Texto Integral
O carácter misterioso de Colombo e o problema da sua nacionalidade
Memória apresentada em 23 de Novembro de 1915
Por
Patrocínio Ribeiro
O carácter misterioso de Colombo e o problema da sua nacionalidade
Memória apresentada em 23 de Novembro de 1915
Por
Patrocínio Ribeiro
«De modo que cuando fué su persona a proposito y adornada de todo aquello que convenia para tan grand hecho, tanto menos conocido y cierto quiso que fuese su origen y patria, y casi algunos que en cierta manera quisieron oscurecer su fama, dicen que fué de Nervi, otros de Cugureo, otros de Buggiasco, logarcillos cerca de Genova, y situados en su ribera; otros que quisieron exaltarle mas, dicen és Saona, y otros, genevés, y algunos tambien saltando mas sobre el viento, lo hacen natural de Plasencia».
HERNAN COLON, Vida del Almirante.
HERNAN COLON, Vida del Almirante.
Intencionalmente, premeditadamente, com um fim reservado muito pessoal e muito íntimo, o descobridor da América ocultou, em todas as circunstâncias da sua vida oficial, – a mais conhecida – o nome da terra do seu nascimento e até mesmo o seu próprio apelido de família.
As variantes ortográficas deste pressuposto apelido em documentos coevos, – Colomo e Colombo – a declaração singular de seu filho Fernando, na «Vida del Almirante», – que seu pai «volvió a renovar el de Colon» – e o facto de nem uma única vez ele se ter assinado pelo sobre nome porque era conhecido, são provas mais que suficientes para fazer crer que o grande navegador adoptou um pseudónimo.
Todavia a cidade de Pontevedra, baseada em simples deduções de fácil refutação, pretende demonstrar, ultimamente, que Cristóvam Colombo é natural da Galiza, colocando-se assim ao lado das dezoito povoações que, entre si, já disputavam a, honra insigne de terem visto nascer o nauta imortal!
Colombo é espanhol, nasceu em Pontevedra, – afirma-se.
Quem primeiro o afirmou, em terras de Espanha, foi Celso Garcia de la Riega, erudito investigador histórico; e foi o Sr. Dr. D. Enrique Maria de Arribas y Turull – distinto advogado – que veio preconizar, na nossa terra; por meio de conferências públicas efectuadas em Lisboa e Porto, esta verdade evidente, segundo a sua maneira de ver.
Ora eu – que à época me encontrava em Beja absorvido nas ocupações da minha vida profissional, – não assisti a essas interessantes prelecções mas adquirindo há tempo o livro que o ilustre conferente publicou sobre o assunto li-o atentamente, e tão atentamente o li que não posso deixar de refutar certas afirmativas exóticas que na referida obra são feitas, em especial nas referências directas ao nosso país ([1]).
Depois de, para defesa da sua tese, ter apontado algumas, analogias de nomes entre as terras baptizadas por Colombo, no Novo Mundo, e uma igreja, – San Salvador – uma baía, – Porto Santo – uma praça, – La Galea – e quatro confrarias de Pontevedra – San Miguel, Santa Catalina, San Nicolas e San Juan Bautista – mas sem se recordar, talvez, de que «sobre simples homonimias, no se puede cimentar nada solido en la historia» – como tão criteriosamente diz Garcia de la Riega ([2]) – acrescenta o Sr. Turull a pág. 77 do seu curiosíssimo livro:
«De todo lo expuesto deducimos, que ni una sola vez se le ocurre a Colon iniponer a sus descubrimientos un nombre italiano o portugués, o que por lo menos recuerde cosa alguna de estos paises».
Ora não se pode ser menos exacto! Colombo impôs, de facto, alguns nomes portugueses às novas terras descobertas; e tão portugueses são esses nomes que nem a própria Pontevedra – com os seus famosos documentos! – poderá contestar.
A um porto e a um rio, recém-descobertos, deu o grande navegador estes dois nomes inconfundíveis: – Puerto de Santa Maria de Belen e Rio de Belen.
Onde encontra o Sr. D. Enrique Turull nomes idênticos em Espanha? Não os pode encontrar lá porque são bem portugueses, pois Rio de Belen designa o Tejo em frente de Santa Maria de Belém, povoação ao ocidente, de Lisboa. Mas há mais ainda.
Colombo baptizou duas ilhas novas com o nome de S. Tiago e Santa Maria, respectivamente. S. Tiago é uma das ilhas do arquipélago de Cabo Verde, e Santa Maria aquela ilha dos Açores a que ele intencionalmente arribou no dia 18 de Fevereiro de 1493, regressando já da sua primeira viagem ao ocidente.
Se no século XV havia em Pontevedra uma praça chamada La Galea e uma baía com o nome de Porto Santo, também na ilha da Madeira – onde Colombo viveu – havia a ponta da Galé, e Afonso Baldaia, em 1436, tinha dado nome idêntico a um cabo que descobrira na costa da África; e Porto Santo sugere logo o nome daquela ilha de que seu sogro foi donatário e onde o ousado navegador residiu algum tempo com os seus parentes portugueses, sendo fácil, portanto, determinar porque motivo assim denominou uma enseada de Cuba e um cabo da ilha Trinidad.
Para demonstrar ao Sr. Dr. Turull que é menos verdadeira a sua desconforme afirmativa de «que ni una sola vez se le ocurre a Colon imponer a sus descubrimientos un nombre italiano o portugués, o que por lo menos recuerde cosa alguna de estos paises», indicarei alguns, a seguir, onde a homonímia é flagrante.
Vejamos pois:
A Um cabo da ilha Fernandina chamou Cabo Verde, – o cabo Verde, em Africa, fôra descoberto, em 1444, pelo português Dinis Fernandes.
Puerto de Santa Catalina, em Cuba, – o cabo de Santa Catarina fôra o limite das descobertas portuguesas no reinado de D. Afonso V e havia uma ponta de terra, na Madeira, com nome igual.
Puerto de Santa Maria, na Espaniola, – porto com nome idêntico na ilha do Sal do arquipélago de Cabo Verde.
Isleu Cabra, – ilha das Cabras na costa da ilha de S. Tomé.
Isla Santa Cruz, – portos de Santa Cruz nas ilhas da Madeira, Graciosa e Flores.
Vale del Paraizo – foi em Vale de Paraíso que Colombo foi recebido por D. João II, de Portugal, e onde esteve hospedado três dias, em Março de 1493, quando, vindo de regresso da descoberta do Novo Mundo, arribou a Lisboa, intencionalmente.
Rio del Oro, – o rio do Ouro, no continente africano e na ilha de S. Tomé.
Isla Guadalupe, – costa de Guadalupe, na ilha de S. Tomé.
Islas San Christovam, San Miguel e San Thomas, – ilhas dos Açores assim denominadas; a ilha de S. Tomé também fôra, primitivamente, denominada S. Tomás.
Isla de Nuestra Senhora de las Nieves, – Santa Maria das Neves, baía a que chegou Álvaro Fernandes no tempo do infante D. Henrique, e nome dum monte que se avista do mar, na costa ocidental de Portugal, entre o cabo da Roca e Peniche.
Islas San Vicente e Santa Luzia, – ilhas do arquipélago de Cabo Verde.
Cabo Cabrão, – ponta do Bode, na ilha da Madeira.
Rio del Sol, – ribeira da ponta do Sol, na ilha da Madeira.
E, não cito mais, para me não alongar demasiadamente. Mas se bem que não creia – como o crê o Sr. Turull que o descobridor da América fosse impondo nomes de igrejas e confrarias às ilhas que via pela primeira vez – pois denominava-as, certamente, conforme as analogias topográficas de outras terras conhecidas e evocadas nas reminiscências das suas viagens anteriores, – no entanto, a mero titulo de curiosidade, pois «sobre simples homonímias no se puede cimentar nada solido en la historia», apontarei algumas interessantes coincidências de denominação, que topei no decurso dos meus trabalhos, entre localidades alentejanas e as novas regiões por ele baptizadas, convindo advertir nesta altura que D. Filipa Moniz – com quem casou – era duma família originária do Alentejo e que um tal Diogo Gil Moniz – talvez ainda parente de D. Filipa – fôra reposteiro-mor do infante D. Fernando, senhor de Beja onde tinha casa, e que o filho que nasceu desse casamento se chamava também Diogo.
À primeira ilha descoberta no Novo Mundo pôs-lhe Colombo o nome San Salvador, – «la comemoracion de Su Alta Magestad al cual maravillosamente todo esto ha dado» – (S. Salvador, paróquia de Beja desde 1306); à segunda ilha encontrada chamou Concepcion, (convento da Conceição, fundado em Beja pelo infante D. Fernando, em 1467); isla Santa Maria la antigua (Santa Maria da Feira, a mais antiga paróquia de Beja que foi mesquita de mouros e cujas memórias mais remotas datam de 1282); isla San Juan Bautista (S. Joao Baptista, paróquia de Beja desde 1320); isla San Thiago (S. Tiago Maior, paróquia de Beja desde 1329); islas San Bartholomeu, San Martinho, Santa Cruz, San Miguel, Santissima Trinidad, Santa Luzia, Santa Margarida, Espirito Santo, Nuestra Señora de las Nieves (S. Bartolomeu da Serra, S. Martinho das Amoreiras, Santa Cruz, S. Miguel do Pinheiro, Santíssima Trindade, Santa Luzia, Santa Margarida da Serra, Espírito Santo e Nossa Senhora das Neves, povoações ao sul de Beja); isla Guadalupe (serra de Guadalupe que se, avista do castelo de Beja, para o lado de Serpa); isla Juana, Cubanancan, Colba ou Cuba (vila da Cuba, ao norte de Beja); Castelo Verde foi a primeira fortaleza fundada por Colombo (vila de Castro Verde, ao sul de Beja); tinha o apelido de Esquível o primeiro governador da ilha de S. Tiago e, presentemente, há ainda a rua do Esquível, em Beja. Com respeito à analogia de denominação, a cidade portuguesa Beja leva a palma à de Pontevedra, como se vê! Se a cidade galaica apresenta, apenas, sete nomes idênticos, a cidade alentejana fica-lhe superior neste ponto, sem ser necessário incluir as, confrarias...
Diz, também, o ilustre autor do «Cristobal Colon, natural de Pontevedra», que Colombo «no supo el idioma italiano ni el portugués». É arriscado, porém, fazer uma afirmação deste quilate sabendo-se, perfeitamente, que, viajou e conviveu com portugueses, que casou com uma portuguesa, que residiu em Lisboa, na Madeira, em Porto Santo e, talvez, nos Açores, etc., etc. Mas o Sr. D. Enrique Turull baseia-se para afirmar tal em o famoso nauta ter escrito, no seu «Diario de Navegacion», esta passagem:
«... en el Catay domina un principe que se llama Gran Kan, que en nuestro romance significa rei de los reis...»
e conclui por isto que o grande Almirante «dice que el castellano és su romance». Ora o «Diário» da primeira viagem de Colombo, que hoje conhecemos, não é o autêntico, o primitivo, o original; foi coordenado por Las Casas, que alterna a sua linguagem com a do navegador.
O trecho citado e transcrito pelo Sr. Turull, como argumento, vem precisamente no preâmbulo, e esse preâmbulo, acrescentado depois, parece mais do coordenador, pelo estilo do que do próprio punho de Colombo ([3]).
Mas suponhamos que foi, de facto, o descobridor da América autor dessas linhas; elas nada significam de peso para se poder deduzir e afirmar a sua nacionalidade espanhola porque o grande navegador, mesmo como estrangeiro, ao traduzir a frase duma língua desconhecida para os reis de Castela – aos quais se dirige no preâmbulo – podia, muito belamente, empregar a expressão «nuestro romance» tal qual como o alemão Valentim Fernandes que escrevendo em português, aí por 1506, as suas «Chronicas das ilhas do Atlântico», – que fazem parte do célebre manuscrito de Munique, de que existe uma cópia na Biblioteca Nacional de Lisboa, – empregava períodos como estes:
«Arvores nascem nesta ilha da Madeira de muitas sortes e differenciadas das nossas delas e delas não».
«A sua feição é fora das nossas arvores».
«E esta arvore não tem nenhuma feição das nossas arvores porem se quer parecer acerca como a Cerejeira».
«Toda esta ilha é cheia de arvores e differenciadas das nossas salvo figueiras e parreiras que os portuguezes la levarão».
«Das outras aves já todas são da arte das nossas terras».
«Ovelhas ha nesta ilha tão grandes como de Portugal, e não teem lan se não no papo, e todo outro é cabelinho curto como cão de nossa terra».
Mas pelo facto deste estrangeiro escrever, em português, «nossa terra» poder-se-á deduzir que ele nasceu em Portugal? Não, evidentemente. Logo Colombo podia muito bem escrever «nuestro romance» – traduzindo essa passagem da carta em latim, de Toscanelli, – sem que por isso designasse a sua nacionalidade espanhola.
Alegam, ainda, os partidários da naturalidade galaica do imortal descobridor, como argumento poderoso, que ele, numa das suas muitas cartas dirigidas aos reis católicos, escreveu isto:
«Llego a un mundo nuevo y bajo un nuevo cielo, yés cosa maravillosa ver las arboledas e frescuras y el agua clarissima y las aves y amenidad que invitan a permanecer contemplando tanta hermosura. Hermosura de la tierra, tan solo comparable con la de la campina en Cordoba, aire embalsamado, puro como el de Abril en Castilla, canto del ruisenor como en Espana, montanas en la isla Juana (Cuba) que parecen llegar al cielo, copiosos e saludables rios, immensa variedad de arboles de gran elevacion con hojas tan reverdecidas y brillantes, cual suelen estar en España en el mes de Mayo y siete u ocho variedades de palmas, superiores a las mestras en su belleza y altura...» ([4]).
Ora estas comparações não servem de argumentos, porque não comprovam – como pretende o Sr. Dr. Turull – que o ousado navegador nascera em Pontevedra; não palpita nelas o espírito nativo – como tenta insinuar o distinto advogado – mas sim a necessidade lógica dos confrontos, simplesmente, pois é bem natural que o estrangeiro Colombo evocasse regiões conhecidas dos monarcas de Castela para lhes pintar a beleza das novas terras descobertos.
Ilógico seria ele referir-se, nos seus descritivos, às regiões portuguesas por onde tinha andado que a rainha Isabel e o rei Fernando não conheciam, decerto. .
O alemão Valentim Fernandes, que já citei, faz comparações idênticas, estabelece os mesmos confrontos, não com o calor exuberante e meridional do célebre nauta, concordo, mas, sucintamente, laconicamente, com o ar frio e rápido dum verdadeiro germânico.
Referindo-se à ilha da Madeira diz ele:
«E tem todas as frutas que ha em Portugal afora cerejas».
«Dos peixes a metade são differenciados dos de Portugal».
Escrevendo em português, e para portugueses, não seria risível que este navegador e cronista se pusesse a evocar a sua pátria alemã? Colombo seguiu a mesma orientação, muito naturalmente.
Mas o descobridor da América ao referir-se às belezas do mês de Maio e ao canto do rouxinol designa a Espanha, em absoluto, e nesta comparação pode abranger Portugal, também, onde canta o rouxinol e Maio reverdece deslumbrantemente. É muito possível que fosse esse até o seu fim, por motivos particulares, visto não ter determinado nesse ponto qualquer região de além-fronteiras, e tanto assim parece que a uma das ilhas descobertas baptizou Espaniola.
Os escritores portugueses, antigos, usavam então muito essa denominação exclusiva para indicar toda a Península Ibérica.
O cronista-mor Damião de Góis, aludindo à fauna de Sintra, deixou escrito:
«... ha nela muita caça de veados, e outras alimarias, e sobretudo muitos, e muito boas frutas de todo o genero das que em toda Hispanha, podem achar...».
E, referindo-se à chegada de Vasco da Gama a Calecut, esclarece melhor:
«... até que forão dar com dous mercadores de Tunez dos quaes hum per nome Monçaide fallava castelhano, que em o degradado entrando pola porta da casa, conhecendo no trajo que era Hispanhol, the perguntou, de que nação da Hispanha era, e sabendo que portuguez lhe mandou dar de comer...» ([5]).
Por argumento supremo, por prova irrefutável, – segundo a opinião do ilustre advogado – há, ainda, os documentas de 1413 a 1528, escritos em galego, onde o apelido de Colon aparece frequentes vezes, e que o feliz investigador desfralda como uma bandeira vitoriosa, em fac-similes, nas páginas do seu livro... mas tão reduzidos que é impossível ler-se alguma cousa!
Ora se na escritura de 14 de Outubro de 1495, que cita, se fala em «la heredad de Cristobal de Colon – el proprio Almirante, como afirma, – e se tal Cristobal de Colon era, de facto, o descobridor com propriedades em Pontevedra, como poderia ele declarar-se estrangeiro, em Castela, e escrever em 1498, num documento oficial:
«La dicha ciudade de Genova, de donde yo sali y donde yo naci...»
quando havia muito já que a fama do seu nome enchia todo mundo e... até mesmo a Galiza?!
Mas nos documentos de Pontevedra aparece, também, o apelido Fonterosa – que o Sr. Dr. Turull afirma ser o da mãe de Colombo. Ora foram os modernos genealogistas italianos que, descobrindo uma Suzana Fontanarossa casada tom um tal Domenico Colombo, supuseram que devia ser a mãe do denodado marinheiro...
E assim, o distinto advogado galaico, pretendendo refutar a nacionalidade italiana do descobridor da América, contradizendo-se, vai insensivelmente... seguindo os italianos!
[1] V. «Cristobal Colon, natural de Pontevedra», por D. Enrique Maria de Arribas y Turull. Madrid, Imprenta de «La Ensenanza». Ruiz, 23, bajo, 1913.
[2] V. Cristobal Cólon y Fonterosa, artigo de D. Celso Garcia de la Riega, publicado em «La Ilustracion Espanola y Americana», de 8 de Janeiro de 1902.
[3] V. «Coleccion de los viajes y descubrimientos que hicieron por mar los españoles desde fines del siglo XV», por D. Martim Fernandez de Navarrete, vol. 2.°
[4] Citação de D. Enrique Turull, V. «Cristobal Colon, natural de Pontevedra», pág. 159.
[5] V. «Chronica de el-rey Dom Emanuel», primeira parte, cap. XXII e XXXIX, respectivamente.
As variantes ortográficas deste pressuposto apelido em documentos coevos, – Colomo e Colombo – a declaração singular de seu filho Fernando, na «Vida del Almirante», – que seu pai «volvió a renovar el de Colon» – e o facto de nem uma única vez ele se ter assinado pelo sobre nome porque era conhecido, são provas mais que suficientes para fazer crer que o grande navegador adoptou um pseudónimo.
Todavia a cidade de Pontevedra, baseada em simples deduções de fácil refutação, pretende demonstrar, ultimamente, que Cristóvam Colombo é natural da Galiza, colocando-se assim ao lado das dezoito povoações que, entre si, já disputavam a, honra insigne de terem visto nascer o nauta imortal!
Colombo é espanhol, nasceu em Pontevedra, – afirma-se.
Quem primeiro o afirmou, em terras de Espanha, foi Celso Garcia de la Riega, erudito investigador histórico; e foi o Sr. Dr. D. Enrique Maria de Arribas y Turull – distinto advogado – que veio preconizar, na nossa terra; por meio de conferências públicas efectuadas em Lisboa e Porto, esta verdade evidente, segundo a sua maneira de ver.
Ora eu – que à época me encontrava em Beja absorvido nas ocupações da minha vida profissional, – não assisti a essas interessantes prelecções mas adquirindo há tempo o livro que o ilustre conferente publicou sobre o assunto li-o atentamente, e tão atentamente o li que não posso deixar de refutar certas afirmativas exóticas que na referida obra são feitas, em especial nas referências directas ao nosso país ([1]).
Depois de, para defesa da sua tese, ter apontado algumas, analogias de nomes entre as terras baptizadas por Colombo, no Novo Mundo, e uma igreja, – San Salvador – uma baía, – Porto Santo – uma praça, – La Galea – e quatro confrarias de Pontevedra – San Miguel, Santa Catalina, San Nicolas e San Juan Bautista – mas sem se recordar, talvez, de que «sobre simples homonimias, no se puede cimentar nada solido en la historia» – como tão criteriosamente diz Garcia de la Riega ([2]) – acrescenta o Sr. Turull a pág. 77 do seu curiosíssimo livro:
«De todo lo expuesto deducimos, que ni una sola vez se le ocurre a Colon iniponer a sus descubrimientos un nombre italiano o portugués, o que por lo menos recuerde cosa alguna de estos paises».
Ora não se pode ser menos exacto! Colombo impôs, de facto, alguns nomes portugueses às novas terras descobertas; e tão portugueses são esses nomes que nem a própria Pontevedra – com os seus famosos documentos! – poderá contestar.
A um porto e a um rio, recém-descobertos, deu o grande navegador estes dois nomes inconfundíveis: – Puerto de Santa Maria de Belen e Rio de Belen.
Onde encontra o Sr. D. Enrique Turull nomes idênticos em Espanha? Não os pode encontrar lá porque são bem portugueses, pois Rio de Belen designa o Tejo em frente de Santa Maria de Belém, povoação ao ocidente, de Lisboa. Mas há mais ainda.
Colombo baptizou duas ilhas novas com o nome de S. Tiago e Santa Maria, respectivamente. S. Tiago é uma das ilhas do arquipélago de Cabo Verde, e Santa Maria aquela ilha dos Açores a que ele intencionalmente arribou no dia 18 de Fevereiro de 1493, regressando já da sua primeira viagem ao ocidente.
Se no século XV havia em Pontevedra uma praça chamada La Galea e uma baía com o nome de Porto Santo, também na ilha da Madeira – onde Colombo viveu – havia a ponta da Galé, e Afonso Baldaia, em 1436, tinha dado nome idêntico a um cabo que descobrira na costa da África; e Porto Santo sugere logo o nome daquela ilha de que seu sogro foi donatário e onde o ousado navegador residiu algum tempo com os seus parentes portugueses, sendo fácil, portanto, determinar porque motivo assim denominou uma enseada de Cuba e um cabo da ilha Trinidad.
Para demonstrar ao Sr. Dr. Turull que é menos verdadeira a sua desconforme afirmativa de «que ni una sola vez se le ocurre a Colon imponer a sus descubrimientos un nombre italiano o portugués, o que por lo menos recuerde cosa alguna de estos paises», indicarei alguns, a seguir, onde a homonímia é flagrante.
Vejamos pois:
A Um cabo da ilha Fernandina chamou Cabo Verde, – o cabo Verde, em Africa, fôra descoberto, em 1444, pelo português Dinis Fernandes.
Puerto de Santa Catalina, em Cuba, – o cabo de Santa Catarina fôra o limite das descobertas portuguesas no reinado de D. Afonso V e havia uma ponta de terra, na Madeira, com nome igual.
Puerto de Santa Maria, na Espaniola, – porto com nome idêntico na ilha do Sal do arquipélago de Cabo Verde.
Isleu Cabra, – ilha das Cabras na costa da ilha de S. Tomé.
Isla Santa Cruz, – portos de Santa Cruz nas ilhas da Madeira, Graciosa e Flores.
Vale del Paraizo – foi em Vale de Paraíso que Colombo foi recebido por D. João II, de Portugal, e onde esteve hospedado três dias, em Março de 1493, quando, vindo de regresso da descoberta do Novo Mundo, arribou a Lisboa, intencionalmente.
Rio del Oro, – o rio do Ouro, no continente africano e na ilha de S. Tomé.
Isla Guadalupe, – costa de Guadalupe, na ilha de S. Tomé.
Islas San Christovam, San Miguel e San Thomas, – ilhas dos Açores assim denominadas; a ilha de S. Tomé também fôra, primitivamente, denominada S. Tomás.
Isla de Nuestra Senhora de las Nieves, – Santa Maria das Neves, baía a que chegou Álvaro Fernandes no tempo do infante D. Henrique, e nome dum monte que se avista do mar, na costa ocidental de Portugal, entre o cabo da Roca e Peniche.
Islas San Vicente e Santa Luzia, – ilhas do arquipélago de Cabo Verde.
Cabo Cabrão, – ponta do Bode, na ilha da Madeira.
Rio del Sol, – ribeira da ponta do Sol, na ilha da Madeira.
E, não cito mais, para me não alongar demasiadamente. Mas se bem que não creia – como o crê o Sr. Turull que o descobridor da América fosse impondo nomes de igrejas e confrarias às ilhas que via pela primeira vez – pois denominava-as, certamente, conforme as analogias topográficas de outras terras conhecidas e evocadas nas reminiscências das suas viagens anteriores, – no entanto, a mero titulo de curiosidade, pois «sobre simples homonímias no se puede cimentar nada solido en la historia», apontarei algumas interessantes coincidências de denominação, que topei no decurso dos meus trabalhos, entre localidades alentejanas e as novas regiões por ele baptizadas, convindo advertir nesta altura que D. Filipa Moniz – com quem casou – era duma família originária do Alentejo e que um tal Diogo Gil Moniz – talvez ainda parente de D. Filipa – fôra reposteiro-mor do infante D. Fernando, senhor de Beja onde tinha casa, e que o filho que nasceu desse casamento se chamava também Diogo.
À primeira ilha descoberta no Novo Mundo pôs-lhe Colombo o nome San Salvador, – «la comemoracion de Su Alta Magestad al cual maravillosamente todo esto ha dado» – (S. Salvador, paróquia de Beja desde 1306); à segunda ilha encontrada chamou Concepcion, (convento da Conceição, fundado em Beja pelo infante D. Fernando, em 1467); isla Santa Maria la antigua (Santa Maria da Feira, a mais antiga paróquia de Beja que foi mesquita de mouros e cujas memórias mais remotas datam de 1282); isla San Juan Bautista (S. Joao Baptista, paróquia de Beja desde 1320); isla San Thiago (S. Tiago Maior, paróquia de Beja desde 1329); islas San Bartholomeu, San Martinho, Santa Cruz, San Miguel, Santissima Trinidad, Santa Luzia, Santa Margarida, Espirito Santo, Nuestra Señora de las Nieves (S. Bartolomeu da Serra, S. Martinho das Amoreiras, Santa Cruz, S. Miguel do Pinheiro, Santíssima Trindade, Santa Luzia, Santa Margarida da Serra, Espírito Santo e Nossa Senhora das Neves, povoações ao sul de Beja); isla Guadalupe (serra de Guadalupe que se, avista do castelo de Beja, para o lado de Serpa); isla Juana, Cubanancan, Colba ou Cuba (vila da Cuba, ao norte de Beja); Castelo Verde foi a primeira fortaleza fundada por Colombo (vila de Castro Verde, ao sul de Beja); tinha o apelido de Esquível o primeiro governador da ilha de S. Tiago e, presentemente, há ainda a rua do Esquível, em Beja. Com respeito à analogia de denominação, a cidade portuguesa Beja leva a palma à de Pontevedra, como se vê! Se a cidade galaica apresenta, apenas, sete nomes idênticos, a cidade alentejana fica-lhe superior neste ponto, sem ser necessário incluir as, confrarias...
Diz, também, o ilustre autor do «Cristobal Colon, natural de Pontevedra», que Colombo «no supo el idioma italiano ni el portugués». É arriscado, porém, fazer uma afirmação deste quilate sabendo-se, perfeitamente, que, viajou e conviveu com portugueses, que casou com uma portuguesa, que residiu em Lisboa, na Madeira, em Porto Santo e, talvez, nos Açores, etc., etc. Mas o Sr. D. Enrique Turull baseia-se para afirmar tal em o famoso nauta ter escrito, no seu «Diario de Navegacion», esta passagem:
«... en el Catay domina un principe que se llama Gran Kan, que en nuestro romance significa rei de los reis...»
e conclui por isto que o grande Almirante «dice que el castellano és su romance». Ora o «Diário» da primeira viagem de Colombo, que hoje conhecemos, não é o autêntico, o primitivo, o original; foi coordenado por Las Casas, que alterna a sua linguagem com a do navegador.
O trecho citado e transcrito pelo Sr. Turull, como argumento, vem precisamente no preâmbulo, e esse preâmbulo, acrescentado depois, parece mais do coordenador, pelo estilo do que do próprio punho de Colombo ([3]).
Mas suponhamos que foi, de facto, o descobridor da América autor dessas linhas; elas nada significam de peso para se poder deduzir e afirmar a sua nacionalidade espanhola porque o grande navegador, mesmo como estrangeiro, ao traduzir a frase duma língua desconhecida para os reis de Castela – aos quais se dirige no preâmbulo – podia, muito belamente, empregar a expressão «nuestro romance» tal qual como o alemão Valentim Fernandes que escrevendo em português, aí por 1506, as suas «Chronicas das ilhas do Atlântico», – que fazem parte do célebre manuscrito de Munique, de que existe uma cópia na Biblioteca Nacional de Lisboa, – empregava períodos como estes:
«Arvores nascem nesta ilha da Madeira de muitas sortes e differenciadas das nossas delas e delas não».
«A sua feição é fora das nossas arvores».
«E esta arvore não tem nenhuma feição das nossas arvores porem se quer parecer acerca como a Cerejeira».
«Toda esta ilha é cheia de arvores e differenciadas das nossas salvo figueiras e parreiras que os portuguezes la levarão».
«Das outras aves já todas são da arte das nossas terras».
«Ovelhas ha nesta ilha tão grandes como de Portugal, e não teem lan se não no papo, e todo outro é cabelinho curto como cão de nossa terra».
Mas pelo facto deste estrangeiro escrever, em português, «nossa terra» poder-se-á deduzir que ele nasceu em Portugal? Não, evidentemente. Logo Colombo podia muito bem escrever «nuestro romance» – traduzindo essa passagem da carta em latim, de Toscanelli, – sem que por isso designasse a sua nacionalidade espanhola.
Alegam, ainda, os partidários da naturalidade galaica do imortal descobridor, como argumento poderoso, que ele, numa das suas muitas cartas dirigidas aos reis católicos, escreveu isto:
«Llego a un mundo nuevo y bajo un nuevo cielo, yés cosa maravillosa ver las arboledas e frescuras y el agua clarissima y las aves y amenidad que invitan a permanecer contemplando tanta hermosura. Hermosura de la tierra, tan solo comparable con la de la campina en Cordoba, aire embalsamado, puro como el de Abril en Castilla, canto del ruisenor como en Espana, montanas en la isla Juana (Cuba) que parecen llegar al cielo, copiosos e saludables rios, immensa variedad de arboles de gran elevacion con hojas tan reverdecidas y brillantes, cual suelen estar en España en el mes de Mayo y siete u ocho variedades de palmas, superiores a las mestras en su belleza y altura...» ([4]).
Ora estas comparações não servem de argumentos, porque não comprovam – como pretende o Sr. Dr. Turull – que o ousado navegador nascera em Pontevedra; não palpita nelas o espírito nativo – como tenta insinuar o distinto advogado – mas sim a necessidade lógica dos confrontos, simplesmente, pois é bem natural que o estrangeiro Colombo evocasse regiões conhecidas dos monarcas de Castela para lhes pintar a beleza das novas terras descobertos.
Ilógico seria ele referir-se, nos seus descritivos, às regiões portuguesas por onde tinha andado que a rainha Isabel e o rei Fernando não conheciam, decerto. .
O alemão Valentim Fernandes, que já citei, faz comparações idênticas, estabelece os mesmos confrontos, não com o calor exuberante e meridional do célebre nauta, concordo, mas, sucintamente, laconicamente, com o ar frio e rápido dum verdadeiro germânico.
Referindo-se à ilha da Madeira diz ele:
«E tem todas as frutas que ha em Portugal afora cerejas».
«Dos peixes a metade são differenciados dos de Portugal».
Escrevendo em português, e para portugueses, não seria risível que este navegador e cronista se pusesse a evocar a sua pátria alemã? Colombo seguiu a mesma orientação, muito naturalmente.
Mas o descobridor da América ao referir-se às belezas do mês de Maio e ao canto do rouxinol designa a Espanha, em absoluto, e nesta comparação pode abranger Portugal, também, onde canta o rouxinol e Maio reverdece deslumbrantemente. É muito possível que fosse esse até o seu fim, por motivos particulares, visto não ter determinado nesse ponto qualquer região de além-fronteiras, e tanto assim parece que a uma das ilhas descobertas baptizou Espaniola.
Os escritores portugueses, antigos, usavam então muito essa denominação exclusiva para indicar toda a Península Ibérica.
O cronista-mor Damião de Góis, aludindo à fauna de Sintra, deixou escrito:
«... ha nela muita caça de veados, e outras alimarias, e sobretudo muitos, e muito boas frutas de todo o genero das que em toda Hispanha, podem achar...».
E, referindo-se à chegada de Vasco da Gama a Calecut, esclarece melhor:
«... até que forão dar com dous mercadores de Tunez dos quaes hum per nome Monçaide fallava castelhano, que em o degradado entrando pola porta da casa, conhecendo no trajo que era Hispanhol, the perguntou, de que nação da Hispanha era, e sabendo que portuguez lhe mandou dar de comer...» ([5]).
Por argumento supremo, por prova irrefutável, – segundo a opinião do ilustre advogado – há, ainda, os documentas de 1413 a 1528, escritos em galego, onde o apelido de Colon aparece frequentes vezes, e que o feliz investigador desfralda como uma bandeira vitoriosa, em fac-similes, nas páginas do seu livro... mas tão reduzidos que é impossível ler-se alguma cousa!
Ora se na escritura de 14 de Outubro de 1495, que cita, se fala em «la heredad de Cristobal de Colon – el proprio Almirante, como afirma, – e se tal Cristobal de Colon era, de facto, o descobridor com propriedades em Pontevedra, como poderia ele declarar-se estrangeiro, em Castela, e escrever em 1498, num documento oficial:
«La dicha ciudade de Genova, de donde yo sali y donde yo naci...»
quando havia muito já que a fama do seu nome enchia todo mundo e... até mesmo a Galiza?!
Mas nos documentos de Pontevedra aparece, também, o apelido Fonterosa – que o Sr. Dr. Turull afirma ser o da mãe de Colombo. Ora foram os modernos genealogistas italianos que, descobrindo uma Suzana Fontanarossa casada tom um tal Domenico Colombo, supuseram que devia ser a mãe do denodado marinheiro...
E assim, o distinto advogado galaico, pretendendo refutar a nacionalidade italiana do descobridor da América, contradizendo-se, vai insensivelmente... seguindo os italianos!
[1] V. «Cristobal Colon, natural de Pontevedra», por D. Enrique Maria de Arribas y Turull. Madrid, Imprenta de «La Ensenanza». Ruiz, 23, bajo, 1913.
[2] V. Cristobal Cólon y Fonterosa, artigo de D. Celso Garcia de la Riega, publicado em «La Ilustracion Espanola y Americana», de 8 de Janeiro de 1902.
[3] V. «Coleccion de los viajes y descubrimientos que hicieron por mar los españoles desde fines del siglo XV», por D. Martim Fernandez de Navarrete, vol. 2.°
[4] Citação de D. Enrique Turull, V. «Cristobal Colon, natural de Pontevedra», pág. 159.
[5] V. «Chronica de el-rey Dom Emanuel», primeira parte, cap. XXII e XXXIX, respectivamente.
[Continua]
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