sábado, 30 de dezembro de 2006

Cristóvão Colombo, especial amigo de D. João II

Se havia uma conspiração e Cristóvão Colombo foi uma «toupeira» introduzida por D. João II em Castela para desviar as atenções de D. Isabel e D. Fernando da Índia para o Novo Mundo como se explica a carta de 20 de Março de 1488?
  • Porque razão D. João II escreve ao seu principal agente secreto, tratando-o por especial amigo?
  • Porque razão escreve D. João II a este espião oferecendo-lhe contentamento (que se pode entender por recompensas)?
  • Estava, por ventura, a querer queimá-lo?
  • Cristóvão Colombo recebe tão comprometedora carta e guarda-a. É suicida?
  • Se o agente estava em acção porquê chamá-lo a Portugal (como alguns querem entender)?
  • Chamá-lo-ia para forçar os Reis Católicos a agir e aceitar a proposta com receio de mais uma vez serem ultrapassados pelos portugueses?
  • Estaria Cristóvão Colombo a tentar o financiamento do seu projecto pelos Reis Católicos e ao mesmo tempo continuava a tentar que D. João II o financiasse?
  • O seu irmão não andou também a tentar que os reis de França e de Inglaterra financiassem o projecto?
  • Sabendo das expedições de Bartolomeu Dias e de Pêro da Covilhã e Afonso de Paiva, não terá achado oportuno inserir-se nessa busca da Índia e oferecer-se novamente para a procurar?
  • Ou, não tendo ainda regressado a expedição de Bartolomeu Dias – e temendo-se, eventualmente, a sua perda – não teria achado Cristóvão Colombo ser uma boa altura para voltar a propor o seu plano a D. João II?

quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

A Carta de 1488 de D. João II a Cristóvão Colombo


1488 – 3 – 20, Avis
Carta de D. João II a Cristóvão Colombo em Sevilha agradecendo o que lhe foi escrito e a boa vontade e afeição mostrada ao seu serviço. Declara que terá prazer nos serviços propostos e que deles dará boa satisfação. Esta carta constituirá segurança contra a Justiça Real por algumas coisas por que seja procurado.
Assinatura autógrafa de D. João II.
Suporte em papel; caligrafia gótica semicursiva.
Contém na parte inferior tradução em língua castelhana escrita com caligrafia de tipo humanista do século XVI.
Archivo General de las Indias, Sevilha, (...)
(Transcrição e edição a partir de imagem do documento em O Mistério Colombo Revelado, p. 231, confrontada com a edição de Patrocínio Ribeiro, A nacionalidade portuguesa de Cristovam Colombo (...), pp. 35-36, e com a cópia da mesma transcrição em O Mistério (...), p. 230, onde se corrige uma gralha na versão anterior).

+
A Christovam Collon noso espicial amigo em Sevilha.//


Christoval Colon nos Dom Joham per graça de Deos Rey de Portugal e dos Algarves daaquem e daallem mar em Africa Senhor de Guinee vos envyamos muyto saudar; Vymos a carta que nos scrivestes e a booa vontade e afeiçom que por ella mostraaes teerdes a nosso serviço vos agardeçemos muito / E quanto a vossa vynda ca certo assy pollo que apontaaes como por outros respeitos pera que vossa industria. e bõo engenho nos sera necessareo nos a desejamos e prazer-nos-ha muyto de virdes porque em o que a vos toca se dará tal forma de que vos devaaes seer contente ./ E porque por ventura teerees alguum reçeo de nossas justiças por razam dalguumas cousas a que sejaaes obligado, nos per esta nossa carta vos seguramos polla vynda stada e tornada que nom sejaaes preso reteudo acusado çitado nem demandado por nehuuma cousa ora seja civil ora crime de qualquer qualidade ./ E per ella meesma mandamos a todas nossas justiças que ho cumpram asy ./ E portanto vos rogamos e encomendamos que vossa vynda. seja loguo e pera ysso nom tenhãaes pejo alguum ./ e agardecer-vo-lo-emos e teeremos muyto em serviço scripta em Avis a xx dias de Março de 1488 ¶


El-Rey ·:· —


Notas:


O melhor copista engana-se pelo menos duas vezes por página, logo...


Por causa da pouca qualidade da imagem há partes cuja leitura ofereceu algumas dúvidas, pelo que é muito provável mudar-se de opinião perante o original ou melhor cópia.


Por qualquer razão Cristóvão Colombo escreve ao rei propondo-lhe qualquer coisa que o rei acha boa, convidando-o a deslocar-se a Portugal prometendo-lhe ao mesmo tempo uma satisfação, embora se não refira o tipo nem o porquê.
Por este documento não se deduz que Cristóvão Colombo servisse ou tivesse servido D. João II ou a Coroa. A carta revela a «boa vontade e a afeição» que Colombo tem por esse serviço – o que poderá querer dizer que quer começar a servir D. João II.
Não se pode deduzir que está ao serviço de D. João II porque o rei português, por esta carta, parece disposto a recebê-lo na sequência da missiva que Colombo lhe enviara. O rei admite que para o convite contribuiu o que Colombo lhe escrevera na carta cujo conteúdo presentemente se desconhece, além de outras razões também não especificadas e que no que a Colombo diz respeito sairá satisfeito. Esse serviço a acontecer terá um carácter temporário já que na carta se prevê o regresso do destinatário ao seu local de origem.
Cristóvão Colombo por ventura teme a Justiça e nessa eventualidade recebe um salvo conduto limitado, assinado pelo rei para poder entrar, deslocar-se e sair de Portugal sem incómodo. Não se trata duma carta de perdão, pois não cumpre as mais elementares regras diplomatísticas para o efeito, nem por aqui se pode inferir ser Colombo suspeito de qualquer crime grave ou menos grave, já que o rei, a saber do que se tratava, parece não querer dar-lhe grande relevância[1].
No geral, até parece haver um certo tom de condescendência em toda a carta.
Este documento revela alguma cautela, não se comprometendo com algo de concreto, para além de assegurar a Cristóvão Colombo que não será accionado pela justiça régia pelas razões que eventualmente existam contra ele – repare-se que não se refere haver causa contra Colombo, simplesmente que Colombo por ventura terá algum receio da Justiça. Não se firma nesta carta qualquer compromisso além do referido, o resto são promessas vagas e vazias de conteúdo.
A carta é cautelosa sem ser conspirativa; é espectante e nunca assertiva.


No endereço da carta aparece a menção de «especial amigo», o que é tido por muito relevante pelos autores que querem ver nela algo mais do que lá há. Considerando todas as interpretações abusivas, descontextualizadas e estapafúrdias que aparecem neste tipo de escritos, o relevo dado a este caso parece-me à partida suspeito.
Já alguém procurou outras cartas cujo endereço contenha igual fórmula?
Já alguém estudou as fórmulas de endereçamento na parte que se destina ao correio ou carteiro?
A referência a «especial amigo» no destinatário é, sem dúvida, interessante. No entanto, e incompreensivelmente, a mesma expressão não é repetida no conteúdo da carta. É, pois, bem mais significativo o facto de não constar qualquer menção de familiaridade no interior dessa carta, limitando-se a um seco «Cristóvão Colombo, nós D. João...», não havendo, tampouco, a expressão muito frequente para com funcionários, oficiais ou dignitários que é «Fulano amigo, nós D. João/El-Rei vos enviamos muito saudar», preferindo-se a fórmula mais distante onde entra o título régio e sem qualquer outra expressão de afecto.
Outro facto que talvez possa ter alguma relevância, é as cartas serem endereçadas depois de assinadas e fechadas, ou seja depois do rei as ter assinado e muito pouco provavelmente na sua presença. Também relevante para as hipóteses que se formulem em torno desta carta, e que as obras que a apresentam não indicam, é a indicação do nome do remetente para além do do destinatário.
Pelas imagens apresentadas não dá para determinar se a pena e tinta usadas, ou mesmo a mão, são as mesmas. Mas do endereço para a carta ressalta claramente a diferença na grafia do nome de Cristóvão Colombo: Cristovam Collon no endereço e Cristoval Colon no texto principal. Também é notável o facto de no endereço aparecer noso e no texto da carta aparecer uma vez nosso e três vezes nossa(s) e em nenhum caso aparecer este pronome possessivo com um só S.


Só isto não basta para declarar a oração «noso espicial amigo» apócrifa, já que é muito frequente a oscilação ortográfica, mas estes factos tornam-na bastante suspeita. Para já vai dar-se crédito a Patrocínio Ribeiro[2] quando diz que o documento foi declarado verdadeiro por José Pessanha, conservador da Torre do Tombo, se bem que me pareça possível que para isso não tenha sido dada atenção a este detalhe.


Tomando o documento por aquilo que se tem dito que é algumas perguntas se podem fazer. Mas essas ficarão para outra vez.


[1] Patrocínio Ribeiro, A Nacionalidade Portuguesa de Cristovam Colombo, 1927, p. 36, transcrevendo a carta não a analisa com grande detalhe; comedido como outros depois dele o não foram, cita a interpretação de Teixeira de Aragão, via Luciano Cordeiro, de não se tratar esta carta dum convite [na medida em que não decorre duma iniciativa do rei] mas sim da aceitação dum pedido condicionado feito por Cristóvão Colombo.
[2] Id., Ib., p. 36.

terça-feira, 26 de dezembro de 2006

Patrocínio Ribeiro - Cristóvão Colombo o conspirador

Continua-se a publicação do livro de Patrocínio Ribeiro, A nacionalidade portuguesa de Cristovam Colombo. Solução do debatidissimo problema da sua verdadeira naturalidade, pela decifração definitiva da firma hieroglífica (...), Lisboa, Liv. Renascença, [1927], Cap. II, pp. 29-37.

Chama-se a especial atenção para o que de facto é relevante neste capítulo: a carta assinada por D. João II a Colombo e que tem servido para justificar a nacionalidade portuguesa do Almirante.
Em verdade, depois de bem lida e relida por diversas vezes, não se consegue vislumbrar onde possa haver uma indicação dessa nacionalidade, mas cá se voltará com mais detalhe.
Esta versão da transcrição é copiada verbum ad verbum, erros incluídos, em O Mistério Colombo Revelado (p. 230) a que se junta uma fotografia do original (p. 231).


Texto Integral

II

COLOMBO CONSPIRADOR?!...


Se a individualidade heroica de Cristovam Colombo é fulgurantissima, a sua personalidade intima é, porém, muito tenebrosa.
Este homem superior — que era um persistente, um obstinado, um tenaz, oferece o fenómeno pouco trivial do génio inato.
A sua decisão inabalável em levar a efeito a descoberta, teve todos os característicos mórbidos dum grande caso de impulsivismo místico.
A sua viagem reveladora foi uma alucinação maravilhosa.
Nenhum homem célebre teve, como ele, a previsão do seu destino; nenhum outra se submeteu, com ar mais resignado, aos designios imperiosos do fatalismo.
Foi sobretudo a Fé, a sua singular fé ardente, o grande motivo moral que o impeliu através do Oceano para as regiões ignotas porque Colombo julgava-se um predestinado, um iluminado do Espirito Santo ([1]).
Mas o descobridor do Novo Mundo apesar de ser um espirito abertamente crente, foi tambem, uma criatura excessivamente misteriosa, pois ocultou sempre os seus antecedentes, não revelando nunca a sua pátria verdadeira, nem a sua verdadeira familia aos seus amigos de Castela, parecendo até que quanto mais subia em dignidades tanto menos conocido y cierto quiso que fuese su origen y patria, como o declara seu filho ilegitimo, Fernando, que não sabia ao certo, tambem a naturalidade e ascendencia de seu pae.
Ora é pela análise sintética do caracter misterioso de Colombo — servindo-me, é claro, dos documentos históricos, — que eu vou tentar resolver o problema da sua nacionalidade.
Em Portugal, que me conste, não ha em cronistas nem em documentos inéditos, referencia alguma aos Colombos, italianos, ou aos Colons, espanhóes.
Rui de Pina no cap. CLXIV, da Chronica del Rey D. Affonso V, alude apenas, a um famoso corsário francês, chamado Cullam, que tendo feito reverencia a D. Afonso V em Lagos, o ajudou na defesa de Ceuta contra os mouros.
Rui de Pina e João de Barros só se referem a Cristovam Colombo pelo feito que o celebrizou, mas duma forma muito breve, muito vaga, acentuando, porém, este ultimo historiador, — que ele era esperto, eloquente, e bom latino e mui glorioso em seus negocios.
Historicamente sabe-se que o descobridor da América casou com uma dama da aristocracia portuguesa de quem teve um filho, Diogo Colombo, e que, acompanhado dêste, abandonou Portugal dirigindo-se a Huelva, parece que de maneira oculta, como um fugitivo, mas desconhecem-se os motivos verdadeiros porque assim procedeu.
Eu vou procurar explicar; pelo lado mais racional, esta sahida misteriosa de Colombo do nosso pais — baseando-me, exclusivamente, na teoria das hipoteses, onde, de resto, se tem baseado, tambem, toda a enorme bibliografia colombina, como é notório.
Consta que o denodado nauta — irritado contra D. João II — saíu de Portugal, ás escondidas, pobremente vestido; mas a data dèste facto não é determinada, com precisão, pelos historiógrafos indicando uns um ano e outros outro, hipotéticamente.
Veiamos se se poderá fazer luz sôbre êste obscurecido ponto.
Segundo Fray Bartolomeu de Las Casas o descobridor do Novo Mundo, encontrando-se na ilha Espaniola, escreveu uma carta aos reis de Castela — carta que reproduz na sua Historia general de las Indias — onde, entre outras coisas diz o seguinte, referindo-se á descoberta:

Ya saben vuestras Altezas que anduve siete años en su côrte importunandoles por esto».

Ora Colombo embarcou para a sua primeira viagem em 3 de Agosto de 1492, no porto de Palos; retrocedendo sete anos, desde 1492, da a data 1485 ano em que, evidentemente deu entrada aos dominios de Isabel, a catolica ([2]).
Navarrete, nos Documentos Diplomaticos, publica uma carta do duque de Medinaceli, escrita em 19 de março de 1943, e dirigida ao gran cardeal de Espanha para que este peça á rainha autorisação para ele poder enviar, cada ano, duas caravelas suas ás novas terras descobertas por Cristobal, Colomo, como lhe chama, que se venia de Portugal y que se queria ir al Rey de Francia para que se empreendiesese de ir a buscar las Indias.
Alega o duque, para justificar a pretenção, os seus serviços anteriores á corôa, nesta passagem interessante da carta:

«... a mi cabesa y por yo deternerle en mi casa dos años, y haberle enderezado á su servicio, se ha hallado tan gran cosa como esta».

Referem alguns historiadores que D. João II regeitara as propostas de Colombo, depois de ter mandado analisá-las pela junta dos cosmógrafos do reino, que se pronunciou contra a empresa, mas parece mais crivel que o monarca se não conformasse com o que o navegador exigia para si pela descoberta pois entre outras recompensas pretendia ele ser almirante e vice rei das novas regiões que encontrasse na sua viagem.
Ora no dia 3 de março de 1483, Fernão Dulmo (Ferdinando van Olm), capitão da ilha Terceira (Açores), foi autorisado por D. João II a tentar a descoberta das fantasticas ilhas das sete cidades e térra firme, que se imaginava que ficassem para o poente, no rumo ocidental do Atlântico ([3]).
É natural que esta autorização do rei descontentasse Colombo ao ter conhecimento do facto, e dahi se tornasse inimigo figadal do monarca, colocando-se ao lado dos partidarios do duque de Bragança, D. Fernando — que conspirava então contra a soberania real — isto motivado pelo despeito de ter sido preterido em beneficio de outro, ou por promessas de ante-mão feitas de poder realizar a planeada descoberta logo que este fidalgo conseguisse os seus fins.
Mas a conspiração foi descoberta a tempo, por uma casualidade, e o rei informado dela por denuncia.
Os conjurados trataram de salvar a vida passando a fronteira, fugindo para Castela, França e Inglaterra; e o Bragança, descoberto, foi imediatamente preso, julgado num processo sumario, e executado no cadafalso de Evora a 21 de junho de 1483.
Entretanto fôra descoberta uma outra conspiração da nobreza. Em 23 de agosto de 1484, D. João II apunhala, em Setubal, o duque de Vizeu, tido como chefe da conjura. Novas prisões, nova revoada de fugitivos para alem-fronteiras. Mas desta vez o ouro soberano paga, largamente, o punhal dos sicarios, o veneno dos facinoras. Ai! dos que fossem indigitados pelos espiões do rei! Nem o proprio paiz estranho valia de refugio, nem a propria terra estrangeira evitava a morte violenta! Como uma maldição, seguia os fugitivos, cheios de pavor, galopando deante da morte, esta praga condenatoria do monarca: Quizeste matar-me?! Morrerás... E o Principe Perfeito executava na perfeição, pela Europa, fóra, a caça ao homem...
Afim de evitar o odio vingativo do rei, que os perseguia por toda a parte, muitos dos exilados tiveram de usar o velho estratagêma de mudar de nome, o que nem sempre surtia efeito como sucedeu a um dos fidalgos exilados que tendo conseguido passar os Pirineus, sob um suposto apelido francês, mesmo assim foi reconhecido e apunhalado em Avinhão.
É muito natural, pois, que o futuro descobridor da América houvesse de usar do mesmo estratagêma. para segurança pessoal, fazendo-se passar por genovês, auxiliado um tanto pelo seu fisico de homem de tez rosada e cabelo louro conseguindo chegar até casa do duque de Medinaceli, na Andaluzia, sem ser apanhado na fuga e onde se conservou oculto durante dois anos, enquanto os ares andaram turvos para os que haviam podido escapar-se de Portugal a tempo e a salvo.
Foi na mesma casa protectora de Medinaceli que meses antes se acolhera, tambem, o refugiado politico português D. Afonso, conde de Faro, irmão do Bragança executado em Evora, para escapar á vingança que D. João II jurára á nobreza conspiradora, porque uma sua filha era casada com o duque.
E, assim, comeram ambos o pão amargo do exilio sob o mesmo tecto andaluz: o fidalgo português de ascendencia nobre — conde, irmão dum duque e sogro doutro duque — e o mísero plebeu foragido que, mais tarde, anos depois, havia de dar um Novo Mundo ao mundo!
Pelo que deixo exposto não é arriscado concluir-se que Colombo era cumplice na conspiração contra D. João II, e tanto assim parece que a seguinte carta, encontrada após a sua morte entre os seus papeis, é bem significativa porque tem todo o teor dum salvo-conduto, concedido a quem tinha culpas muito graves no cartório régio:

«A Cristovam Collon, noso especial amigo em Sevilha»

«Cristoval Colon:

«Nós Dom Joham per graça de Deos Rey de Portugall e dos Algarves, daquem e dallem mar em Africa, Senhor de Guinee vos enviamos muito saudar. Vimos a carta que nos escreveste e a boa vontade e afeiçam que por ella mostraaes teerdes a nosso serviço. Vos agradecemos muito. E quanto a vosa vinda cá, certa, assy pollo que apontaaes como por outros respeitos para que a vossa industria e bõo engenho nos será necessário, nós a desejamos e prazer-nos-ha muyto de vyrdes porque em o que vos toca se darà tal forma de que vós devaaes ser contente. E porque por ventura terees algum reçeo das nossas justiças por razam dalgumas cousas a que sejaaes obligado. Nós por esta nossa Carta vos seguramos polla vinda, estada, e tornada, que não sejaaes preso, reteudo, acusado, citado, nem demandado por nenhuma cousa ora que seja civil ou crime, de qualquer qualidade. E pella mesma mandamos a todas nosas justiças que o cumpram assy. E portanto vos rogamos e encommendamos que vossa vinda seja loguo e para isso non tenhaaes pejo algum e agradecer-vo-lo-hemos e teremos muito em serviço. Scripta em Avis a vinte de Março de 1488.

EL-REY». ([4])

Por este salvo-conduto de D. João II póde vêr-se que o monarca não se dirigia a um genovês e sim a um vassalo seu que residia no estrangeiro por «reçeo de nossas justiças».
É muito para lastimar que a carta de Colombo se tivesse extraviado no nosso Arquivo Nacional, pois talvez ela esclarecesse o receio a que o rei se refere...
Assim, esta carta do rei de Portugal — confrontada com a de Paulo Toscanelli, de 1474, — explica, duma maneira bem clara, o motivo porque o célebre cosmógrafo de Florença chamou português a Colombo, tendo-lhe sido feita a apresentação deste pelo italiano Giraldi; Giraldi que, evidentemente, devia conhecer a verdadeira nacionalidade do individuo de quem fazia a apresentação indicou-a, decerto, a Toscanelli pois só assim se explica a razão dos elogiosos termos da carta do sábio, enaltecendo a nação portuguesa e os seus homens mais ilustres entre os quais inclue tambem Colombo o qual — se bem que já manifestasse disposições de navegar para o Ocidente — vivia ainda em Lisboa, muito modesto e obscuro. ([5])

Logo o nauta imortal que descobriu a America era um português ao serviço da Espanha — como Fernão de Magalhães, Faleiro, João Serrão. Duarte Barbosa; e outros — para honra e gloria da nossa patria, para maior celebridade da nossa terra de heroes do mar, de descobridores intrépidos, de navegantes arrojados, que — sulcando os Oceanos em todos os rumos — foram levar aos confins do mundo a emissão sonora da sua linguagem fortemente nasalada, o fervor rútilo da sua grande fé cristã, e a rútila corroboração do seu génio ousado!

[1] Cristóvam Colombo escreveu uma obra muito curiosa, que deixou inédita, intitulada — «Libro de las Profecias» — onde se jactava de ter sido escolhido do Céu para descobrir o Novo Mundo; nesse livro de pseudo-revelação divina há periodos interessantissimos como, por exemplo, estes dois:
«Quien dubida que esta lumbre no fue del Espirito Santo, asi como de mi, al cual com rayos de claridad maravillosa consoló con su santa y sacra Escritura a voz muita alta y clara con 44 libros del Viego testamento, y 4 Evangelios con 23 epistolas daquellos bienaventurados Apostolos avivando-me que yo proseguiese, y de contino sin cesar un momento me avivan cem gran priesa?»
«... e digo que no solamente el Espirito Santo revela las cosas de por venir á las criaturas racionales mas nos las amuestra por señales del cielo, del aire y de las bestias cuando le aplaz».
Como se sabe a prioridade da descoberta da America foi-lhe contestada pelos seus proprios contemporaneos que a atribuiam a um piloto náufrago que lhe fornecera elementos a ponto de ele poder efectua-la, mais tarde, como ideia exclusivamente sua. Essa insinuação absurda, que tinha em vista obscurecer o mérito do grande navegador, criou raízes no seu tempo tanto que ele escreveu o «Livro das Profecias» para se justificar e fazer emudecer os seus detractores, procurando demostrar que a previsão da descoberta lhe fôra sugerida pelo proprio Espírito Santo. Ainda hoje, em Portugal, quando alguem efectua alguma cousa imprevista cuja decisão subita é posta em duvida, parecendo ter sido anteriormente segredada por outrem, se diz com ironia: — «Parece que teve Espirito Santo... de orelha!» — Remontará a origem desta frase ao tempo de Colombo?
[2] O historiador Bernaldez chega mesmo a indicar o dia: — 20 de Janeiro do referido ano. Las Casas porêm diz que ele fugiu de Portugal em fins de 1484 ou principios de 1845, enquanto que Heman Colon afirma que essa fuga foi em fins de 1484.
[3] Posteriormente, associou-se com João Afonso do Estreito, escudeiro, morador na Madeira, sendo em Lisboa sancionado o seu contracto para este fim, pelo mesmo monarca em 24 de Julho de 1486. Deviam ser equipadas duas caravelas para largarem da Ilha Terceira em 1 de Março de 1487. Parece que nunca se levou a efeito a viagem, porque desta tentativa nada se sabe.
Virá daqui a origem dessa lenda — referida por alguns historiógrafos de que D. João II tendo simulado regeitar as propostas de Colombo por inexequiveis, mandara, secretamente, caravelas suas em busca das terras ocidentais?
[4] V. o texto desta carta em Navarrete «Coleccion de los viajes y descubrimientos» etc., e em Teixeira de Aragão, «Memoria acerca do descobrimento da America», 1892. Luciano Cordeiro, que a transcreveu a pág. 17 do seu opúsculo «De la decouverte de l'Amerique», 1876, anota-a nestes termos: «Cette lettre n'est pas une invitation comme l'ont dit toutes les biographes de Colomb. C'est, au contraire, une aceptation». Anteriormente assim o notara tambêm, Pinilla designando-a por «aceptation obligeante». Henri Vignaud, nos Nouvelles etudes critiques surla vie de Christophe Colomb, Paris, 1911, pág. 678, reprodu-la em fac-simille, sendo a autencidade deste documento garantida pela analyse paleografica do distintissimo conservador do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, sr. Dr. José Pessanha.
[5] V. o texto da referida carta na obra de Henan Colon, Vida del Almirante. e nas notas da Historia Universal de César Cantu, tradução de Bernardes Branco.


domingo, 24 de dezembro de 2006

Boas Festas

Boas Festas
a todos quantos aqui nos têm acompanhado

Grão Vasco, Natividade, Óleo sobre madeira

Aproveito também para deixar um agradecimento especial a Maria Benedita Vasconcelos, Artur Camisão Soares, Coelho e Eduardo Albuquerque pelas suas valorosíssimas contribuições no forum da Genea, e ao «Português Racional» pela contribuição e incentivo que tem dado aos autores.

sábado, 23 de dezembro de 2006

Boas Festas!


Boas Festas para todos os visitantes.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

Patrocínio Ribeiro - Cristóvão Colombo Português

Patrocínio Ribeiro, A nacionalidade portuguesa de Cristovam Colombo. Solução do debatidissimo problema da sua verdadeira naturalidade, pela decifração definitiva da firma hieroglífica (...), Lisboa, Liv. Renascença, [1927], Cap. III, pp. 39-53.

Patrocínio Ribeiro neste capítulo III, e que em baixo se transcreve, pretende mostrar a perícia de Cristóvão Colombo como marinheiro; aflora a política de segredo activa e de espionagem, mas não a desenvolve; dá destaque à ordem dos Reis Católicos para que Colombo não se dirija a portos portugueses e ao facto dele o não cumprir; chama a atenção para a devoção especial de Colombo ao Espírito Santo e faz referência ao facto Deste ser representado por uma pomba; menciona o apelativo marrano e de tal ser um insulto frequente entre portugueses e castelhanos, aflorando a possibilidade de Colombo ser judeu; cita um excerto de Colombo em que este refere o serviço a outros amos, mas sem especificar o contexto em que ocorre; faz corresponder espião a homicida; o instrumento de instituição dum morgadio em que o almirante refere ter nascido e saído de Génova é sofismado e desvalorizado até chegar ao prato forte do capítulo que é a carta de Toscanelli que interpreta concluindo dizer-se aí que Colombo é português.
Em pouco mais de uma dúzia de páginas enunciam-se os tópicos que daí por diante constituirão o núcleo das teses defensoras dum Cristóvão Colombo português. De então para cá, têm-se dado voltas a estes motes, valorizando uns, desvalorizando outros, acrescentando umas cores aqui, uns círculos acolá. Desenvolveram-se tópicos, frequentemente caindo em absurdos, mas pouco mais se avançou.


Texto Integral

III

COLOMBO PORTUGUÊS


Mas a nacionalidade portuguesa de Cristovam Colombo — afirmada pela carta de Toscanelli e confirmada pela de D. João II = é esclarecida, ainda, por outros pontos comprovativos, por factos historicos que vou enunciar transcrevendo, primeiramente, para elucidação preambular das minhas deduções o que diz o ilustre escritor J. A. Coelho na sua eruditissima obra «Evolução geral das sociedades ibericas»:

«... é lusa e bem lusa a ideia, levada definitivamente á pratica, de uma navegação atlantica, scientifica, systematicamente realisada, e tendo por objectivo — numa primeira phase devassar os mysterios do Oceano, e numa segunda, relacionar o Levante e o Ocidente, e portanto, substituir por uma nova linha de comunicabilidade de caracter atlantico a simples arteria de caracter mediterraneo que se alargava, passando pelos desertos, desde o Indus as Columnas de Hercules. Esta concepção, verdadeiramente nova, de caracter aventuroso e essencialmente maritimo, nunca poderia sahir do cerebro dum castelhano, pois estava isolado na cerrada continentalidade do seu planalto... Na Peninsula, só a podia crear o Lusitano, porque ocupava uma situação verdadeiramente insular... franca e largamente atlantica... Por isso, apezar da América ter sida descoberta por um homem de genio ao serviço de Castela, não foi do cerebro do Castelhano que despontou essa ideia;... creada sob a influencia da alma lusa, levaram-lh’a de fora, encontrou mesmo por parte do genio castelhano dura e intransigente oposição e, francamente aceite, só o foi por uma mulher superior — a grande Isabel, a qual bisneta do grande Mestre de Avis, era de alguma maneira a nobre e digna representante do genio luso em terras de Castela». ([1])

Posto isto, vejamos pois.
O maior amigo de Colombo, em Castela, o seu grande amigo intimo mesmo, foi um frade português que, se estava de posse do segredo confidencial da descoberta, havia de estar, evidentemente, bem informado tambem sobre a verdadeira personalidade do descobridor do Novo Mundo.
É pena que nada deixasse escrito sôbre o assunto esse modesto franciscano, que os historiógrafos teem confundido com outro religioso chamado frei João Perez, quando afinal as suas entidades são perfeitamente distintas.
Colombo — numa carta endereçada aos monarcas de Castela — referiu-se a este seu dilecto amigo duma forma que, de futuro, destruirá todas as duvidas que ainda prevaleçam no espirito indeciso dos investigadores:

«Ya saben vuestras Altezas que anduve siete anos en su côrte importunandoles por esto; nunca en toda este tiempo se halló piloto ni marineiro, ni filosofo, ni de otra ciencia que todos no dijesen que mi empreza era falsa; que nunca yo hallé ayuda de nadie salvo de fray Antonio de Marchena, después de aquella de Dios eterno» ([2])
A oposição singular que o navegador encontrou na côrte de Isabel, a católica, — especialmente dum cortesão de grande influencia e muito devotado ao soberano português, Hernando de Talavera, — afim de lhe ser concedida autorisação para o seu empreendimento, é bem sintomática; D. João II sabia tudo quanto se passava em Castela, dentro e fora da côrte; refere Rezende que a espionagem diplomatica paga pelo ouro português, era exercida até pelos próprios castelhanos de destaque em cargos oficiais do Paço, «de quem recebia muitos avisos bem necessarios a seu serviço e estado e ao bem de seus reinos» e «todolos conselhos e segredos lhe eram descobertos primeiro que nenhuma coisa se fizesse». Desta fórma se explica que, tendo sabido que um piloto e dois marinheiros da carreira da Guiné se haviam ausentado do reino afim de irem oferecer os seus serviços a Castela, mandasse, pelos seus espias, apunhalar os marinheiros no caminho e trazer preso a Portugal o piloto que foi enforcado em Evora, para exemplo de futuros traidores á patria.
Mas a despeito da oposição tenaz aos projectos de Colombo, oposição que durou anos seguidos, como se sabe, sempre e sempre mais cheia de embaraços de toda a ordem a viagem foi autorizada, por fim, e o descobridor fez-se ao mar sob o patrocinio de Isabel, a católica. Ora o ousado nauta poude, afinal, partir da Peninsula para efectuar a descoberta a que se tinha proposto, porquê?

«... porque nesse tempo — é o cronista Garcia de Rezende quem esclarece, — entre os Reys de Portugal e Castella houve causas e cousas que pareciam de quebra; El Rey alem das lianças que com frança mostrava mandou no reino e fora dele fazer grandes e dissimulados apercebimentos que para se segurar da guerra que desejava escusar. por causa da sua doença, muito lhe aproveitaram». ([3])

No entanto, dias antes do embarque em Palos, os reis de Castela tinham mandado apregoar pelos seus estados que as caravelas que iam enviar-se ás Indias não podiam tocar em portos portugueses, aviso este que tanto poderia ser para salvaguarda dos nossos interesses do povo vizinho e evitar complicações previstas como para obstar a uma deslialdade de Colombo de que, de resto, não se livrou da fama, como as suas cartas posteriores o demonstram, suficientemente, muito em especial aquela que dirigiu a Dona Juana, ama do principe D. Juan e irmã de Pedro de Torres, secretario da rainha Isabel, a católica:

«Yo creo que se acordará vuestra merced quando la tormenta sin velas me echó en Lisbona, que fui acusado falsamente qué habia ide ya alla al Rey para darle las Indias. Despues supieron sus Altezas al contrário, y todo fue com málicia. Bien que yo sepa poco: no sé quien me tenga por tan torpe que yo no conozca que aunque las Indias fuesen mias, que yo no me pudiera sustener sin ayuda de Principe.»

Mas, apesar da recomendação proíbitiva dos soberanos, Colombo — no regresso — aportou, intencionalmente, a terras portuguesas. Em 18 de fevereiro de 1493 fundeou nos Açores, no pôrto de S. Lourenço da Ilha de Santa Maria, onde foi pagar uma promessa que fizera à Virgem durante a viagem, a uma capelinha rústica, edificada sobre a rocha, sobranceira ao Oceano vasto que a sua caravela vinha de sulcar pela segunda vez. Depois, aproando novamente à terra portuguesa. entrou a barra de Lisboa a 4 de março, subiu o Tejo, fundeou em frente do Restelo, e foi visitar D. João II — a Vale de Paraíso — que o hospedou durante três dias, presenteando-o, à despedida, com uma mula como sinal de distinção. E só a 13 de março é que levantou ferro para se ir a Sevilha levar, aos castelhanos, a noticia estrondosa do seu feito épico.
Não foram apenas os súbditos de Isabel, a católica, que tiveram a honra insigne de ir descobrir o Novo Mundo, nas caravelas capitaneadas pelo glorioso nauta. Colombo quiz levar portugueses comsigo, tambêm. Ao certo, não se sabe quantos teriam ido mas numa relação incompleta da equipagem, que chegou até nossos dias, figuram os nomes de dois grumetes, compatriotas nossos, que a imortalidade bafeje:

JOÃO ARIAS
filho de Lopo Arias — de Tavira —

e

BERNALDIM
criado de Afonso, marinheiro do piloto
João Rodrigues de Mafra

Relatando uma transação comercial com os naturais, quando da sua chegada a S. Salvador, escreveu Colombo aos soberanos de Castela: «Vi dar 16 ovillos de algodon por tres ceotis de Portugal, que és una blanca de Castilla...». O ceotil (nome derivado de Ceuta), foi mandado cunhar por D. João I, exclusivamente, em comemoração da primeira empresa maritima dos portugueses à Africa em 1415, de que resultou a conquista daquela praça mourisca para o nosso domínio. O facto de Colombo consignar êste episódio da sua primeira viagem — em que figura a pequena moeda comemorativa portuguesa, tem o seu quê de significativo...

Realmente, Colombo só deixou ficar à posteridade escritos seus em latim e em castelhano; mas, nos escritos castelhanos que dêle nos restam, a mais superficial análise revela logo que a ortografia de muitos termos é aportuguesada, que bastantes vocábulos são, a rigor, da nossa lingua, e que a construção sintáxica — como ela era então por êsse tempo — é, positivamente, lusitana.

Colombo, que possuia a crença sincera e fervorosa do português do tempo das descobertas, tinha uma devoção especial com o Espírito Santo. Tendo-se em vista o quanto as impressões subjectivas dos primeiros anos actuam na alma plástica, no espirito dúctil, das crianças isto parece até que vincula, etogéniamente, a sua naturalidade portuguesa. A festividade dos Açores — a mais antiga, a mais tradicional, — é a do «Divino Espirito Santo», que teve a sua origem primitiva na ilha de Santa Maria, onde a divinizada pomba tinha uma capela sob a sua invocação e festejos anuais de grande pompa, isto já ao tempo da descoberta da América. Se foi, efectivamente, à ermida do Espírito Santo, da ilha de Santa Maria, que Colombo foi orar, no dia 18 de fevereiro de 1493, quando regressou da primeira viagem ao Novo Mundo, este desembarque em terra portuguesa tem o seu não sei quê de significativo e revelador...

No descritivo das suas viagens ao Continente Novo êle extasia-se perante as belezas emocionantes da Natureza, exaltando a frescura convidativa das sombras dos arvoredos, o pitoresco das encostas alcantiladas, a elevação soberba das montanhas colossais, a fragancia penetrante das flores e o canto melodioso dos passarinhos. Isto caracteriza, profundamente, a alma lírica do lusitano, o espírito contemplativo do português, navegador e poeta.
Quando a má fé dos hespanhoes o intrigava com mais bravio furor e maior hostilidade, não lhe permitiram desembarcar na ilha Espaniola nem sequer fazer concertos nos seus navios avariados pelas tormentosas rotas dos mares ocidentais que êle, pelo seu génio luminoso, lhes dera. Naufragou na Jamaica e, após ter pedido, com uma ansiada insistência, várias e repetidas vezes socorros à colónia daquela outra ilha, o governador resolveu-se, afinal, a atendê-lo e enviou-lhe, como viveres, um porco pequeno e um barril de vinho, que mandou pôr no meio da praia, recomendando muito que ninguem da sua gente comunicasse com os companheiros do desventurado nauta e, em especial, com ele. Êste gesto infame dos castelhanos demonstra um últrage feito a um compatriota nosso, pois é sabido que já por êsse tempo portugueses e espanhoes se assacavam, mùtuamente, o epíteto depreciativo de marranos (judeus). E, por isso, escarnicadores, lhe enviaram a cuba de vinho e o animal excomungado em que o israelita não pode tocar.
Dahí, a razão de Colombo consignar, no seu «Diário», esta frase dolorida, referindo-se a si próprio: — o que te está sucedendo agora é a recompensa dos serviços que prestaste a outros amos». Outros amos são os reis de Castela, porque o seu verdadeiro amo era o rei de Portugal.
E, por essa ocasião, escreveu também: - «Quem, depois de Job, não morreria de desespero ao vêr que, apesar do perigo que corria a minha vida, a de meu filho, a de meu irmão, a dos meus amigos, nos vedavam a terra e os portos descobertos a preço do meu sangue?»
A preço do seu sangue?!... Sim, a preço do seu sangue, porque, tendo-se insurgido contra a autoridade do seu legitimo rei, D. João II, tivera necessidade de se mascarar de genovês para salvar a vida e evitar a vingança do monarca, mas vendo sempre ameaçadoramente, na alucinação remordente da sua deslealdade, o punhal homicida dos espias.
No entanto, reconforta-o a esperança da justiça póstuma, a certeza da futura imortalidade: — Quando chegaste a uma idade conveniente, Deus encheu maravilhosamente toda a terra com a fama do teu nome, e o teu nome tornou-se célebre entre os christãos». Nada receies, tem confiança. Todas estas tribulações estão escritas no mármore e não são sem motivo».
Era a submissão heróica da raça portuguesa que palpitava nele, essa heróica submissão ao fatalismo do lusitano verdadeiro, essa resignação piedosa perante a fatalidade vendo, ùnicamente, no que lhe acontecia, a interferência súbita de Deus omnisciente, o dedo justo da Providência impondo um desígnio inexorável. No seu brado vibra a fôrça máscula, o belo estremecimento nervoso que ainda anima o português aventureiro de hoje, quando pretende arrojar-se a um lance perigoso de que possa sobrevir o fim da vida: — Morra o homem e fique a fama!
Mas, dir-me-hão: Se Cristovam Colombo era, realmente, português, porque motivo consignou, então, num documento oficial, escrito em castelhano, a sua naturalidade genovêsa, naturalidade que, de resto, a maioria dos seus biógrafos tem aceitado como verídica?!...
Ora, nesse documento — a instituição de um morgadio — que tem servido, esplendidamente, as pretensões italianas, encontra-se, apenas, a declaração singular de haver saído de Génova e ter nascido nela, frase algo confusa, com o seu tanto ou quanto de desnorteante, de reservado, de obscuro, visto que Hernan Colon, biógrafo e historiador de seu pae, afirma que ele quiz que fosse desconhecido e incerta a sua origem e patria.
Portanto, Colombo, sistemáticamente, obstinadamente, envolveu-se num mistério, guardando de si para comsigo toda a verdade ácêrca dos seus antepassados, não se referindo nunca a seus paes tanto nos seus escritos como nas conversas com os seus amigos mais íntimos da côrte de Isabel, a católica. Até a sua própria família castelhana — de parte de D. Beatriz Enriquez de Córdova, sua amante ignorava onde ele tinha nascido, porque, se para alguns dos membros dessa família, era considerado como natural de Saona, para outros a duvida prevalecia na mesma, pois, tendo-se efectuado umas pesquizas, após o seu falecimento, para se determinar, com rigor, a sua verdadeira naturalidade, o irmão de D. Beatriz, Pedro de Arana, de quem fôra grande amigo, declarou singelamente, diante de testemunhas, no seu depoimento: que ouvira dizer que Cristovam Colombo era genovês, porém que não sabia ao certo de onde ele era natural.
A incerteza dessa naturalidade prevalecia também no filho de Beatriz, Hernan Colon, pois manifesta desconhecê-la em absoluto quando diz na Vida del Almirante:

«De forma que quando a sua pessoa se viu adornada de tudo quanto precisava para realizar tão grande feito, tanto menos conhecido e certo quiz que fosse a sua origem e patria, pelo que alguns, que de maneira alguma pretenderam obscurecer a sua fama, dizem que foi natural de Nervi, outros de Cugureo, outros de Buggiasco, aldeolas perto de Génova; outros, querendo exaltá-lo mais, dizem que foi de Saona, e outros genovês, e alguns outros ainda, deitando-se a adivinhar, o fazem natural de Plasencia.»

De resto Hernan Colon foi, de propósito, á Italia fazer averiguações, mas nada conseguiu apurar, em Genova, que lhe trouxesse a convicção de que seu pai era, efectivamente, aparentado com a familia Colombo daquela cidade.
Os escritores contemporaneos do denodado nauta — espanhoes, italianos, portugueses — nada dizem de positivo acerca da sua terra natal, limitando-se a copiarem-se uns aos outros. Bernaldez, auctor da «Cronica de los Reys Catolicos», amigo intimo e depositario dos papeis mais importantes do ousado navegador, chama-lhe «homem de Genova», mas, ao referir o seu falecimento, diz que era da «provincia de Milão», demonstrando assim desconhecer, tambem, a sua verdadeira naturalidade.
Como vimos é, de facto, muito duvidosa a decantada naturalidade genovêsa bem como a sua suposta nacionalidade italiana. Parece até que desconhecia, por completo, a lingua italiana, porque todos os escritos que deixou — documentos, cartas, e as notas nos seus livros de estudo — são em castelhano ou latim... sem que neles, porém, se encontre a minima referencia a Genova. É, pois, evidente que foi, apenas, por conveniencia propria que se fez passar por genovês quando abandonou Portugal e entrou em Castela, sabendo que os genovêses «tenian gran acogimento y benevolencia en la Corte de los Reys Catolicos, segundo afirma um auctor espanhol.
Foi em 1474, estando ainda em Lisboa, que o grande navegador consultou, sobre um assunto nautico, por escrito, o celebre cosmógrafo italiano Paolo Toscanelli, tendo servido de intermediario entre ambos o comerciante Lorenzo Giraldi, italiano tambem.
Na sua carta o sabio exalta Portugal, entusiasticamente, e trata Colombo por português:

«A Cristovam Colombo, Paulo, fisico, sauda:

«Recebi as tuas cartas e agradeço-te as expressões com que me favoreces. É digno do maior louvor o desejo, que mostras, de navegar do Levante para o Poente, como se indica no mapa que te enviei, e melhor poderá demonstrar-se em uma esfera propriamente dita. Foi para mim motivo de jubilo o facto de haver sida compreendida a minha demonstração, e oxalá essa viagem, que por emquanto não saiu ainda dos limites da possibilidade, se tome real e certa, para gloria de quem a levar a cabo, e para interesse de todos os cristãos. Desses paizes só pela experiencia poderás fazer ideia perfeita, emquanto que eu a faço por boas e veridicas informações, que me teem sido fornecidas por homens ilustres e de grande saber, vindos dessas regioes a esta côrte de Roma, e por varios negociantes que ali teem traficado por longo tempo, pessoas estas para mim de toda a fé.
«De modo que, quando conseguires levar a cabo essa viagem, penetrarás em poderosos reinos, em provincias e cidades riquissimas, abundantemente providas de todas as coisas de que carecemos, isto é, de todas as especies de drogas e de pedrarias em profusão. De certo ha da ser tambem muito grata aos principes e reis dessas regiões comerciarem e entreterem relações, como ha tanto tempo desejam, com os cristãos dos nossos países, não só porque entre eles existem tambem muitos sectarios da nossa religião que teem grandissimo empenho. em tratar com os nossos sabios e homens ilustres, mas tambem porque gosam ali de grande reputação os imperios e instituiçoes dos nossos paizes.
«Nao me surpreende, pois, por estas e por muitas outras coisas que sobre o assunto poderiam ainda dizer-se, que tu, que és dotado duma tão grande alma, e a mui nobre Nação Portuguesa, que em todos os tempos tem sido sempre enobrecida pelas mais heroicos feitos de tantos homens ilustres, tenhaes tão grande interesse em que essa viagem se realise».

Como se vê pela final desta carta, o florentino, o italiano, Paolo Toscanelli, exalta, com entusiasmo, um português que tencionava efectuar uma viagem maravilhosa. Se se tratasse de facto, dum genovês os termos deste final seriam, evidentemente, outras, porque a sabio de Florença decerto, empregaria outras expressões muito diferentes dirigindo-se a um compatriota. Mas como foi o comerciante italiano Giraldi que fez a apresentação de Colombo a Toscanelli, não resta a menor duvida que, para estes dois italianos, ele era português.
Ora ha outro facto ainda que confirma a nacionalidade portuguesa do denodado nauta. Apoz a descoberta da América, Colombo foi feito almirante dos mares que navegara, vice-rei das terras que descobrira, sendo-lhe concedido usar a particula Dom antes do nome, como titulo de nobresa, e acrescentado o seu brasão de armas. Numa Carta de Provisão, de Isabel, a catolica, datada de 20 de Maio de 1493, que Navarrete reproduz no volume 2.º da sua «Coleccion de los viajes y descubrimientos que hicieron por mar los espanoles desde fines del signo XV», entre outras disposições, encontra-se a seguinte:

«... un castillo é um Leon, que Nós vos damos por armas: conviene a saber, el Castillo de color dourado en campo verde, en el cuadro del escudo de nuestras armas en la alto a mano derecha, y en el outro cuadro alto a la mano isquierda un Leon de purpura en campo blanco rampando de verde, y en outro cuadro bajo a la mano derecha unas islas douradas en ondas de mar, y en outro cuadro bajo a la mana izquierda las armas vuestras que sabiades tener, las cuales armas sean por vuestras armas e de vuestros fijos y descendientes para siempre, jamas...» etc. etc.

O brasão que Colombo anteriormente adoptára para si, por sua alta recreação, decerto, — «las vuestras armas que sabiades tener» segundo refere o documento, — era muito significativo e revelador: um escudo com cinco ancoras, dispostas da mesma maneira que as quinas dos cinco escudetes da bandeira de Portugal! Parece que por esta maneira grafico-simbolico o misterioso nauta, que tão ciosamente escondia em Espanha a sua vida preterita, pretendeu soerguer um poucochinho o veu com que ocultava a sua verdadeira nacionalidade luzitana... Este numero simbolico das cinco ancoras — em confronto com as cinco quinas, e com os cinco escudetes da nossa gloriosa bandeira, — revela o misterio. Colombo era português, porque só um português buscaria uma analogia simbolica com o pavilhão épico das quinas!



O brasão de armas de Colombo
No brazão de armas de Colombo, a disposição das ancoras no escudo, é identica á das quinas dos escudetes da bandeira de Portugal, como se pode confrontar com os desenhos que reproduzimos.


[1] V. Historia da Literatura portugueza, segunda epoca: Renascença, pág. 20-21, Porto, 1914, por Teofilo Braga.
[2] «Todo esto engendró nueva ansia y golosina en Cristobal Colon (que de suyo era, aunque pobre, de anima alentado, para emprender este descubrimiento, pero no tenia el con que executárlo. Aviendo se aconsejado cõ su hermano Bartolomé Colon, y con uno Relegioso llamado Fray Juan Perez de Marchena, del Monasterio de la Rabida del Orden de San Francisco, Português de nacion, que sabia algo de Cosmografia y con parecer y acuerdo suyo fué a valerse del favor del Rey don Juan de Portugal, que no lo oyó como el quiera...”, etc. V Historia general de la Orden de Nuestra Senora de la Merced», vol. 2.º, cap. VI pág. 89, por Frei Alonso Remon, mercenário.
Neste cronista monástico o nome do frade Marchena não condiz com o dos seguintes documentos, mais antigos, que confirmam o da carta de Colombo, com todo o rigor:
«Nos parece que seria bien llevasedes con vos un buen estrologo y nos parescio que seria bueno para esto Fray Antonio de Marchena, porque és buen estrologo, y siempre nos paresció que se conformaba ron vuestro parecer».
V. «Carta mensajera», dirigida pelas reis católicos ao Almirante em 25 de setembro de 1493, dando-lhe várias instruções para a sua segunda viagem ao Novo Mundo, publicada, nos “Documentos Diplomáticos», por Navarrete.
Las Casas — na sua «Historia general de las Indias», parte l.ª, cap. XXXII, diz tambêm:
«Segundo parece por algunas cartas de Cristobal Colon escritas por su mana (que yo he tenido en las mias) á los Reys desde esta isla Espaniola, un relegioso que habia por nombre Fray Antollio de Marchena, fué el que mucho le ayudó, á que la Reyna se persuadiesse y aceptasse la petition. Nunca pude hallar de que Orden fuese, aunque creo que fuese de San Francisco, por cognoscer que Cristobal Colon después de Almirante siempre fué devoto de aquella Orden. Tampoco pude saber cuando, ni en qué, ni como le favoreciese ó que entrada tuviera con los Reys el ya dicho Padre Fray Antonio de Marchena.»
[3] V. Chronica de D. João II, respectivamente, cap. CLXIV, CLXVIII e CLXIX.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

Paolo di Pozzo Toscanelli e Cristóvão Colombo

Patrocínio Ribeiro apresenta um excerto da carta de Paolo di Pozzo Toscanelli a Cristóvão Colombo onde o humanista florentino trata o futuro Almirante das Índias por Colombo.
Em O Mistério Colombo Revelado, p. 625, publica-se a versão de Las Casas da mesma carta, onde o nome do navegador aparece grafado Columbo.
Tendo fé no mesmo livro, p. 623, numa versão latina dum anexo à carta, o humanista toscano dirige-se a Cristóvão Colombo usando a grafia: Chistofaro Colonbo.
De notar que Toscanelli se refere a Colombo como Colombo e não com um qualquer outro nome. Portanto, Toscanelli é mais um, dos coevos, que não trata Cristóvão Colombo por Cristoval Colón como recentes obras querem fazer passar.

Mas esta carta também tem servido para fundamentar os devaneios oníricos dum Colombo português, por se ver nela a afirmação da nacionalidade do futuro almirante. Estes excertos da carta de Toscanelli têm sido usados como uma das provas da nacionalidade portuguesa de Colombo.
que tu, que és dotado duma tão grande alma, e a mui nobre Nação Portuguesa, que em todos os tempos tem sido sempre enobrecida pelos mais heroicos feitos de tantos homens ilustres, tenhaes tão grande interesse em que essa viagem se realise[1].
Ou na versão castelhana:
tu que eres de grande corazon, y toda la nacion de portugueses, que han seido, siempre hombres generosos en todas grandes empresas, te vea con el corazon encendido y gran deseo de poner en obra el dicho viaje[2].
A interpretação possível é no mínimo ambígua. Trata-se duma enumeração. Até parece haver uma dicotomia: de um lado tu e do outro a nação portuguesa e em lado algum está a associação dos dois elementos, do tu à nação portuguesa.
A bem da verdade, é mais fácil ver neste documento a negação da nacionalidade portuguesa de Colombo do que a sua confirmação.

[1] Apud. Patrocínio Ribeiro, A Nacionalidade Portuguesa de Cristovam Colombo, Lisboa, 1927, p. 50.
[2] Apud. Manuel Rosa & Eric J. Steele, O Mistério Colombo Revelado, Lisboa, 2006, p. 625.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

Censura aqui não há

Já no passado os debates sobre a nacionalidade portuguesa de Cristóvão Colombo descambaram no insulto, veja-se o que se passou quando Mascarenhas Barreto ainda conseguia fazer correr a tinta na imprensa.
Uma das características da pseudociência, logo também da pseudo-história, é a incapacidade de aceitar a crítica sem tomar isso como algo de pessoal, o que leva os partidários destas correntes de argumentação a cair no insulto por incapacidade de demonstração com base na experiência, no documento, na análise e no raciocínio lógico, ou seja, por falhas insanáveis dos métodos (ou falta deles). A não aceitação da crítica, reputando-a sempre e no mínimo de incompetente, é a demonstração final do que é a pseudociência, pois recusa que a única forma de validação do conhecimento é a crítica. Para mais informação sobre este tema veja-se este excelente artigo (se ainda não foi adulterado).

Tudo isto para enquadrar um comentário posto hoje (Quarta-feira, Dezembro 20, 2006 8:45:00 AM) por um anónimo:

Pessoal nao vale a pena gastarem o vosso tempo com esses preguiçosos da leitura... Se eles nem leram as criticas a barreto nem barreto, como é que teriam lido o livro de Manuel Rosa?!
Como ja se sabe eles nao repondem à critica das suas pseudo criticas..
Tambem devo lembrar que fui aqui varias vezes censurado mas mesmo assim nao me tornei paranoico ao ponto de pensar que MR tem 20 heteronimos e q censura tudo no seu forum.
E sim, o ultimo anonimo ta certo, quando ja nao se tem nada para dizer faz-se ataques pessoias...com a juda da paranoia...


Ignorando por irrelevantes os dois primeiros parágrafos, quer-se aqui desmentir peremptoriamente o terceiro. É absolutamente falso que se tenha censurado qualquer comentário nesta página. Até agora, removeram-se unicamente dois comentários por conterem linguagem obscena, torpe. Se mais como tais houver, seguirão o mesmo caminho. Se alguém acha que expressões obscenas são aceitáveis como argumentos duma discussão, então deverá procurar outras paragens, pois aqui não será tolerado.
Quanto aos insultos que diariamente têm sido dirigidos aos autores, mais do que afectar os destinatários, revelam muito de quem os profere.

terça-feira, 19 de dezembro de 2006

Alentejo Terra Mãe

No número 6 da revista Alentejo Terra Mãe, Maria Antónia Goes assina um artigo intitulado “Cristóvão Colombo, aliás, Colon, era de Cuba!” Surge logo como primeira preocupação deste artigo o facto de Colombo não poder ser um cardador de lã pois casou com Filipa Moniz, uma nobre portuguesa filha dum Perestrelo.
São enunciados alguns autores que preconizaram a nacionalidade portuguesa de Colombo e contam-se entre eles Patrocínio Ribeiro, Mascarenhas Barreto, Manuel Luciano da Silva, José Rodrigues dos Santos, Manuel Rosa e Eric Steele. Nesta listagem constam portanto trabalhos de ficção como é o caso do Codex 632 e trabalhos de pseudo-história em que se podem incluir todos os outros.
A autora cita ainda Lopes de Oliveira que numa obra de 1949 se fundamentou em Baltazar Teles (1595-1675), Gaspar Frutuoso (1522-1591) e o Padre Cordeiro (que não se conseguiu apurar quando viveu) para afirmar que Colombo teve conhecimento de terras no Atlântico Ocidental por marinheiros que morreram todos, não se percebe se duma assentada ou gradualmente, depois de recolhidos na casa do dito Colombo na sequência dum naufrágio.
Segundo o artigo, Lopes de Oliveira justifica que o verdadeiro nome de Colon era Salvador Fernandes Zarco baseado em autores que viveram dezenas de anos (um século no que se refere a Baltazar Teles) depois de Colombo ter estado na Madeira e ter passado por Portugal. Chega a afirmar que era filho de D. Fernando e de Isabel Sciarra da Câmara baseado numa citação em latim onde alguém refere que estes eram os seus pais, mas - talvez para agradar ao público e influenciado por Alexandre Dumas - refere ainda que Colombo ou Salvador Fernandes Zarco era o filho ilegítimo do dito duque que fez com que a mãe fosse para Génova ter o filho entregando-o então a Susana casada com o cardador de lã.
Portanto, conclui-se para justificar que Colombo sabia de terras a Ocidente, que era nobre e não um cardador de lã, há que confiar em Lopes de Oliveira socorrendo-se de autores que não conheceram Colombo e que viveram um século depois. Todos os autores coevos que não se referem a Colombo nestes termos são omitidos.
Refere-se ainda que Cristóvão era tido por Patrocínio Ribeiro como um predestinado cujo objectivo era descobrir o Novo Mundo baseado num livro de Profecias inédito que provavelmente só o dito Patrocínio teve a honra de ver.
Passa-se de seguida a analisar a firma, que em português corrente se pode designar de assinatura de Cristóvão Colombo, e que no artigo é designada também por hieróglifo. Contudo, não se trata dum hieróglifo pois não se consegue ver qualquer representação que designe um pictograma da escrita egípcia, distinguindo-se perfeitamente caracteres latinos e, no caso da palavra Cristóvão a utilização de caracteres gregos (xpo).
De acordo com Patrocínio Ribeiro que inverteu os caracteres ou letras da sigla que acompanhava sempre a assinatura de Colombo chega-se à conclusão que afinal Colombo era de Colos uma povoação alentejana. Até este momento Colombo é de duas localidades do Alentejo: Colos e Cuba se contarmos com a referida no título. E os leitores mais incautos poderão pensar Colombo é definitivamente alentejano! Neste aspecto ainda estamos atrás dos italianos, são necessárias mais terras a reivindicar a naturalidade de Colombo.
Mas, continuando a leitura do artigo: passa-se de seguida para a origem judaica de Colombo que apenas se justifica com o facto de Colombo querer esconder a sua verdadeira identidade. A teoria explicativa elaborada por Marcarenhas Barreto com base na Cabala surge neste contexto. Colombo é judeu por isso usa a Cabala ou se usa a Cabala é judeu. No entanto ficou por referir a Cabala e o estudo cabalístico da assinatura foi uma apropriação de Mascarenhas Barreto de outros autores anteriores, como Barbosa Soeiro ou Pestana Júnior.
Refere-se ainda que Colombo não pode ser italiano porque não dominava o italiano, na medida em que não há documentação nesta língua. Contudo, esta mesma argumentação não é aceite para o português, pois não há nada escrito neste idioma com excepção de algumas palavras que se podem explicar como sendo influência da sua presença em Portugal e em alguns casos dirigidas ao seu filho, esse sim português de nascimento.
A nacionalidade portuguesa de Colombo também é justificada pela proibição decretada por D. João II dos estrangeiros embarcarem em navios portugueses. Mas, esquecem-se Vespúcio, Noli, Cadamosto e todos os genoveses que desde D. Dinis serviam a marinha portuguesa (vinte pelo menos). Para não falar do elevado número de bombardeiros alemães e flamengos que serviam as armadas da Carreira da Índia e do Estado da Índia assim como criados e aventureiros como Linschoten que com os seus escritos incentivou os Países Baixos à expansão ultramarina.
Para reforçar que Colombo não era estrangeiro argumenta-se com a proibição destes navegarem para a Guiné nem que fosse em navios portugueses. Ora, o que está demonstrado é que apesar dessa proibição os estrangeiros nunca deixaram de navegar para a Guiné ou outras partes em navios próprios ou não. Para além disso, o atlas de Henricus Martelus (c. 1489) nega a política de sigilo portuguesa, ou pelo menos manifesta a sua grande permeabilidade, pois cerca dum ano depois da viagem de Bartolomeu Dias consta nele toda a informação geográfica dessa viagem (ver cópia exposta na Sociedade de Geografia de Lisboa).
Colombo também era português porque “fazia os seus cálculos usando a criptografia náutica portuguesa”, seja isso o que for!
As alusões ao tratado de 1479-1480 estão erradas pelo que se recomenda a revisão da matéria. As alusões ao papel de Salvador Fernandes Zarco (assimilado a Cristóvão Colombo) decorrentes deste erro são, portanto, de todo descabidas.

Em nenhum lado se mencionam os trabalhos historiográficos que rebatem tais ideias e muito menos se faz a referência a informações contrárias às difundidas. Trata-se claramente de manipulação da História com fins propagandísticos venha-se lá a saber do quê?

segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

As armas de Cristóvão Colombo

Um excerto da carta de Isabel de Castela que confere brasão de armas a Cristóvão Colombo é publicada em 1927 por Patrocínio Ribeiro.[1]

«... un castillo é um Leon, que Nós vos damos por armas: conviene a saber, el Castillo de color dourado en campo verde, en el cuadro del escudo de nuestras armas en la alto a mano derecha, y en el outro cuadro alto a la mano isquierda un Leon de purpura en campo blanco rampando de verde, y en outro cuadro bajo a la mano derecha unas islas douradas en ondas de mar, y en outro cuadro bajo a la mana izquierda las armas vuestras que sabiades tener, las cuales armas sean por vuestras armas e de vuestros fijos y descendientes para siempre, jamas...»

E conclui de imediato e sem mais nada:

O brasão que Colombo anteriormente adoptára para si, por sua alta recreação, decerto, — «las vuestras armas que sabiades tener» segundo refere o documento, — era muito significativo e revelador: um escudo com cinco ancoras, dispostas da mesma maneira que as quinas dos cinco escudetes da bandeira de Portugal! Parece que por esta maneira grafico-simbolico o misterioso nauta, que tão ciosamente escondia em Espanha a sua vida preterita, pretendeu soerguer um poucochinho o veu com que ocultava a sua verdadeira nacionalidade luzitana... Este numero simbolico das cinco ancoras — em confronto com as cinco quinas, e com os cinco escudetes da nossa gloriosa bandeira, — revela o misterio. Colombo era português, porque só um português buscaria uma analogia simbolica com o pavilhão épico das quinas!
Manuel Rosa[2] apresenta uma citação muito parecida mas, tal como Ribeiro (que não é mencionado), não referencia a fonte, o que é sistemático em ambos e impeditivo da necessária confirmação dos dados apresentados.
Neste capítulo, além de se tecerem considerações várias como se algum ajuste de contas houvesse a fazer, há uma dispersão por temas marginais, secundaríssimos e esotéricos que em vez de esclarecerem só mistificam. Fazem-se declarações de fé[3], remonta-se ao conde D. Henrique de Portucale para procurar um entroncamento borgonhês, passa-se pela simbologia rosacruziana, para acabar por reconhecer a «tamanha escassez dos factos»[4] e de nada se ter avançado neste capítulo que adiante algo ao que Patrocínio Ribeiro escrevera.

Se as armas apresentadas são as de Cristóvão Colombo e se, para efeitos de discussão académica, as âncoras são legítimas, ou seja, «las armas vuestras que sabiades tener» antes de 1493, então ter-se-á que procurar entre as famílias portuguesas (e estrangeiras!) aquelas que têm âncoras anteriores a essa data e ver se nelas se pode encaixar o navegador de forma mais plausível do que tem sido feito até aqui.
Não sendo âncoras os elementos que deveriam figurar, mas outros quaisquer em X, então dever-se-á fazer o mesmo que em cima foi enunciado.
Mas também se se enveredar pelo caminho «dos elementos que deveriam figurar mas não figuram», então todas as famílias brasonadas antes dessa data são candidatas a parentes de Cristóvão Colombo.
Mas também, ainda, os elementos que constam na ponta inferior do escudo, e que não são referidos pela carta da rainha D. Isabel, deveriam merecer atenção na pesquisa de acordo com os critérios e considerações acima enunciados.

Um problema de outra ordem é o de se saber se Cristóvão Colombo tinha ou não tinha armas antes de 1493.
Na ausência de fontes que o atestem ou desmintam não se pode saber. O que não invalida a possibilidade de se colocar toda uma série de hipóteses que, como tais, nunca serão certezas. É que a possibilidade de fazer História tem limites e quando estes são atingidos há que ter a humildade de o reconhecer e de não inventar.

Como hipóteses, e não como certezas do que quer que seja, e partindo de determinados pressupostos também eles hipotéticos, convinha considerar o seguinte:
Assumindo que Cristóvão Colombo não tinha armas, este poderia ter insinuado ou declarado possuí-las e nunca ter feito prova disso, acabando o poder, voluntária ou involuntariamente, por acreditar, esquecer o assunto ou, não acreditando, deixar-se ludibriar. Afinal um almirante, vice-rei, etc. tem de ter alguma dignidade e pedigree, além de que a própria dignidade que o estado devia apresentar a isso impelia.
Querendo o poder omitir as armas originais de Cristóvão Colombo por este ser o português (ou qualquer outro) que se diz ser, não omitiria também, e se calhar mais facilmente, a falta destas por qualquer razão, como por exemplo pelas razões acima referidas?
Se a rigidez, apresentada quase como canónica, da atribuição, reconhecimento e vigilância das armas era tanta, então porque é que hoje não abundam por todos os arquivos os registos das suas atribuições, confirmações, reconhecimentos e reprovações? Afinal, se a heráldica era assim tão importante, esses registos deveriam ter sido religiosamente guardados e sobrevivido até aos nossos dias. Mas havendo essa rigidez, não havia sempre a possibilidade da excepção pela simples vontade régia que em Portugal, por exemplo, se exprimia na forma escrita sob a fórmula «de minha certa ciência e poder absoluto... sem embargo da ordenação e do parecer dos doutores», o que na prática, e no extremo, permitia ao rei ser senhor absoluto impondo a sua vontade ao arrepio da Lei?

Como se referiu, a possibilidade da História está limitada às fontes disponíveis. Para além delas fica-se limitado à formulação de hipóteses e conjecturas cuja plausibilidade está condicionada pelas possibilidades epocais e argumentação racional. Ora, plausibilidade, possibilidade epocal e argumentação racional não são objectiváveis e é nelas que residem grande parte das verdadeiras polémicas em História. Isto já de si é verdadeiramente complicado, tornando-se ainda mais quando pelo meio aparece quem se recuse a operar com os mesmos valores.

[1] Patrocínio Ribeiro, A Nacionalidade Portuguesa de Cristovam Colombo, 1927, p. 51.
[2] Manuel da Silva Rosa & Eric J. Steele, O Mistério Colombo Revelado, 2006, cap. XVII.
[3] «De acordo com a nossa crença de que Colon era um membro da realeza portuguesa (...)», Id., Ib., p. 525.
[4] Id. ib., p. 526.

domingo, 17 de dezembro de 2006

As armas de Cristóvão Colombo, as Quinas, e as outras

Como anteriormente mostrei, há outras famílias em cujas armas figuram cinco elementos repetidos dispostos em X. Os exemplos apresentados foram escolhidos de forma perfeitamente casual, mas duvido que tenham maiores relações sanguíneas com a família real que a maioria das restantes famílias brasonadas de Portugal.
Barbosa Soeiro escrevinhou sobre armas de Colombo e das Quinas nacionais, fez uns poucos jogos de geometria (e mais poderiam ser feitos) para chegar ao ponto de partida: Cristóvão Colombo era português! Este método historiográfico fez escola e quase 80 anos depois é retomado e adaptado no Mistério Colombo Revelado, p. 524 e ss. Só que em vez de pontos e linhas trabalha-se agora com círculos.
Há explicação de origem coeva para três quartos do escudo (a saber: castelo invoca Castela, leão o reino do mesmo nome, as ilhas as terras descobertas) e estando reservado o último para as armas de família, aonde acabaram por figurar as tidas por enigmáticas âncoras.
Estas âncoras têm sido vistas sob as mais especulativas e delirantes perspectivas, excepto pela mais óbvia e normativa da armaria que é o representarem serviço naval de relevo. Se Colombo anteriormente não tinha armas, e para não ficar o campo vazio, o que é que lá havia de pôr e que mais sentido fizesse?

O que é que significam as imagens acima apresentadas?
Não sei. Diga-mo quem souber. A mim pareceu-me um exercício engraçado.

sábado, 16 de dezembro de 2006

Patrocínio Ribeiro - Assinatura de Cristóvão Colombo

Patrocínio Ribeiro, A nacionalidade portuguesa de Cristovam Colombo. Solução do debatidissimo problema da sua verdadeira naturalidade, pela decifração definitiva da firma hieroglífica (...), Lisboa, Liv. Renascença, [1927], Cap. IV, pp. 55-73.

Texto Integral

IV

DECIFRAÇÃO DEFINITIVA DA FIRMA HIEROGLIFICA


Cheguei, finalmente, ao ponta mais interessante deste meu estudo histórico — determinativo da verdadeira nacionalidade do celebrado descobridor da America: — a análise do curioso hieroglifo com que autenticava os documentas oficiais e todos os seus escritos de maior importância, hieroglifo singular que é a chave do complexo e tão discutido enigma da sua naturalidade.
Documentalmente, históricamente, nada se sabe de positivo dos antepassadas de Cristovam Colombo, das seus progenitores, da data certa do seu nascimento, dos episódios da sua infância, do objectivo da sua educação, dos primeiros anos da sua vida, etc., etc. Êle, que escreveu tanto, que deixou tantos manuscritos da seu proprio punho, nada quiz revelar, porém, sôbre a sua familia nem a respeito da sua propria personalidade! Sabe-se todavia, que teve dois irmãos — um chamava-se Diogo e foi clerigo, e o outro Bartolomeu, que Antonio Galla, auctor coevo genovês, afirma ter nascido em Portugal. Sabe-se, tambem, que viveu alguns anos em Lisboa de onde escreveu ao sábio florentino Toscanelli, e onde casou com D. Filipa Moniz de Melo, filha de Bartolomeu Perestrelo, donatário da ilha do Porto Santo, tendo nascido dêste consórcio um filho chamado Diogo. Foi acompanhado por esta criança que o futuro descobridor do Novo Mundo saíu de Portugal afim de se dirigir a Huelva, onde residia sua cunhada D. Violante Moniz, casada com Michelle Moliarte. Viveu, então, em casa do duque de Medinaceli algum tempo, até que, após várias peripécias, conseguiu ser apresentado à rainha Izabel, a católica, que se interessou por êle e o autorizou, ao cabo de alguns anos, a efectuar a sua viagem maravilhosa, que iniciou a 3 de Agosto de 1492. E, em consequência dêste feito famoso, esse português obscuro, mas denodado nauta e marinheiro intrépido, conquistou a imortalidade gloriosa, firmando, definitivamente, o seu lugar na História sob um nome castelhano: Cristobal de Colón.
É interessante, porém, que sendo conhecido no seu tempo por êste nome, nunca assim se tivesse assinado mas, únicamente, desta maneira inconfundivel.

XPOFERENS
(Christoferens)

Por disposição testamentária, ele até deixou muito recomendado, aos seus descendentes, que autenticassem, sempre, todos os documentos com a firma de que tinha feito uso:

«... firme de mi firma la cual agora acostumbro, que és una X com una S em cima y una M com una A romana en cima, y en cima dela una S y despues una Y griega con una S en cima con sus rayos y virgulas, como yo agora fajo; y se parecerá por mis firmas de las cuales se hallaram muchas y por esta parecerá. Y no escrebirá sino el almirante puesto que outros titulos el Rey le desse o ganasse; esto se entiende en la firma y no en su ditado que poderá escribir todos sus titulos como lo pluquire; solamente en la firma escribirá el Almirante.»


A assinatura de Colombo
(1) e (2) — Antes de 1492: Christoferens
(3) — Depois da descoberta da America: El Almirante

Esta recomendação singular aos seus descendentes — certamente para que a firma-hieroglifica se perpectuasse atravez dos tempos — não deixa de ser significativa num homem tão misterioso, dum caracter tão reservado e tão enigmatico, que, conforme via o seu nome tornar-se mais e mais célebre «tanto menos conocido y cierto quiso que fuese su origen y patria».
Ora a assinatura habitual do grande nauta, antes de embarcar para a primeira viagem ao Ocidente, era esta:

.S.
.S. A. S.
X M Y
XPOFERENS


Depois da descoberta — quando entrou na posse de todos os direitos e honras que pelo seu feito épico ganhara — passou a assinar-se assim :

.S.
.S. A .S.
X M Y
EL ALMIRANTE


Como se vê, esta firma exótica é uma verdadeira charada, charada extranha que diferentes históriografos modernos teem procurado decifrar debalde. Apos algumas tentativas falhadas, coube-me a sorte, porém, de ter conseguido descobrir a complexa chave do tenebroso enigma onomatográfico, como em seguida vou expor.
Todos os escritos que o descobridor do Novo Continente deixou á posteridade, como já vimos, são em latim ou castelhano. É singular que, dizendo-se natural de Genova — de onde yo sali y donde yo nasci — nada deixasse escrito na lingua materna! E é singularíssimo, também, que tendo vivido tanto tempo em Portugal — segundo o que históricamente se conhece dêle — nada deixasse escrito em português puro. Mas se é aceitavel supôr que o denodado nauta não sabia italiano, não tem aceitação alguma possível o seu desconhecimento total da língua portuguesa... tanto mais que as palavras que os investigadores espanhoes teem tomado por termos galegos são, genuinamente lusitanas.
Ha aqui, pois, um mistério.
Analisando a firma que Colombo usava em Castela — pois não se conhece escrito algum seu, durante a sua permanência em Portugal — apenas se lê, claramente, XPOFERENS (Christoferens) duas palavras latinas — Christo e Ferens equivalentes á expressão: — o que conduz Cristo, o que vai com Cristo, o que leva Cristo.
Ora porque não escreveu êle, correntemente, em latim, Christophorus, que tem a mesma significação?
A razão explica-se:.— é porque a firma está escrita em grego e os vocábulos Christo e Ferens equivalem ao Christoforos da referida língua, que escrito com caracteres próprios seria de dificil leitura, e escrito em caracteres latinos estabeleceria confusão com a fórma gráfica italiana: Christóforo.
Intencionalmente, premeditadamente, pretendendo assim ocultar ainda a sua nacionalidade, êle imprime á sua própria assinatura um carácter hieroglífico, evitando assinar-se com o nome castelhano porque era conhecido — Cristobal de Colon — e com o italiano Cristoforo Columbo — que realmente lhe pertenceria se fôsse genovês, como pretendera fazer acreditar ao apresentar-se nos domínios de Izabel a católica. Espirito culto, homem de vistas largas, com uma pr [espaço em branco] literária e erudita, que poucos dos seus contemporâneos possuíam, Colombo, extremamente inteligente, descobriu a fórma gráfica de universalizar o seu nome sem todavia o revelar duma maneira clara, terminante, certa, pois o Xpoferens que êle inventou, equivalerá, perpectuamente, ao Christopher dos inglezes, ao Christophe dos franceses, ao Cristobal dos espanhoes, e ao Xpovão ou Christovam dos portugueses.
No apelido, porém, é que esta o inigma. Êsse apelido — Colon — por que era conhecido, jamais êle o escreveu junto ao seu nome próprio. Misteriosamente, recomenda aos seus descendentes que façam sempre uso da firma que usar, essa firma-hieroglífica que era o seu segrêdo e que ele, meticulôso em extremo, queria que se perpetuasse através dos séculos. Nenhum biografo ligára importancia a esta recomendação de Colombo, ninguem reparára no cuidado intimo com que formulara esta disposição testamentária. A firma era enigmática, tenebrosa, indecifrável, diziam os investigadores, encolhendo os hombros com indiferença. Alguns, porém, mais pertinazes, tentavam matar a charada. E todos iam bater ao mesmo ponto: as letras soltas eram apenas, as iniciais de nomes de santos! Eu nunca me convenci d'isto. Tinha a certeza moral de que só par êsse facto, Colombo não tomaria tanto interesse para que o mistério da sua assinatura passasse á posteridade. Uma razão mais poderosa devia haver, pensava eu, registando as opiniões da firma-invocatória. E puz-me a estudá-la com afinco, com pertinácia, procurando a decifração integral, buscando uma solução mais coerente, mais lógica.
Durante longos meses, a firma hieroglífica de Colombo constituiu toda a minha preocupação e, coisa curiosa, quanto mais impenetrável me parecia, mais e mais crescia em mim o desejo intenso de decifrá-la.
Uma noite, casualmente, reparei que o desenho dos três primeiros caractéres gregos da palavra Colon se assemelhava, notávelmente, ao do X, M, e Y sobrepostos ao Xpoferens, se bem que estas três letras estivessem invertidas... Estava encontrada a chave do enigma, estava morta a charada. Emocionado com a minha descoberta, tratei logo de a verificar, de a analisar, e a palavra que a constitui, então, encheu-me de surpreza, deixou-me, positivamente, assombrado!
Ora a firma-hieroglífica, apesar da declaração de Colombo no seu testamento, — ...que és una X con una S en cima, y una M com una A romana en cima, y en cima dela una S y despues una Y griega com una S en cima com sus rayos y virgulas, como yo agora fajo...» — é composta, apenas aparentemente, por cinco caracteres latinos diferentes, repetindo-se duas vezes o S, por mera disposição estética, talvez.
E assim esses caracteres aparentemente latinos — que uma simples casualidade, como já expliquei, me fez descobrir invertidos — são rigorosamente helénicos e equivalentes ás seguintes letras do alfabeto grego:— o X ao Khi o M ao ómega, o Y ao lambda, o S ao sigma, entrando tambem o alpha A, que ocupa o centro da firma e que ás vessas — V — dá um V ou um U.
Afirmar é muito, mas comprovar é tudo. Vamos pois, fazer a confirmação rigorosa desta afirmativa verídica.
Ora a firma misteriosa de Colombo, como já vimos, era esta:

.S.
.S. A .S.
X M Y
XPOFERENS


Supondo as letras, que estão sobrepostas ao XPOFERENS, como numa projecção, teremos:


Eliminada agora a parte superior, por ínutil, fica-nos:


Está agora a firma na sua ordem racional, isto é: o nome próprio antes do apelido como é de uso, como é vulgar. Foi evidentemente, sob esta primitiva forma que Colombo a concebeu, porque os caracteres são rigorosamente gregos, excepto o do centro que dá um V romano decerto para não se repetir o ómega. Vejamos pois:


Revelado o caracter oculto da firma, encontrados por esta forma os caracteres que a compõem, basta juntá-los — o Khi, o ómega, o lambda, o V, e qualquer dos sigmas, para se poder ter a palavra grega que resulta dessa combinação;


A palavra grega é Cholus; portanto, a firma escrita em grego rigoroso, daria Xptophoros Cholos (Christophoros Cholos) e, traduzindo-a em latim teremos:

XPOFERENS
COL
V
S


Encontramos assim Xpoferens Colus ou, com mais rigor, Christophorus Colus.
Portanto, a decifração integral da curiosa charada da assinatura do imortal descobridor da América é esta, muito simplesmente:

CHRISTOFERENS COLVS


que se pode traduzir em português corrente, em português. do nosso tempo, desta maneira:

CRISTOVAM DE COLOS


Ora a povoação de Colos só existe em Portugal, na provincia do Alentejo. ([1]) É uma vila antiquissima, de


Decifração integral da firma
(I) A assinatura, mais vulgar, do grande navegador.
(II) A firma isolada parece escrita cm caracteres, aparentemente, latinos.
(III) Na firma invertida esses caracteres são gregos, correspondentes aos do n.º IV, como o confronto demonstra claramente.
(V) As letras gregas que entram na composição da firma.
(VI) A assinatura em grego: Christoforos Cholus.
(VII) A assinatura em latim: Christoferens Colus.


fundação romana, edificada na raiz dum pequeno monte, entre duas ribeiras afluentes do Sado, — a ribeira da ferraria e a de S. Romão — perto de Messejana, pertencente ao distrito e bispado de Beja, no concelho e comarca de Odemira.
Nasceria então o denodado nauta Cristovam de Colos na vila de Colos? Será esta, de facto, a sua naturalidade que sempre e tão obstinadamente, ocultou? Será esta modestíssima povoação alentejana a sua verdadeira terra natal? Tudo o parece indicar, como veremos.
De resto, no seu tempo, era vulgaríssimo em Portugal, empregar-se, logo em seguida ao nome próprio, a designação local da naturalidade. Assim temos, entre outras personalidades históricas de destaque, os navegadores: Diogo de Azambuja, João de Santarém, Gonçalo de Sintra, Pedro de Sintra, João de Mafra, Pero de Alemquer, João Afonso de Aveiro, e os viajantes: Pero da Covilhã, Ayres de Almada, Pero de Évora, Abraão de Beja, José de Lamego e Fernão Martins de Santarém.
Mas Colos — como berço natal de Colombo — tem ainda outros argumentos a seu favor. Quando o sol é muito forte, muito quente, muito intenso, os habitantes de Colos referindo-se á penetração molestante dos raios sobres sobre a pele, costumam dizer:—Está um grande espeto!
Ora este termo — espeto — que eu nunca tinha ouvido empregado nesta acepção e que, percorrendo o Baixo-Alemtejo, o ouvi unicamente em Colos, foi usado por Colombo, com o mesmo significativo sentido, numa passagem da carta que, em 4 de Março de 1493, escreveu a Luiz de Santangel, comunicando-lhe a descoberta que vinha de efectuar:

«En estas islas fasta aqui no he hallado hombres monstrudos, como muchos pensavan, mas antes és toda gente de muy lindo acatamiento, ni son negros como en Guinea, salvo con sus cabellos corredios, y no se crian adonde ay espeto demasiado de los rayos solares; és verdade qu'el sol tiene ali gran fuerça, puesto que és distante de la linea equinoccial veinte é seis grados».

Esta passagem da carta — «espeto demasiado de los rayos solares» — empregada nesta acepção exclusiva, puramente regionalista, tem o seu quê de significativa e reveladora.
Presentemente, existe ainda nas proximidades da vila de Colos, uma herdade chamada Colombais.
Era conhecida sob a mesma designação nos princípios século XVIII — segundo se lê numa escriptura de compra de 1709 — e não será arriscado supor-se que já existiria com o mesmo nome em pleno século XV, no século em que nasceu Cristovam Colombo.
Ora o vocábulo Colombais parece derivar-se das palavras portuguesas Colombar, ave congénere ao pombo, ou de Colombário, que significa pombal.
Mas pode tambem ter uma origem latina, por exemplo: de Columbarius, ou Colombaris (re), respeitanta a pombo, ou de Columba, (ae) a pomba, e Columbus (i) o pombo. Nasceria Colombo nesta herdade? Eis um ponto histórico que convem estudar com a maior atenção, quando se encontrarem os necessários documentos para se poder fazê-lo com criterio e segurança.
Colos, de resto, resolve tambem o problema tenebroso do apelido castelhano do grande nauta, porque o nome portuguesíssimo de Cristovam de Colos — segundo uma regra etimológica — transportado à língua de Cervantes, traduzido em espanhol, dá, muito simplesmente, Cristobal Colon.
E aqui está um apelido deturpado, improvisado, que serviu depois, explendidamente, ao seu possuidor.
Cristovam de Colos passou a ser, então, para os castelhanos, o estrangeiro Cristobal de Colon, apenas, que se dizia genovês e descendente dos Almirantes Colombos.
E conquanto houvesse por êsse tempo o apelido Colon na Península, pois existiam famílias Colons em Pontevedra, Tarragona e em Plazencia — originárias, decerto, do ramo francês Cullam — nenhum dos cronistas contemporâneos do ousado navegador se lembrou de lhe atribuir parentesco com quaesquer destas famílias. Para êstes, Cristovam de Colon era, muito simplesmente, um Colombo italiano.
Dá-se, porêm, a circunstancia singular de que, por êsse tempo, vivia em Génova um tecelão chamado Cristoforo Columba, filho de Dominico Columbo e de sua mulher Suzana de Fontanarubia, personagem completamente obscura que os historiógrafos italianos modernos tem procurado identificar, de balde, com o próprio Cristobal de Colon, descobridor da America, mas nada de comum existe entre êles, a não ser... a analogia do nome próprio: Cristovam.
Apesar de tudo, Colombo declarou-se natural de Génova, ocultando, todavia, o nome de seu pai e de sua mãe, que se não sabe quem foram.
Mas mentiu, e mentiu com um fim reservado muito pessoal e muito intimo.
Ora essa mentira intencional, dizendo-se nascido numa cidade onde nunca pôs os pés, trouxe-lhe, de certo, a vantagem de o impôr na côrte de Izabel a católica, como homem do mar, como marinheiro de longo curso, como marítimo experimentado em navegações ousadas, pois por êsse tempo os genoveses eram os rivais dos portugueses na arte de marear.
E assim, sob este aspecto, sob esta máscara recomendativa, imaginou ser-lhe muito mais facil conseguir os seus fins, como de facto depois se viu, se bem que a luta fôsse obstinada, tenaz, durante uma série de anos, de solicitações e vexames, segundo reza a História, e como ele próprio, por varias vezes, amarguradamente, acentuou nos seus escritos.
Mas, alguns auctores modernos pretendem ver nessa mentira de Colombo a maneira prudente de ocultar a sua origem israelita, que seria, evidentemente, um grande obstáculo ás suas aspirações e um grande estôrvo aos seus desígnios.
Podem ter razão, também, esses biógrafos, tanto mais que as enfadonhas dificuldades que Colombo encontrou para lhe aceitarem o oferecimento dos seus serviços nauticos, em Castela, os cristãos-novos — Luís de Santangel, Luís de Torres, Rodrigo Triana e outros, — que levou por companheiros nessa primeira viagem ao Ocidente, onde não quiz ir um único padre, as profusas citações bíblicas dos seus escritos, os legados do seu testamento a judeus residentes em Lisboa, a forma entusiástica como exalta as sublimidades do Ouro, com todo o calor dum verdadeiro hebreu ganancioso, e outros, e vários outros pontos sintomáticos, tudo parece provar uma possível origem israelita.
Por esse tempo, os sábios semitas viviam livremente na côrte portuguesa, cercados pela estima e consideração dos próprios monarcas.
D. Afonso V — que teve no hebreu Isaac Abrabanel, o seu verdadeiro ministro das finanças — foi um acérrimo defensor dos judeus, dando-lhes, até, a mais ampla liberdade dentro do reino.
Seu filho e sucessor — o impávido D. João II — tambem os estimava muitíssimo, especialmente os que ele conhecia como homens de comprovado mérito e competencia.
Foi perante a sua insistente solicitação que o grande estralico judeu Abraham Zacuto, distinto matemático autor do famoso «Almanach perpetuus», veiu para Portugal exercer o elevado cargo de astrónomo real.
Mestre Josepo Judeu, ou José Vizinho, era astrónomo e médico da Junta dos Matemáticos, tendo efectuado várias viagens á Guiné para determinar com rigor algumas latitudes.
Abraham de Beja e José de Lamego — que desempenharam missões diplomáticas do maior segredo e da mais alta importancia para a vida política da nação — eram ambos hebreus, como o era, também, Mestre Rodrigo, físico-mor da côrte.
Garcia de Rezende — no capítulo XCI da sua Chrónica — refere que Mestre Antonio, cirurgião-mor do reino, era judeu e, ao tornar-se cristão-novo, foi seu padrinho de baptismo o próprio D. João II.
Muitos e muitos dos nossos navegadores de maior destaque, da época das descobertas, eram antigos judeus conversos, cristãos-novos.
Colombo seria judeu português convertido? Seria cristão-novo, tambem?
É muito possível que o fôsse, conforme vimos.
Mas, cristão-novo ou cristão-velho, o que não resta a menor dúvida é que êste homem genial nasceu na província do Alentejo e que, pelo seu feito épico, comprovou possuir íntegras todas as qualidades heroicas da raça portuguesa, que Camões brilhantemente, enalteceu nos versos candentes dos Lusíadas!
Mais uma grande gloria cabe, a Portugal par ter dado ao mundo Cristovam de Colos, êsse seu filho eminente, navegador ousado, denodado nauta, descobridor imortal, «que cuando fué su persona a proposito y adornada de todo aquello que convenia para tan gran hecho tanto menos coñocido y cierto quiso que fuese su origen y patria...»

[1] Colos — Vila de Portugal, no Alentejo. El-Rey D. Manuel I, a fez Vila dando-lhe foral; antigamente era lugar do Termo da Vila de Sines.