação objectiva entre História e ficção.
Não deve haver historiador que na sua juventude não tenha lido Walter Scott, Alexandre Dumas ou Emilio Salgari, assim como não deverá haver físico que não tenha lido Ray Bradbury, Robert A. Heinlein ou Arthur C. Clark. Provavelmente tanto o historiador como o físico leram-nos a todos e, dum qualquer modo, acabaram por ser marcados por essas leituras. Alexandre Herculano ou de Isaac Asimov, como muitos outros ficcionistas, até eram respeitáveis cientistas e, por ventura, atingiram mais público no exercício da primeira função do que no da segunda. Assim sendo, ao involuntariamente estimular jovens a tornarem-se cientistas, a ficção terá contribuído para o progresso da Ciência, da mesma maneira que poderá contribuir para que o grande público possa interessar-se por ela.
O romance histórico é muito mais popular que a historiografia porque enquanto ao primeiro género é legítimo o recurso a todos os artifícios literários, ao segundo esses são-lhe vedados por ser fortemente condicionado pela metodologia convencionada pela comunidade científica que o irá validar ou não (e não vale a pena entrar aqui na discussão de ser a História uma ciência ou uma arte). Enquanto o escritor tem toda a liberdade para preencher as lacunas que existam nos dados históricos fazendo uso da sua imaginação criadora, o historiador, perante o mesmo problema, fica limitado a conjecturas e hipóteses que têm de se enquadrar num quadro de possibilidades epocais, além de ter de as assinalar devidamente como tal. Assim, as peripécias colombinas secamente narradas por Garcia de Resende e Rui Pina – mesmo que contadas por outrem que os use como base conjuntamente com as outras fontes conhecidas – não têm qualquer possibilidade de competir no mercado editorial de massas com a pseudo-história do mesmo almirante escrita por Mascarenhas Barreto ou o romance de Rodrigues dos Santos e muito menos com as intrigas, de outra ordem, integralmente ficcionadas por John le Carré ou Michael Crichton.
Enquanto que o trabalho do historiador é o resultado de 90% de transpiração e 10% de inspiração, o trabalho do escritor deverá obedecer à relação inversa. Também o reconhecimento do mérito pelo grande público é repartido de forma desigual e em benefício do escritor, já que a necessidade de rigor que o texto historiográfico deve ter retira-lhe todo o brilho artístico, o que aliado ao facto de a maioria dos historiadores não ficar a dever muito às musas da escrita torna pouco apetecível e pouco comerciável os seus escritos.


A estas duas literaturas juntou-se uma outra, a pseudo-história. Esta é um género bastardo – misto de história e ficção – que se quer fazer passar por História e recusa terminantemente que se lhe chame ficção.
Não sendo um género novo, pois sempre existiu vindo a público em edições de autor ou dados à estampa em pequenas casas da especialidade marginais ao sistema editorial dominante, ganhou nos últimos anos grande pujança ao encontrar na Internet um meio de divulgação barato e de grande alcance. O sucesso no mundo virtual, medido pela quantidade e reacções das assistências, acabou por atrair a atenção das editoras tradicionais que viram nesse género mais uma possibilidade de fazer dinheiro desde que se disponibilizassem a investir na produção de campanhas de publicidade de boa envergadura – conferências, entrevistas em todos os media e, claro, anúncios.
Obviamente, como referido, quem produz pseudo-história não admite estar a fazer algo de pseudo, de falso. Quando muito admitirá estar a fazer história alternativa. Mas isso é o mesmo que dizer ser possível fazer ciência alternativa – como se a maçã que, neste Universo, cai da árvore pudesse em alternativa subir da árvore.
Quem produz este tipo de escrita invocará que em História os mesmos factos são passíveis de interpretações diversas dependendo de quem as faz e que isso, à luz dos métodos historiográficos, não retira mérito ao historiador nem desacredita as conclusões – outros poderão até ver nisso a impossibilidade de a História se constituir como uma ciência.
No entanto a pseudo-história – mais difícil de definir que a pseudociência já que o método da segunda é mais exigente do que o da primeira – é assim definida não porque perante os mesmos dados chega a conclusões diferentes, mas porque falsifica, deturpa e omite factos relevantes para servirem interesses, por vezes tenebrosos, de pessoas ou de grupos que nada têm a ver com a História enquanto tentativa honesta de conhecimento do passado humano.
A pseudo-história baseia-se em teorias da conspiração; parte de pressupostos falsos – a que nem se podem chamar de hipóteses – e estes pressupostos acabam por ser as conclusões; assenta em documentos únicos, descontextualizados, secundários, falsos; é dogmática; não é autocrítica nem se submete à crítica, tomando-a como detractora despeitada. A lista de características é longa e poderia continuar mas em tudo seria diferente daquilo que deve ser a História.
Aos indivíduos de hoje exige-se no dia-a-dia profissional uma racionalidade e competência técnica extremas. Os indivíduos especializam-se de tal maneira que muito pouca disponibilidade lhes fica para poderem dominar outras matérias para além da superfície e da banalidade. Vivem numa sociedade onde existem breves momentos ou curtos espaços informativos, nos quais confiam, entremeados entre grossas fatias de entretenimento mentalmente debilitante, quando não boçal. Quase como um contraponto às exigências profissionais, alguns desses mesmos indivíduos, tendem a afrouxar a racionalidade que possuem – como que se o baixar dessas guardas constituísse uma forma de descanso – e passam a confiar na informação que assim embrulhada lhes é fornecida.


O erro de quem confia acriticamente na informação que lhe é dada reside no facto de pressupor que quem a produz está a agir com a competência técnica e a racionalidade que é exigida a quem a recebe quando está no exercício da sua actividade profissional. Mas nem sempre é assim. Quem fornece informação pode errar, de boa ou de má-fé, pelas razões mais diversas, sendo uma delas o interesse económico, se outro ainda mais obscuro não houver. Ora, é precisamente por não se querer cair neste tipo de erro de credulidade que se cai no oposto, que se cai na pseudociência, na pseudo-história. A popularidade da pseudociência e da pseudo-história passa então a dever-se ao inconformismo, à recusa da normalização e da massificação ou, mais grave ainda, da vontade de negação da realidade tal como ela é entendida ou explicada.
Quando produtores de informação ou entidades respeitáveis, e como tais tidos por credíveis, por lapso ou não, veiculam, acabando por publicitar, teses pseudo-históricas sem as devidas ressalvas, estão a contribuir para a sua difusão, legitimação e perpetuação das mesmas. Não se trata de censura nem de cercear a liberdade de expressão. Trata-se tão só de advertir os menos informados de que se trata de matéria contestada ou contestável pela comunidade científica por ir ao arrepio da prática estabelecida e tida como boa. Afinal, sem limitar a liberdade de expressão, já existem mecanismos de advertência prévia do eventual público de espectáculos e actividades que podem ferir susceptibilidades.
Ao abrigo da liberdade de expressão a pseudo-história tem todo o direito de existir mesmo apresentando os maiores dislates como o da negação do Shoah, que Colombo era agente secreto ou que os chineses descobriram os Açores. Contudo, também ao abrigo da liberdade de expressão, tem que estar disponível para a crítica, o que pode ser um exercício quase inútil já que os seus produtores, dogmáticos, nunca a reconhecem e os incautos que tomaram esses disparates como certos ou não têm acesso à crítica – porque nunca recebe a mesma atenção dos media – ou então tornam-se eles mesmos coniventes com a fraude.
À referida quase inutilidade da crítica juntam-se as dificuldades em fazê-la bem feita. É que nem sempre há tempo, paciência ou o incentivo para a fazer. O primeiro obstáculo a passar é a verborreia pseudo-histórica destinada a cobrir com uma cortina de fumo o pequeno conjunto de ideias em que consiste a tese. Depois há que procurar na enxurrada de factos que sempre se apresentam os que realmente contribuem (ou poderiam contribuir) para a tese, separando-os daqueles que são meramente decorativos e que pretendem demonstrar a profundidade e vastidão do trabalho. Neste processo pode-se logo ir assinalando os falsos, os deturpados e os descontextualizados para no fim acrescentar os que aí faltam e não deveriam faltar. Estando-se perante pseudo-história o processo poderia acabar aqui, pois as falhas já encontradas seriam suficientes para o parar, no entanto, se o crítico for persistente ou se estiver a cumprir alguma penitência poderá continuar e ver se os factos que sobram (e os que faltam) permitem sustentar a tese. Por ventura, os factos apresentados são tão díspares entre si ou as conclusões parcelares tão (pseudo)técnicas que o crítico tem de recorrer a especialistas dessas áreas (se os houver) para obter um parecer competente, quando não é a totalidade dos factos e conclusões apresentados no trabalho a precisar críticas especializadas. Ao contrário da pseudo-história que é vendida ao grande público, o trabalho dos críticos não é remunerado, pelo que não pode ser feito como poderia ser, mas também – muitos dirão – não deverá valer a pena fazê-la.

A História, é por definição séria. Trata-se dum inquérito metódico e sujeito a crítica constante que pode prolongar-se por séculos. Nela o erro é sempre passível de correcção. O erro é admissível e até mesmo aceitável se for resultado de boa-fé ou de limitações intelectuais (há historiadores mais inteligentes que outros) ou materiais (impossibilidade de aceder a uma fonte determinante). A História é um conhecimento que se vai construindo geração após geração, sem pretensões à verdade absoluta e com disponibilidade para aceitar a novidade fundamentada que eventualmente vá aparecendo. Todo o historiador sonha em dar um contributo notável para o avanço significativo da História. A maior parte deles ficará sem satisfazer esse desejo, não porque tema o ridículo de expor uma nova teoria que vá contra a norma existente e que lhe garantiria um lugar na História da Historiografia, mas porque é honesto e as hipóteses revolucionárias ou situacionistas que vai formulando acabam por não ter fundamentação, não saindo por isso donde nunca deveriam sair – da gaveta.
Dan Brown (O Código Da Vinci), Miguel Sousa Tavares (Equador) ou José Rodrigues dos Santos (Codex 632) escrevem literatura (romances históricos) e, aparentemente, não a pretendem vender como História – não querem vender gato por lebre – se bem que para muitos dos seus leitores as realidades que romanceiam passem a ser a realidade histórica. Como tudo e como todos, alguns destes autores ou as suas obras poder-se-ão tornar históricos, algo que só a própria História poderá vir a determinar e não a vontade presente de algum publicitário ou bajulador. As polémicas em que se possam ver envolvidos ou em que voluntariamente se envolvam poder-se-ão, ou não, tornar históricas ou objectos da História. Seja como for, o valor histórico será determinado pelos historiadores futuros.
Gavin Menzies (1421: o ano em que a China descobriu o mundo), Mascarenhas Barreto (O Português Cristóvão Colombo Agente Secreto do Rei D. João II) ou Luciano da Silva – não confundir com Luciano Pereira da Silva, 1864-1926 – [Cristóvão Colon (Colombo) era Português], fazem pseudo-história, pois pretendem vender as suas ideias (e as alheias, no que não ficam sozinhos) como sendo História; fazem maus romances históricos já que lhes falta a dinâmica narrativa que os anteriores têm. No entanto têm o desplante de querem passar um atestado de incompetência a toda a comunidade científica, passada e presente. E nisto as editoras são cúmplices, senão mesmo co-responsáveis por um logro – tal como o talhante que vende gato em vez de lebre.



Este texto foi escrito no Verão de 2006 e publicado em Setembro do mesmo ano na página da Internet da APH. Foi redigido a pedido de um dos responsáveis da associação, numa altura em que desconhecia a polémica que já existia há muito tempo no fórum do Geneall e antes de tomar conhecimento das adulterações que ocorriam na Wikipédia que originaram o aparecimento desta página. Por a página da APH ter sido reformada e os artigos de opinião estarem agora indisponíveis e por este artigo manter toda a actualidade, republica-se aqui o texto acima.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Boas Festas





Antonin Dvorak, Sinfonia n.º 9 em mi menor op. 95, IV, Allegro con fuoco - Do Novo Mundo. Wiener Philharmoniker dirigida por Herbert von Karajan.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O logro continua...


Elsa Pestana Magalhães (texto); Fernando Aznar (ilust.), Navegadores Portugueses, s.l., Girassol, 2010.

O discurso pseudo-histórico encontra eco neste livro dirigido ao público jovem ao colocar-se em dúvida a naturalidade genovesa de Cristóvão Colombo e ao admitir-se o seu nascimento na vila alentejana de Cuba.

Por isso, decididamente está fora da lista das minhas ofertas de Natal!...

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

ADN de Cristóvão Colombo

Finalmente há matéria nova divulgada em publicação científica.
Com a devida vénia reproduz-se aqui o que de Colombo se sabe a nível genético.


M.J. Álvarez-Cubero; L.J. Mtnez.-Gonzalez; M. Saiz; J.C. Álvarez; J.A. Lorente
«Nuevas aplicaciones en identificación genética / New applications in genetic identification», Cuadernos de Medicina Forense, vol. 16, n.º 1-2, Sevilha, Jan.-Jun. 2010.


Además del citado, uno de los proyectos más trascendentes y de mayor repercusión fue la identificación genética de Cristóbal Colón y sus familiares, un proyecto internacional y multidisciplinar con el objetivo de descifrar algunos de los enigmas del famoso Almirante. El objetivo principal de este proyecto fue determinar el lugar donde se encontraban sus restos, República Dominicana y/o Sevilla.

El estado de los huesos, de Cristóbal Colón y de su hermano Diego, era mucho peor del esperado por el tiempo trascurrido, los distintos viajes del féretro de Colón y la poca cantidad de material encontrado en la tumba de la Catedral de Sevilla. Igualmente los restos de Diego, debido a las filtraciones de agua, se encontraban en un estado muy deteriorado. De todos los laboratorios participantes en el proyecto, solo en algunos se obtuvieron resultados. Se encontraron coincidencia en los resultados, pero los fragmentos de ADN mitocondrial obtenidos fueron muy pequeños, con lo que fue difícil afirmar una inclusión. La suma de los datos obtenidos por todos los participantes antropólogos, historiadores,... fueron los que nos permitieron afirmar que los restos encontrados en la catedral de Sevilla, pertenecían al almirante. De todas formas este proyecto no se finalizará hasta que las autoridades de la República Dominicana no permitan contrastar estos datos con los restos del mausoleo levantado en Santo Domingo. La cantidad de huesos encontrados en la catedral de Sevilla no descarta que ambas tumbas compartieran la posesión del los restos de Colón, algo que sucedía frecuentemente en los traslados de cadáveres de personajes famosos y reliquias.

terça-feira, 2 de março de 2010

Outros haverão de ter
o que houvermos de perder.
Outros poderão achar
o que, no nosso encontrar,
foi achado, ou não achado,
segundo o destino dado.

Mas o que a eles não toca
é a Magia que evoca
o Longe e faz dele história.
E por isso a sua glória
é justa auréola dada
por uma luz emprestada.

Os Colombos, Mar Português de Fernando Pessoa

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Jorge Luís Matos – As Viagens de Colombo e a Náutica Portuguesa de Quinhentos

Congreso Internacional

Cristóbal Colón 1506-2006.

Historia y Leyenda

Palos de la Frontera

2006

Pp. 27-50

As viagens de Colombo

e a náutica portuguesa de quinhentos


JORGE LUÍS MATOS
Escola Naval, Lisboa

Diz-nos a mais rigorosa e atenta historiografia tradicional que Cristóvão Colombo chegou a Portugal por via de um trágico acaso, que resultou num naufrágio em que miraculosamente salvou a vida nadando até à costa algar­via, por perto do Cabo S. Vicente. Fundamenta-se esta ideia no que nos des­creve Las Casas1 e que, aliás, repete o que consta na História del Almirante escrita pelo próprio filho, Hernando Colón. “el almirante navegava en com­pañia del mencionado Colón el Mozo, cosa que hizo durante mucho tiem­po”,2, encontrando quatro navios de Florença que decidiram atacar. O combate foi duro e prolongado, de que resultou um incêndio e um naufrágio, de que Colombo se salvou a nadar até à costa, descansando, de vez em quan­do, agarrado a um remo. E este é apenas mais um dos muitos episódios mis­teriosos que envolvem a vida do descobridor da América. Vários historiadores chamaram a atenção para a impossibilidade de que tivesse navegado com o corsário Colón el Mozo, que se sabe ter actuado muito depois da data apontada para estes eventos, e os factos narrados – a batalha, o incêndio e o próprio nome do corsário – sugerem um outro corsário, con­hecido por Colombo el Viejo, na altura ao serviço do rei de França. Alonso de Palencia e Diego Valera referem um combate que teve lugar em 13 de Agosto de 1576 e Rui de Pina fala do mesmo corsário3, referindo que se encontrou com Afonso V em Lagos – quando este partia ao encontro de Luís XI, pedindo-lhe apoio, na sequência da batalha do Toro – e concertou de “andar d’armada em seu favor [...] Os quaes todos logo de hy a poucos dias [...] afferaram quatro carraças de Genoa, e sendo já per força entradas em huma, se acendeo fogo em hum barril de pólvora...”. A história parece ser coincidente em várias fontes, apenas surgindo nova polémica quanto ao lugar que Colombo ocupava na contenda. Pareceria evidente que viria num dos navios genoveses, o que se confirmaria pelo socorro ou pela ligação que esta­beleceu em Lisboa com as casas comerciais de Spínola e Di Negro, mas pode acontecer que andasse na própria armada do corsário francês há alguns anos, o que justificaria o seu saber náutico e muitas outras observações que surgem avulsas e, nalguns casos, inexplicáveis nas suas notas e nas afirmações de Hernando e Las Casas4. Em todo o caso, não é meu propósito aprofundar aqui essa questão –que, além do mais, se me afigura bastante turva– aceitan­do apenas o facto de que em 1476 se instalou em Portugal, onde terá chega­do a nado. E por alguma razão aqui ficou.

(D. João II)

Adivinha-se no Portugal de 1476 o despontar do plano joanino da Índia que tinha uma face visível na persistência das navegações ao Golfo da Guiné e na tentativa de continuar as explorações cada vez mais para sul. A guerra com Castela, encetada por D. Afonso V, com o intuito de colocar no trono vizinho a sua sobrinha Dª Joana, sofrera um revés importante na batalha do Toro que, por si só, poderia não ter sido decisiva. O monarca português ten­tava, por todos os meios fazer uma aliança com Luís XI de França e buscava os apoios necessários para continuar o conflito. Contudo, surge na altura um factor que me parece ter sido decisivo para o desenrolar dos acontecimentos. As explorações da Guiné davam os seus frutos e constituíam um monopólio quase absoluto para as caravelas portuguesas, mas a guerra com Castela tinha criado um grave problema a esse tráfico valioso: a aproximação a Lisboa tor­nara-se perigosa pela multiplicação de ataques corsários; e, pior do que isso, surgiam navios castelhanos nas costas da Guiné, ameaçando descobrir os caminhos de uma fonte que importava preservar. Estes foram, talvez os prin­cipais factores tidos em conta pelo príncipe D. João (herdeiro do trono) que formalmente tomara conta dos negócios ultramarinos em 1471, mas que só depois do Toro a eles se dedicava de corpo e alma, olhando-os como um desígnio nacional de primeiríssima ordem e a preservar a todo o custo.

É curioso notar, sobre este assunto, a ascensão da figura de Fernão Gomes, a quem o rei tinha arrendado, em 1469, e por cinco anos, a exploração dos produtos da costa africana (com excepção do comércio de Arguim e da terra em frente às ilhas de Cabo Verde), mediante o pagamento de uma renda anual de 200 000 réis e o compromisso de explorar 100 léguas de costa por ano. Fernão Gomes cumpriu escrupulosamente o contrato (que viu pro­longado por mais um ano) e foi nobilitado posteriormente, passando a inte­grar o Conselho Régio em 1478. Curiosamente, numa altura em que o governo estava na mão do Príncipe, na qualidade de regente. E realço este pormenor para salientar a importância que D. João deu às viagens marítimas, uma questão preterida pelo seu pai como secundária, nomeadamente, em relação às campanhas e conquistas em Marrocos. Neste caso específico, a nobilitação de Fernão Gomes e a sua integração no conselho régio, associa­da à ascensão do Príncipe, quer nos assuntos africanos quer no governo do próprio país, são alguns dos factos que se podem relacionar com um cres­cente interesse pela exploração ultramarina, agora ameaçada pela intro­missão castelhana na sequência da guerra de sucessão. Quero com isto dizer que, o período que vai de 1476 (após o Toro) até à assinatura do Tratado das Alcáçovas, em 1479 (ratificado em Toledo em 1480), é um período de mudança na política portuguesa. E é inevitável que isso não tivesse uma expressão visível no movimento do porto de Lisboa, fosse pelo crescente número de navios, fosse pelo carácter exótico das mercadorias e gentes, fosse ainda (sobretudo) pelas conversas sobre o “mundo por descobrir”. A cidade, o porto e a corte, eram certamente paraísos de aventureiros, discutindo cada um ao nível da sua própria visão da descoberta. Havia homens simples do mar que procuravam impressionar os incautos com histórias mirabolantes de viagens, terras nunca vistas e ilhas encantadas; haveria homens de negócios que contactavam com mercadorias impensáveis alguns anos antes, e que rea­lizavam negócios fabulosos; mas circulavam também cosmógrafos, cartógra­fos, astrólogos, fabricantes de instrumentos, homens que sabiam latim e grego e que conheciam relatos e descrições fantásticas, gente que vendia li­vros, pessoas que frequentavam a corte e que, no rebuliço das tabernas, fala­va dos seus sonhos sem limites. E foi esta Lisboa que Colombo viu (pela primeira vez?) e que não pode ter deixado de o impressionar. A Ribeira, o Tejo, a Casa da Mina, as ruas de mercadores, as lojas de livros, as oficinas de cartógrafos e o convívio com eruditos clérigos ou laicos compuseram a “babilónica universidade” onde estudou, pensou e desenvolveu a ideia de alcançar as Índias, navegando num sentido diferente daquele que seguiam as habituais viagens portuguesas.



Deve dizer-se que na sua essência o projecto colombino não era uma novidade absoluta, encontrando múltiplas inspirações em viagens ocasionais ou fantásticas, que decorreram (ou de que se falou) ao longo do século XV, e que faziam supor a existência de ilhas e terras a ocidente. Terras essas que aparecem na cartografia da época. O caso mais antigo –tanto quanto sei– está na carta atribuída a Zuane Pizzigano e estudada por Armando Cortesão, onde surge um grupo de ilhas (antilia e satanases são as de dimensões mais signi­ficativas) que o autor coloca no Golfo do México, pretendendo, dessa forma, documentar viagens portuguesas a essas longínquas paragens antes de 1424, data da feitura do mapa. Não importa agora qualificar a sua argumentação, mas apenas salientar o mito, a ideia e a conversa suscitada pelo assunto, que, pelos vistos, não se circunscrevia à Península Ibérica. Aliás, se quisermos ser mais rigorosos na consideração de relatos de viagens aos espaços oceânicos do Atlântico ocidental, mesmo passando por cima das fantásticas hipóteses de fenícios e gregos, que ali podem ter ido parar ao sabor das correntes (para não mais voltar), não devemos ignorar a Descrição da África e de Espanha feita por Edrisi, no século XII, onde nos diz: “Foi de Lisboa que partiram os aventureiros, para a expedição que tinha como objectivo saber o que encerra o Oceano e quais são os seus limites...”. Uma expressão que encerra toda a magia do oceano ocidental e a nostalgia de quem olha o sol poente e sente crescer o desejo de ir atrás dele, num impulso de negação da noite. E não fal­taram a Colombo outras descrições como esta. Uma delas está relatada pelo filho, Hernando Colóm, e por Las Casas referindo uma viagem de Diogo Teive, que “ocorrió cuarenta años antes de que se descubriesen las Indias”5, culminando com a descoberta das ilhas das Flores e do Corvo, as mais oci­dentais do Arquipélago dos Açores. Mas há mais referências na História da Expansão Portuguesa, até aos anos oitenta do século XV, e que não passaram despercebidas a Colombo. Em 1462, João Vogado requereu a D. Afonso V os direitos de donatário de umas ilhas que tinha avistado numa outra viagem, propondo-se lá voltar. Fernão Rodrigues do Arco, Fernão Dulmo, João Afonso do Estreito, foram outros tantos a quem foram prometidas benesses sobre terras a descobrir, cumprindo, aliás, um ritual que servia os intentos do rei, estimulando iniciativas, sem despender nada da sua própria fazenda.

Diremos, no entanto, que em nenhum destes exemplos se identificou as (imaginárias) terras ocidentais como sendo a Índia a que procurava chegar D. João II ou D. Manuel, e que Colombo dizia ser muito mais fácil de alcançar (mais perto) seguindo para ocidente. Entre um caso e outro parece-me haver uma diferença qualitativa substancial que –no caso do navegador italiano– implicava um raciocínio sobre a cosmografia clássica e obrigava a um con­hecimento (mesmo que erróneo) de coisas que não estavam ao alcance dos comuns marinheiros sonhadores. Alguns anos depois de estar instalado em Portugal, tendo casado com Filipa Moniz, filha do primeiro capitão donatá­rio de Porto Santo, o jovem corsário/comerciante genovês propôs ao rei D. João encontrar o caminho marítimo para a Índia, navegando na direcção do ocidente, onde esperava encontrar as ilhas de Cipango (Japão) e o grande império do Cataio (China), a partir de onde alcançaria a Índia, tal como o fizera Marco Pólo cerca de dois séculos antes. Fácil será de entender que a proposta parecia aliciante, uma vez que a exploração da costa africana, a sul do Equador, era trabalhosa, os navios lutavam contra correntes marítimas adversas, e não era possível saber-se com absoluta certeza se havia, efectiva­mente, uma passagem navegável para o Oceano Índico. Além disso, pelos cálculos de Colombo, a diferença de longitudes entre a Península Ibérica e a Índia, contada para ocidente, era menor do que sendo contada para oriente. A proposta tinha portanto uma componente de natureza científica que impli­cava uma compreensão geométrica da esfera terrestre, inacessível ao navega­dor ou comerciante comum. Ou seja, a par do ambiente próprio de um porto onde se cruzavam navios vindos de todas as partes, e onde viviam homens que tinham, efectivamente, avistado novas terras e novos mares –colocando nas suas conversas algo mais do que aquilo que se diria em qualquer porto do Mediterrâneo ou da Europa do Norte– Cristóvão Colombo tinha colhido em Lisboa um outro saber que não era acessível a toda a gente sobre o qual, pela certa, já trazia alguma preparação. Nas viagens que efectuara como corsário ou mercador e nas longas estadias que a vida do mar por vezes proporciona­va, tivera oportunidade de contactar com quem sabia latim, e lhe fornecera alguns rudimentos de uma língua, que nunca escreveu com o requinte e a elegância de Cícero, mas que podia ler e entender. Sobretudo, podia servir-se dela para aprender coisas, o que foi muito importante. Provavelmente, teve contacto com algumas das mais notáveis obras de geografia e cosmografia, quer da antiguidade, quer de tempos mais recentes. E com estes instrumen­tos foi construindo um saber que lhe permitia acompanhar algumas das espe­culações geográficas da época. Pode discutir-se se o adquiriu em Lisboa ou se já lhe vinha de uma juventude cujos pormenores desconhecemos, mas não creio que isso seja a questão mais importante a considerar. Como todos os espíritos dotados da ansiosa curiosidade que permite chegar ao saber, é provável que a sua aprendizagem tivesse sido contínua, com muita leitura e muita discussão especulativa. E fê-lo sempre com quem estava ao nível dos seus conhecimentos, não lhe faltando interlocutores em Itália ou em Lisboa, como não lhe faltaram depois em La Rábida ou em Sevilha.


Um caso, no entanto, importa recordar, porque teve uma particular importância na definição do seu ousado plano marítimo: o conhecimento que teve de uma carta e de um mapa elaborados por um matemático e cosmógra­fo florentino chamado Paolo del Pozzo Toscanelli, enviados ao português Fernando Martins, na altura cónego da Sé de Lisboa e conselheiro do rei D. Afonso V. Como quase tudo o que diz respeito a Colombo, também este caso está envolto em névoas e suposições que resultam do desaparecimento dos documentos originais e de posteriores manipulações de toda a ordem. Mas alguns dos factos podem ter-se como certos, parecendo incontestável que esta carta teve uma influência determinante na estruturação do plano colombino. Em 1871, Henry Harrisse encontrou dentro de um livro que pertencera à biblioteca de Colombo a cópia de uma carta que lhe escrevera o matemático florentino6. Aparentemente trata-se da resposta a uma outra que lhe enviara o almirante, e do texto consta uma breve explicação da sua teoria sobre a estreita dimensão do Oceano Atlântico e a proximidade das terras visitadas por Marco Pólo. Como anexo, envia-lhe ainda uma cópia do escrevera ao cónego lisboeta em 1471, na altura, com o intuito de que fosse apresentado ao rei de Portugal um projecto de viagem até à Ásia, seguindo na direcção do Ocidente. Segundo o texto, as explicações eram ainda complementadas com um mapa (desaparecido) que evidenciava a sua teoria, e mostrava como as costas da China e do Japão estavam ao alcance de qualquer navio, em meia dúzia de dias. Ao que parece, Colombo soube da correspondência entre o prelado português e Toscanelli, resolvendo escrever a este último, apresen­tando-lhe as suas próprias ideias e pedindo-lhe o apoio do seu prestígio e autoridade científica. Como resposta recebeu, então, uma carta de que o documento encontrado é (aparentemente) uma transcrição feita pelo próprio Colombo ou por seu irmão Bartolomeu. Parece óbvia a forma como as ideias de Toscanelli caíram no espírito de Colombo como ouro sobre azul, e tudo surge relatado na História de las Indias e em Las Casas, apesar de que con­tinuam a subsistir dúvidas sobre a autenticidade da correspondência entre o florentino e o almirante, dado que os documentos existentes não são originais e apresentam algumas incoerências. No que diz respeito à posição portugue­sa sobre o “caso Toscanelli” –e tendo em conta que a primeira versão da carta datada de 1474– é importante observar que, nesse tempo, a exploração da costa africana estava por alturas do Cabo de Santa Catarina (1º 53’S; 9º 16’E) e que, posteriormente, ocorreram casos diversos de navegadores que se pro­puseram ir descobrir terras a ocidente, requerendo benefícios e privilégios sobre as mesmas. É possível que, durante algum tempo, a coroa portuguesa (leia-se a direcção política do Príncipe D. João) tenha jogado nas duas hipó­teses, até tomar consciência de que a distância para ocidente era muito supe­rior à que afirmava o florentino. Mas parece-me interessante seguir um conjunto de factos que podem ajudar a interpretar algumas das decisões tomadas.

Como já foi dito antes, em 1479, foi assinado o acordo das Alcáçovas, e uma das suas cláusulas estabelecia serem portuguesas todas as terras e ilhas descobertas a sul das Canárias “contra Guinea”, bem como o direito de nave­gação e comércio nessas paragens. Esta cláusula foi conseguida, sem sobra de dúvida, à custa de cedências, nalguns casos bastante humilhantes para D. Afonso V, e indicia uma clara opção no sentido de garantir o domínio dos mares do sul, mesmo que isso apenas tenha a ver com os tratos de comércio, que se revelavam bem lucrativos desde que foram atingidos os deltas do Volta e Níger. Entretanto, em 1481, morre D. Afonso V e sobe ao trono D. João II que, de imediato, manda construir a fortaleza de S. Jorge da Mina (5º 10’N; 1º 15’W). Ainda no ano de 14817, Diogo Cão sai para a sua primeira viagem até à costa angolana e, a partir daí, são notórios os esforços para alcançar o extremo sul da África, em viagens sucessivas (três de Diogo Cão) que cul­minam com a de Bartolomeu Dias, em 1487/88, quando, finalmente, se dobrou o Cabo da Boa Esperança.

Não se sabe qual foi a data exacta em que Colombo apresentou o seu pro­jecto a D. João II, mas supõe-se que terá ocorrido por fins de 1483 ou princí­pios de 1484. Na altura a casa da Mina funcionava em pleno, o ouro da Guiné chegava regularmente a Lisboa, e Diogo Cão já tinha regressado da sua pri­meira viagem, anunciando os contactos com o reino do Congo e preparando­-se para partir de novo para o Hemisfério Austral. Parece-me claro que o soberano português não aceitaria inverter esforços, concedendo a uma inicia­tiva destas mais do que aquilo que aceitava sempre. Os “privilégios do cos­tume”, direi eu. O governo das terras descobertas, com as limitações jurisdicionais habituais, e honras menores de nobilitação, que nunca eram definidas a priori. Não creio que Colombo se contentasse com isso, nem creio que D. João II estivesse disposto a inverter um processo que parecia dar passos seguros, que correspondia às opiniões científicas mais avançadas da época, e que seguia por um caminho onde os portugueses tinham de concen­trar esforços para garantir o domínio efectivo de uma zona que, além do mais, já estava a dar lucro.

Pouco importam, no entanto, as razões ou os argumentos debatidos entre os representantes do rei e o navegador, uma vez que o projecto não foi acei­te nem parece ter merecido a importância de uma referência numa crónica8. O que aqui interessa salientar é a forma como o Cristóvão Colombo, que che­gou a Portugal em 1476, pode ter sido influenciado pelo ambiente de Lisboa para cimentar uma ideia que assumiu a força de uma obsessão. O facto de ouvir falar na existência de terras a ocidente –algumas delas com dimensões tão significativas que poderiam ser um dos países descritos por Marco Pólo– e de ter tomado conhecimento de uma teoria que colocava essas terras a uma distância acessível, numa viagem marítima directa, parece-me ter dado corpo apenas a uma parte do plano colombino. Outros factos com que contactou e que deve ter acompanhado com atenção deram ainda mais força às suas ideias, da mesma forma que a experiência das navegações realizadas naque­la década lhe permitiu resolver alguns problemas náuticos e técnicos com­plexos, que a sua empresa comportava.

Contudo, antes de abordar as questões náuticas propriamente ditas, em que podem relacionar-se decisões tomadas pelo almirante, com práticas e saberes que estão presentes nas navegações portuguesas entre o Golfo da Guiné e Lisboa, parece-me importante falar de uma viagem que efectuou às Ilhas Britânicas, possivelmente em 14779. Em relatos do próprio –registados numa nota à margem dum exemplar da Historia de Pio II10, e no fragmento de uma carta que, em Janeiro de 1495, escreveu aos Reis Católicos– diz o seguinte: “Yo navegué el año de cuatrocientos y setenta y siete, en el mes de Hebrero, ultra Tile isla cien leguas, cuya parte austral dista del equinocial setenta y tres grados, y no sesenta y tres, como algunos dizen...”11. Ou seja, navegou para além da Islândia (a Thule de Pytheas), cerca de 100 léguas, verificando que o mar não estava congelado e que ”avia grandíssimas mareas, tanto que en lagunas partes dos vezes el dia subia veinte y cinco braças”. Já vários autores repararam que a tentativa de corrigir a latitude da costa sul da Islândia de 63º para 73º é um erro inexplicável para quem afirma lá ter esta­do e demonstra saber bem como é que se calcula essa coordenada. E digo que demonstra saber bem como se calcula porque, apesar dos valores errados que, por vezes, surgem nos seus escritos –que nalguns casos tocam o absur­do–, a diligência e segurança com que dirige os navios que comanda mostra que sabe muito bem onde anda e como deve proceder. Estes erros têm, por­tanto, uma origem qualquer que desconheço e sobre a qual não me parece prudente especular. Neste caso, por exemplo, podem resultar apenas de ter recebido a informação de outrem, sem que a tenha verificado in loco. E em abono desta hipótese refiro que a passagem por tão frígidas regiões com difi­culdade poderia ter ocorrido em Fevereiro (como diz o texto), quando os gelos vêm quase até à Islândia12, os temporais são constantes e a as marés, que nalguns locais têm uma amplitude extraordinária, se comparada com o Mediterrâneo, de maneira nenhuma alcançam as 25 braças13. Ponho a hipó­tese de que tenha saído de Portugal em Fevereiro, com destino ao porto de Bristol e tenha passado, eventualmente, por Galway, onde observou que as marés eram muito grandes (?), ouviu histórias dos pescadores que, há muitos anos, iam pescar até às ilhas Feroés e à Islândia, chegando-lhe aos ouvidos uma outra história da mais antiga saga viking, que hoje sabemos ter chegado à Groenlândia ou mesmo até à foz do rio S. Lourenço e Terra Nova14.

Pode ter acontecido que, ao sair de Lisboa, já levasse alguma informação sobre empreendimentos marítimos extraordinários, hoje difíceis de docu­mentar. Existe, por exemplo, um conjunto de informações dispersas, de um modo geral de fundamentação frágil e espalhadas por obras escritas muito a posteriori, que registam relações políticas entre D. Afonso V e o rei da Dinamarca, envolvendo a realização de uma expedição conjunta aos mares da Terra Nova. De tal viagem se tem conhecimento através de um documento publicado em 1909 por Luís Bobé, consistindo numa carta enviada pelo bur­gomestre de Kiel, a 3 de Março de 1551, ao rei Cristiano I da Dinamarca, anunciando que com ela segue um mapa onde está representada uma viagem até às costas da Groenlândia (natural para navegadores dinamarqueses) rea­lizada a mando de seu avô Cristiano I e a pedido do rei de Portugal15. O docu­mento é credível e sustenta a realização da empresa onde participaram portugueses; contudo, não fornece os dados suficientes para que se perceba quem foi e o que aconteceu. De qualquer forma foi assunto conhecido em Portugal (por um núcleo mais ou menos restrito?) e é muito possível que tenha chegado aos ouvidos de Cristóvão Colombo, acompanhando-o na viagem a Bristol e fazendo já parte do seu património onírico. E quando falo do património onírico de alguém que se aproxima de Bristol em 1477, creio não ficar muito longe da verdade ao pensar que seria muito parecido com o de Giovanni Caboto, alguns anos mais tarde16. O projecto deste último, apre­sentado na altura ao rei Henrique VII parece-me semelhante ao que o almi­rante apresentou a D. João II e depois aos Reis Católicos. Apenas com a nuance de pretender partir dos mares gelados da Islândia e Terra Nova, para o que requereu o saber dos marinheiros do Norte. Não deixa, contudo, de fazer sentido que as conversas ouvidas por Colombo em Bristol17 possam ter constituído mais um elemento importante na prossecução da sua ideia, que admito já estar em gestação. E admito já estar em gestação porque este sonho de alcançar o reino do Grande Can, Cipango ou a Índia, não era tanto uma ambição do norte como seria do mundo italiano ou, mais recentemente, por­tuguês.

Pelo papel que os italianos tiveram no comércio com o Levante é natural que, desde sempre, tenham imaginado entrar no Mundo Índico, e obterem as mercadorias orientais livres das taxas inerentes ao transporte marítimo e a travessia pelo Médio Oriente. O que não tiveram foi solução fácil para esse problema. Foi a evolução dos conceitos geográficos (com e sem erros), e o desenvolvimento das navegações no Atlântico que lhes permitiu cismar sobre caminhos novos. Não é de espantar, portanto, que surjam dois homens, como Colombo e Caboto, sorvendo conceitos, técnicas e teorias por todo o lado (nem sempre de forma organizada e coerente) e a tentarem a sua sorte, no sentido de concretizarem o que a sua imaginação, de mercadores do Medite­rrâneo, concebeu.

* * *

Pouco tempo depois de chegar a Portugal, Colombo casou com Filipa Moniz, filha de Bartolomeu Perestrelo, primeiro capitão donatário da ilha do Porto Santo, perto da Madeira. Hernando Colón, na sua Historia, relata que a sogra “le dio los escritos y cartas de marear que le habían quedado de su marido”, facto que foi contestado por Henry Harrisse afirmando que Perestrelo não era um navegador, sendo pouco provável que tivesse escritos, cartas e instrumentos náuticos. Na verdade Perestrelo era descendente de um comerciante italiano chegado a Portugal no final do século XIV e, como João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira, comandou um dos navios que alcançaram e reconheceram aquelas ilhas, já conhecidas mas nunca povoa­das. Efectivamente nada há que nos diga que fosse um perito em navegação, mas era um criado do Infante D. Henrique, como muitos outros que navega­ram para a costa ocidental africana, sobre quem –salvo raras excepções– des­conhecemos se sabiam navegar e qual era a sua verdadeira experiência a dirigir navios ou o que sabiam sobre cartas de marear. Não é, aliás, muito importante sabê-lo com pormenor, mas pode deduzir-se que, na sua condição de capitão do Porto Santo e, sabendo-se que não viveu na ilha senão muito tardiamente (1428), para lá se desolando com frequência e pelo mar, não parece difícil imaginar que navegou até à sua morte, por alturas de 1457 ou 1458 (bastante antes da chegada de Colombo a Portugal). Num momento em que os navios do infante D. Henrique sulcavam todo o Atlântico Ocidental, quase até ao Equador, parece-me provável que Perestrelo alguma coisa sou­besse de mar e de navegações. Contudo –deixando esta polémica de parte– deve dizer-se que, após o casamento com Filipa Moniz, Colombo fez da ilha um dos seus pousos habituais, talvez porque a empresa comercial para quem trabalhava tinha interesses no comércio do açúcar madeirense, e o local lhe convinha. Tem-se dito que foi durante essa estadia que tomou consciência do tráfico marítimo português com o Golfo da Guiné, mas não creio que isso tenha necessariamente acontecido porque os navios não tinham de passar por ali. Com mais facilidade colheria a experiência desses mares, estando em Lisboa, na proximidade da Casa da Mina. Há, porém, um conjunto de obser­vações importantes que ele próprio descreve como tendo verificado no Porto Santo, e que serviram para lhe confirmar a ideia de que a ocidente daquelas ilhas, numa distância mais ou menos curta, existiam terras, de onde vinham restos de madeira e outros indícios. Aliás, o almirante tem mais notas sobre estes objectos flutuantes “vindos do ocidente”, que diz ter visto em Galway e que outras pessoas lhe disseram ter observado, também, na ilha das Flores (Açores). Nestes dois últimos exemplos, os vestígios em causa são corpos humanos que, segundo ele, apresentavam características físicas de rosto largo, tal como os habitantes do Cataio. Na minha opinião, o problema des­tes relatos está no facto de terem sido registados em notas muito posteriores ao próprio acontecimento, parecendo-me que são criações da imaginação de Colombo numa altura em que precisa de provar aos Reis Católicos que as terras onde chegara, eram as terras do oriente que visitara Marco Pólo.

Na verdade, a chamada Gulf Stream é uma corrente marítima com uma circulação geral, no Atlântico Norte, no sentido dos ponteiros do relógio. Portanto, qualquer objecto lançado ao mar, poderá ser arrastado por essa corrente, vindo da costa americana até à Islândia, à Irlanda ou a qualquer outro ponto da Europa. É por causa dessa corrente que as algas do Mar dos Sargaços chegam à costa portuguesa, onde eram recolhidas na praia da Apúlia, e alcançam a Noruega. O que é, de todo, inverosímil é que um cadá­ver humano chegue de uma costa à outra, em condições de lhe ser identifica­da qualquer forma facial, mesmo que tenha sido colocado, de forma ritual, dentro de uma pequena embarcação. E há ainda outro problema que é impor­tante referir: se a Gulf Stream corre de oeste para leste, pelo norte do Atlântico, e pode arrastar objectos vindos de ocidente até ao limite (aproxi­mado) dos Açores, na região do Porto Santo a sua direcção é de norte para sul, tornando improvável o aparecimento de alguma coisa vinda dos sectores geográficos que interessavam a Colombo18. Quer isto dizer que o movimen­to geral das correntes marítimas, que o almirante parece conhecer bem quan­do efectua a sua primeira viagem, não resulta da observação de achados flutuantes que dariam à praia do Porto Santo, aos Açores ou a Galway. Estes casos (observados ou inventados) serviram-lhe para argumentar com um objectivo específico, ou ajudaram a fortalecer uma convicção já delineada, mas a aprendizagem do Atlântico, propriamente dita, deve tê-la feito noutras circunstâncias que me parece estarem mais ligadas a viagens que se supõe ter feito ao Golfo da Guiné, em navios portugueses.


Jorge Luís Matos

Jorge Luís Matos – As Viagens de Colombo e a Náutica Portuguesa de Quinhentos (2)

Colombo tem muitas notas que nos permitem inferir que, efectivamente, esteve na Guiné e, eventualmente, em S. Jorge da Mina. As que me parecem mais significativas são as assimilações de vocabulário e as comparações que faz quando chega a novas terras, tomando como referência objectos, pessoas, ambiente ou flora da região da Guiné19. Há, apesar de tudo, informações con­cretas dessa sua presença que, nalguns casos, nos suscitam apenas mais dúvi­das e interrogações. Por exemplo, diz-nos a certa altura que “debajo de la línea equinoccial, en perpendicular, se encuentra la fortaleza de la Mina”. O referido lugar está afastado do Equador de 5º 10’ para norte, parecendo o erro demasiado grosseiro para se aceitar que efectivamente por ali andou e –como diz– “observé con diligencia la derrota, como suelen los capitanes y marine­ros, y después tomé la altura del sol con el cuadrante y otros instrumentos muchas veces”20 . O erro de mais de cinco graus pode dever-se ao facto de ter perdido a estrela Polar e de não saber, efectivamente, usar a altura do sol para determinar a latitude, apesar de o dizer. Hoje, a estrela deixa de ser observável abaixo da altitude de seis graus norte (depende da habilidade do observador), mas na época poderia sê-lo até um pouco mais a sul, dado que o seu afastamento polar era um pouco maior. Ponho a hipótese, portanto, de que ao ver a Polar muito baixa ou até de ter deixado de a ver, tenha inferido que estava sobre o Equador, estando ainda um pouco a norte dele. Em todo o caso esta é apenas uma hipótese plauzível para um erro que se afigura incom­preensível em face do saber anunciado21. Numa outra nota, do género das anteriores, diz que “El Rey de Portugal envió a Guinea en el año del Señor 1485 al maestro José, su físico y astrólogo, para reconocer la altura del sol en toda Guinea. Este cumplió com todo y dio cuenta al dicho sereníssimo rey, cuando yo me encontraba presente”. Esta afirmação (que não podemos esquecer ter sido escrita uma década depois dos factos) poderia entender-se como tendo Mestre Vizinho explicado a D. João II, quais as latitudes de diversos pontos de África, verificados por si próprio, sendo que isso “acon­teceu” na presença de Colombo, talvez quando veio a Portugal na segunda metade da década de oitenta, já depois de daqui ter saído, em 1484.

Poderíamos aceitar que tal facto foi simultâneo com a descrição de Bartolomeu Dias dos lugares do sul e da posição do Cabo da Boa Esperança, que Colombo também diz ter ouvido contar ao rei pelo próprio, apesar de ter registado a latitude com um erro de cerca de 10º22. Um problema um pouco diferente surge numa das anteriores notas do seu punho, ao afirmar que tomou (o próprio) a altura do sol com o quadrante “y encontre que concor­daba con Alfragano, es decir, que correspondian a cada grado 56 milhas y 2/3 [...] Lo mismo halló el maestro José, físico y astrólogo y otros muchos”23. Não cabe no âmbito deste trabalho analisar com pormenor os valores do grau terrestre com que contou Colombo, Toscanelli ou, eventualmente, Ptolomeu, para deduzirem que o espaço da terra desconhecida, entre o extremo da Ásia e a Europa, era bastante curto e estava ao alcance de uma viagem marítima muito fácil. O que não levanta dúvidas é que o módulo do grau terrestre de Mestre Vizinho era de 17 ½ léguas, e presumia um perímetro equinocial que não permitia as interrogações (sonhos) que assaltavam Colombo. E isto quer dizer que não pode ser verdade que se tenham encontrado e partilhado expe­riências desta natureza na costa da Guiné.

Bem sei que, no emaranhado de medidas de comprimento, que povoaram o Mediterrâneo desde a Antiguidade, e respectivas correspondências com o grau terrestre, não é fácil saber com certezas, que valor tinha a milha de que falava Colombo. Que comprimento tem cada um dos estádios daqueles que quinhentos perfazem um grau de latitude, segundo Ptolomeu? Que tamanho exacto teria a milha das que considera Alfragano?... É muito difícil sabê-lo e os jogos de números, quando estes nos surgem nestas quantidades, permi­tem tudo. O que parece óbvio é que, atendendo à distância que permeia entre o extremo ocidental da Europa e o extremo oriental da Ásia (medida em está­dios, em milhas, em léguas ou em côvados árabes, isso pouco importa), o almirante acreditava que das Canárias a Cipango distavam apenas cerca de 45 ou 50 graus. Sendo evidente que esta ideia não era aceite nem pelos cosmó­grafos portugueses nem pelos castelhanos. Não quer isto dizer isto dizer que Colombo não foi à Guiné. Significa apenas que não teve com Mestre Vizinho as conversas que afirma terem ocorrido, e que não estava a par dos mais avançados conceitos geográficos do seu tempo. A fabulosa biblioteca de Cristóvão Colombo só foi formada a partir do momento em que saiu de Portugal (talvez por razões de natureza económica), e é como anotações a alguns dos livros que adquiriu então, que surgem os comentários supracita­dos, com as afirmações acerca de factos e acontecimentos que, nalguns casos, me parece difícil que tenham ocorrido. Não quer isto dizer que o almirante desconhecesse as matérias sobre que lia. Na maioria das situações, os dados e os utensílios intelectuais da época, não permitiam uma explicação incon­testável da maioria dos conceitos, e as suas ideias poderiam parecer tão legí­timas como quaisquer outras. É muito fácil olhar para o que disse ou para o que acreditou e defendeu desesperadamente, e criticá-lo com o saber de hoje, mas não é legítimo fazê-lo. Entendo que estava no limiar de um saber de ori­gem clássica, que avançava a passos largos, e que o deixou petrificado no patamar onde imaginou que podia fazer algo tão fabuloso como chegar à China e ao Japão navegando para ocidente. Terá falhado como renascentista erudito, mas não falhou como navegador, como veremos mais adiante.

As grandes navegações portuguesas que conduziram à exploração do Atlântico até ao Cabo da Boa Esperança, abrindo o caminho da Índia e do Extremo Oriente, começaram de forma sistemática a partir de 1415/18, após a conquista de Ceuta levada a cabo pelo rei D. João I, com a estreita colabo­ração dos seus três filhos mais velhos. É sabido como o infante D. Henrique ficou encarregado dos assuntos africanos, a partir de 1418, e como a concen­tração de meios navais no porto de Lagos permitiu o lançamento de sucessi­vas viagens de reconhecimento que, persistentemente, foram chegando mais e mais longe. Ao ler o Diário da Primeira Viagem de Colombo, e tomando consciência dos temores que afligiram as tripulações, ao ponto de viverem a eminência de motins e revoltas, entendemos a angústia daqueles que pela pri­meira vez seguiram ao longo das praias desertas da África Ocidental, camin­hando para sul, mas sentindo o medo de não conseguirem regressar, e de não terem meios suficientes para sobreviver. Tinham herdado os portugueses as técnicas ancestrais de navegação praticadas no Mediterrâneo desde longa data, e que eram do conhecimento de quase toda a Europa.

Conheciam a bús­sola, sabiam manter um rumo no mar, estimavam a distância percorrida e esperavam alcançar uma costa em pouco tempo, acreditando que a chegada a um porto onde pudessem obter apoio não seria muito difícil. E foi com estas técnica simples que se aventuraram pelo Atlântico, não ousando, porém, afastar-se muito de terra, confiando em sinais que a experiência tinha ensi­nado a ler e interpretar, como avisando de mau tempo, da proximidade de terra, da existência de baixos ou escolhos, etc. E defendiam-se com técnicas que observamos também nas viagens de Colombo, quando sabe que está na proximidade de ilhas e tem de navegar devagar, sempre de dia e com vigias nas vergas, etc. São saberes ancestrais, nalguns casos milenares, transmiti­dos de geração em geração, com uma aplicabilidade que, nalguns casos, vem até aos dias de hoje, apesar do desenvolvimento técnico e da panóplia de aju­das à navegação disponíveis. Estou em crer que no primeiro reconhecimento da Madeira (1418) e nas viagens até às Ilhas Canárias nada mais se utilizou do que o velho saber marinheiro do Mediterrâneo, delineando as rotas com base em referências de terra e estimando os caminhos percorridos, quando das sempre pequenas travessias. Um problema grave se levantava, contudo, a estas viagens ao longo da costa africana. No caminho do sul –sobretudo durante as épocas de bom tempo, favoráveis à navegação– corre um ventin­ho favorável de norte ou noroeste, a que se soma uma corrente franca com o mesmo sentido, a ajudar à viagem. O problema é que, a constância desse tempo, faz com que o regresso se transforme num suplício, em que os navios tinham de fazer bordos alternados, demorando um tempo infindo para ganhar o mesmo caminho que para sul fora feito num instante. O que sentiria essa gente, quando olhava para a costa deserta das praias africanas, sem um local onde recolher alimentos ou água, sabendo que cada dia de viagem para sul, poderia significar vários dias para voltar ao ponto de partida?

Assim compreendemos como foi difícil o avanço e como apenas 16 anos depois do reconhecimento da Madeira, se conseguiu passar além do mítico Cabo Bojador. Por incrível que isso possa parecer, quando tal aconteceu, já há sete anos que tinham sido avistadas as primeiras ilhas dos Açores (1427). Gago Coutinho tem uma explicação lógica para esta precoce descoberta, imaginando que os navios que regressavam de África começaram a fazer um imenso bordo ao largo do Atlântico, com o vento na amura de estibordo, para depois virarem e demandarem a costa portuguesa, por alturas do Algarve ou de Lisboa. Foi num desses bordos largos que foi avistada a primeira ilha aço­riana. Contudo, essa navegação, mais ou menos larga, que constituía a solução mais fácil de regresso a Portugal, apresentava uma dificuldade que se veio a notar na forma titubeante e lenta como se colonizou este arquipélago. Os marinheiros embrenhados assim no mar alto, não tinham uma maneira de saber onde estavam, confiando em intuições que, de maneira nenhuma, se podiam revelar seguras. Impôs-se aos homens do mar alto a necessidade de utilizar um meio astronómico de orientação, semelhante, no fundo, aquele que já era conhecido dos cosmógrafos, mas que era difícil de aplicar por gente tosca e mal preparada em coisas de matemática, com dificuldade para contas complicadas. A primeira informação concreta da utilização de um quadrante para observar a altura da Estrela Polar, como forma de identificar o local onde se navegava, consta de um relato de Diogo Gomes, numa viagem ao largo das Ilhas de Cabo Verde, entre 1455 e 1460. Nessa altura já se sabia bem que a forma de contornar os ventos de norte e noroeste, para regressar a Lagos, era fazendo uma enorme volta pelo largo, passando, nal­guns casos, para oeste dos Açores, e regressando a terra, num outro bordo, quando a altura da Estrela Polar indicasse que era tempo de o fazer. Foi assim que se fez a aprendizagem do Atlântico Norte, aperfeiçoando a técnica de observação astronómica, sabendo que a altura do Pólo Norte era igual à lati­tude do lugar, e analisando como se comportavam os ventos e as correntes. No tempo de D. João II, quando Colombo já estava em Portugal, as viagens já tinham entrado pelo Golfo da Guiné e já tinham revelado as voltas que o mar dá nas zonas equatoriais. Provavelmente, já existia uma nova forma de cálculo da latitude, por observação da altura do sol e realização de um cál­culo simples, onde entra a declinação do astro, lida numa tabela própria.

Depois de que, em 1481, foi construída a fortaleza da Mina, as viagens eram frequentes porque o comércio era lucrativo. O caminho do sul era fácil porque, depois da “nortada portuguesa” associada à circulação de ar em torno do anticiclone dos Açores, surgem os ventos alísios de nordeste, que permi­tem fazer toda a viagem relativamente perto da costa. Passada que era a Serra Leoa e dobrado o Cabo das Palmas, os navios continuavam a ter uma contra corrente equatorial que os arrasta para dentro do golfo da Guiné e que conti­nua a facilitar a viagem, mesmo em situações de calmaria. Para regressar era praticamente inútil tentar fazer o mesmo caminho, porque a corrente o impossibilitava. Navegava-se francamente a sul, procurando a corrente equatorial do sul, e entrava-se na tal volta larga que, muitas vezes, ia bastante para ocidente, e que pode estar na origem de avistamentos de ilhas a que não era possível regressar, mas que podem ter alimentado as lendas ouvidas por Colombo quando da sua estadia em Portugal. Com a sua ida à Mina –even­tualmente pelos anos oitenta a oitenta e três do século XV– o almirante pode não ter falado com Mestre José Vizinho (como já se disse) e pode até nem se ter apercebido bem da latitude desse local, mas aprendeu que existia uma vento regular, soprando de NE, entre o paralelo das Canárias e o Golfo da Guiné24, e numa extensão considerável para oeste. Era esse vento que tinha de ser contornado com uma volta larga, até que pela latitude dos Açores sur­gia um vento de oeste que permitia a aproximação à costa portuguesa com toda a facilidade25. E é na conjugação destes dois ventos, conhecidos dos por­tugueses desde que se efectuavam as viagens à Mina, que reside o “segredo” náutico das viagens de Colombo. E a forma serena como ele conduz os seus navios parece demonstrar que sabe isso muito bem, embora compreenda que os outros não estão tão seguros quanto ele.


Observemos, portanto, alguns aspectos registados no chamado Diário de Bordo da 1ª viagem e que, infelizmente, não é mais do que uma cópia modi­ficada e simplificada, provavelmente tirada de outras cópias de um original perdido. E é importante referi-lo porque o texto, apesar de ser o produto da consciência de Las Casas, apresenta erros grosseiros, que nos parece impossível constarem do documento primitivo, se o mesmo foi escrito por quem dirigiu a navegação e esteve atento aos fenómenos marinhos. A pri­meira questão que me parece pouco coerente é a constante referência ao facto de Colombo, na viagem de ida, estimar uma distância percorrida e registar um valor ligeiramente inferior, com o intuito explícito de dar a entender ao pessoal de bordo que não estavam a afastar-se tanto de terras de Espanha, quanto, na verdade, acontecia. Esta atitude ocorre logo no registo de 10 de Setembro, pouco depois de perderem de vista a terra das Canárias. Diz expli­citamente: “Nesse dia e nessa noite fez sessenta léguas [...] Mas só contou quarenta e oito léguas a fim de que sua gente não se assustasse com a duração da viagem”26. Esta situação repete-se até à chegada às Bahamas, mas tem como contradição o facto de que, em determinadas alturas, se reunirem os pilotos dos diferentes navios, e acertarem entre si a estima, como aconteceu no dia 19 de Setembro. Na minha opinião, este género de descrições de “manobras” atribuídas a temerários comandantes, para ludibriar as tripu­lações ou mesmo forçá-las a ficar no mar sem revoltas ou protestos (porque entregues à competência daquele único homem), tem algo de mítico, que se repete em muitos outros relatos e, de um modo geral, são histórias construí­das a posteriori27. Não estou inclinado para valorizar o facto.

Não me parece serem de valorizar, igualmente, pequenas incongruências de registo como a que acontece no dia 17 de Setembro. “Continuou a navegar para oeste [...] A corrente ajudava-os” –e logo a seguir– “Viram muita erva e muitas vezes. Era erva de rocha e vinha do poente”. Ora se vento e corrente “empurravam” para oeste, a erva não podia vir desse mesmo lado. Trata-se, naturalmente, de um interpretação que tem a ver com a ansiedade de encontrar terra daquele lado, presente na forma como se interpretavam todos os sinais.

Há, no entanto, um conjunto de registos referentes a variações nas agul­has magnéticas que é interessante comentar. O primeiro vem logo no dia 13 de Setembro, onde se lê: “Nesse mesmo dia, ao começo da noite, as bússolas marcaram o noroeste, e de manhã ligeiramente o nordeste.” O fenómeno tem hoje uma natural explicação na variação da declinação magnética em função do local, havendo linhas chamadas de agónicas, onde essa declinação é zero. A fazer fé no registo do Diário –que me parece perfeitamente verosímil– Colombo afastou-se para oeste ao encontro dessa linha agónica, que hoje é difícil saber onde passava exactamente, mas sobre a qual há alguns registos do princípio do século XVI que apontam para a região das Canárias (não é incompatível que fosse ligeiramente mais a oeste). O Tratado da Agulha de Marear, de João de Lisboa (1514), não só aponta a existência da mesma, como a identifica com um meridiano, e, com base nisso, aponta uma solução para determinação da longitude que logo se revelou errónea. As mais rigoro­sas informações que até nós chegaram foram-nos dadas por D. João de Castro, na sequência da sua primeira viagem à Índia (1538), e indicam que nas proximidades das Canárias as agulhas declinam 5º 30’ para nordeste (nordesteiam, na linguagem da época). Mas, alguns anos antes destas obser­vações, surge no extremo sul do continente africano o topónimo “Cabo das Agulhas”, referenciado nos roteiros portugueses como um sítio onde as agul­has não variavam. Quando os navios passavam demasiado ao largo, sem con­seguirem avistar terra, saberiam que cruzavam o cabo, verificando este fenómeno, dizem-nos. O Cabo das Agulhas é uma designação relativamente tardia, mas tive ocasião de ver recentemente que o planisfério português anó­nimo, dito “Cantino”, refere a pequena baía, contígua a esse cabo, designada “Golfo das Agulhas”, revelando que no princípio do século XVI, os marin­heiros portugueses conheciam o fenómeno da declinação, e sabiam que variava de local para local. Ora, em boa verdade, os registos do Diário, refe­rem a variação das agulhas, mas não são muito claros quanto à interpretação dos mesmos. No entanto, não me parece possível que alguém possa andar no mar alto sem ter reparado nele. Se Colombo observava a Polar, para deter­minar a latitude do lugar e sabia até que havia um regimento para acertar os valores da altura, em função da posição da Ursa Menor, não me parece possí­vel que nunca tivesse reparado na diferença (por pequena que fosse) entre a direcção do Pólo e a que é indicada pela agulha. E em abono da diligência e atenção com que observava as estrelas, faço notar o que consta no registo de 30 de Setembro, onde está escrito o seguinte: “Anotou que «as estrelas a que se chama guardas, quando cai a noite, estão perto do braço da porta do poen­te; e quando o dia nasce, estão alinhadas, sob o braço, na direcção nordes­te...»”28.

(Olhando o norte na noite de 29 para 30 de Setembro de 1492, ao anoitecer e ao amanhecer, podiam ver-se as guardas da Ursa Menor nas posições referenciadas no Diário.Clique para ampliar)

Hoje esta disposição do céu é fácil de verificar como verdadeira e rigorosa com a ajuda de um computador e de um programa de astronomia, como tive ocasião de fazer. De certo modo, parece-me difícil que qualquer navegador que utilize correntemente a bússola e a altura da Polar, não tenha noção das variações da agulha. Deve dizer-se, no entanto, que a mais antiga referência escrita que conheço é a que consta no Diário. Estou em crer que quem não percebeu o fenómeno foi Las Casas, porque não tinha de o per­ceber, mas o almirante não podia deixar de o conhecer muito bem29.

Por último saliento a rota que o almirante procurou realizar até ao seu destino (que para si seria Cataio ou Cipango) e como regressou à Europa. Do que se infere do Diário, partiu de Palos a 3 de Agosto, realizando um per­curso simples e conhecido até às Canárias, onde reparou a Pinta que fizera uma avaria no leme. Só zarpou em direcção ao Atlântico ocidental a 6 de Setembro, partindo de La Gomera (28º N). Seguiu um rumo oeste, com um vento favorável, que suponho ter soprado de NE, fazendo-lhe orçar os navios e levando a que tivesse de chamar a atenção dos marinheiros do leme30. Só mesmo no final da viagem cedeu em guinar para SW, porque avistou muitas aves que nesse sentido voavam. O Diário afirma “porque o almirante sabia que a maior parte das ilhas que são dos Portugueses foram descobertas seguindo o voo das aves”, mas eu julgo esta consideração irrelevante, por me parecer que esse saber era de todos os marinheiros e não só dos portugueses... Alcançou a ilha de S. Salvador em 12 de Outubro de 1492, percorrendo toda a região das Bahamas. A 30 de Outubro, estando em Cuba, opinou que esta­ria “quarenta e dois graus norte da linha equinoxial”, segundo o texto de Las Casas. Mas o copista acrescenta, “se o manuscrito de onde copiei isto não estiver errado”, o que efectivamente acontecia. Estavam por cerca de 21ºN. Aliás, no dia 2 de Novembro está escrito “Nesse local [não muito longe do anterior], nessa noite, o almirante fez o ponto com o auxílio de um quadran­te e achou que estava a quarenta e dois graus da linha equinoxial”. Volta a haver um erro, para o qual não tenho explicação coerente e não quero espe­cular. Apenas não creio que seja falta de conhecimento de Colombo ou defei­to do instrumento em causa, tanto mais que, noutros locais do Diário, se tecem considerações sobre que a latitude daquelas ilhas deve ser próxima das Canárias. Além do mais, era conhecida a latitude das Ilhas dos Açores, de Lisboa, de Cádiz e de Palos. Não seria, portanto, normal que achando-se a 42º de latitude, procurasse ganhar ainda mais norte para regressar a Espanha, como de facto aconteceu. A meados de Janeiro iniciou o regresso a Espanha e a 16 de Fevereiro estava em Santa Maria, nos Açores, precisamente no caminho que tinha de seguir.


Jorge Luís Matos