sábado, 15 de junho de 2019

Carta de D. João II a D. Fernando de Aragão, 3 de Maio de 1493


CARTA DE D. JOÃO II A FERNANDO, REI DE CASTELA E ARAGÃO, SOBRE A CHEGADA A LISBOA DO ALMIRANTE D. CRISTÓVÃO COLOMBO (1493)


Transcrição de Pedro Pinto

Centro de Estudos Históricos, Universidade NOVA de Lisboa
CHAM – Centro de Humanidades, FCSH, Universidade NOVA de Lisboa, Universidade dos Açores


Resumo

1493, Torres Vedras, Maio, 3

Carta de D. João II a Fernando, rei de Castela e Aragão, sobre a chegada a Lisboa do almirante D. Cristóvão Colombo.
Abstract

1493, Torres Vedras, 3 May
Letter from King John II to Ferdinand, king of Castile and Aragon, concerning the arrival to Lisbon of the Admiral Christopher Columbus.


Toledo, Archivo Histórico de la Nobleza, Villagonzalo, CP. 553, D. 10.



[1]DOCUMENTO

Muyto alto muyto exçellente e poderoso princepe Irmaão Nos dom Ioham per graça de deus Rey de portugal e dos algarues d aaquem e d aallem mar em africa e senhor de guinee vos enuiamos muyto saudar como aquelle que muyto amamos e preçamos
veeo teer com fortuna do mar ao nosso porto da nossa cidade de lixboa dom christouam vosso almirante que folgamos muyto de veer e mandar tratar bem por ser cousa vossa,
E por vosso Respeito no caso que quisesse hir per terra por que mais çedo fosse a vos lhe mandamos dar cartas e auiamento pera despachadamente poder hir per nossos Reynos.,
E ouuemos muyto prazer de sua nauegaçom e por seu trabalho nom seer sem boom efecto e asy da maneira que teue em comprir vosso mandado em sua nauegaçom acerqua do que a nos compria segundo nos certeficou e Nos a vossas cousas avemos sempre de fazer por as estimarmos e querermos como as nossas proprias, sobre o quall stpreuemos mais largamente a Rui de sande caualeiro de nossa casa e alcaide moor de torres vedras alguũas cousas que vos falara, Rogamos uos muy afectuosamente, praza uos dar lhe Inteira fe,
Muyto alto muyto excelente e poderoso princepe e Irmaão nosso senhor aIa vossa pessoa e Real stado em sua santa guarda,
stprita em torres vedras a iij dias de mayo de 1493

a)     El Rey

[Verso]

+

Ao muyto alto muyto excelente e poderosso princepe El Rey de castella d aragam de sezilia de graada etc nosso muyto amado e preçado Irmaão.,

[2] de iij de mayo sobre la venyda del almirante de las yndias


[1] Os critérios de transcrição adoptados são os da Universidade Nova de Lisboa, sugeridos em João José Alves Dias et al., Álbum de Paleografia, Lisboa, Estampa, 1987.
[2] Escrito, em castelhano, posteriormente.




(Imagens
 
Comentário de João Silva de Jesus(CHAM – Centro de Humanidades, FCSH, Universidade NOVA de Lisboa, Universidade dos Açores)

Descobriu-se recentemente esta carta de D. João II a D. Fernando de Aragão que, não trazendo novas luzes à chegada de Cristóvão Colombo a Portugal no retorno da sua primeira viagem ao Novo Mundo, confirma o que já estava estabelecido. A notícia foi veiculada pelo jornal espanhol ABC e, por momentos, lançou alguma confusão e expectativa na comunidade científica por causa do erro que leitura que houve na data. De facto o jornal espanhol data a carta como sendo de 4 de Abril de 1493, mas uma leitura atenta de Pedro Pinto rapidamente desfez o erro e recolocou o discurso historiográfico dentro da linha previamente existente. A carta foi escrita de Torres Vedras a 3 de Maio de 1493 e informa os Reis Católicos de como Colombo foi bem recebido em consideração aos senhores a que servia, de como o monarca português lhe deu salvo-conduto para se dirigir a Castela por terra, caso assim o desejasse. Mas o mais importante de tudo nesta carta é a informação que D. João II dá a D. Fernando de que Rui de Sande tem instruções para tratar das consequências da viagem de Colombo nas relações entre Portugal e Castela e que mais tarde desembocarão no Tratado de Tordesilhas.
Há também mais dois factos curiosos:
1. “veeo teer com fortuna do mar ao nosso porto” clara alusão às condições atmosféricas e de mar que levaram Colombo a demandar abrigo em Lisboa.
2. “Dom Christouam vosso almirante” Dom e Almirante são dois dos títulos que as capitulações anteriormente assinadas em Santa Fé concediam a Colombo após a descoberta da Índia e que D. João II usa ao referir-se ao navegador. Também terá sido com estes títulos que se apresentou às autoridades portuguesas logo à chegada aos Açores.
Este documento, sendo curioso como monumento, não traz acrescento ao estado do conhecimento do descobrimento do Novo Mundo e da subsequente divisão da Terra em áreas de expansão e influência dos dois principais reinos peninsulares. Há ainda perguntas diplomatísticas que se podem colocar, como o facto do documento se encontrar num arquivo particular e não num oficial, mas isso tem a ver com o modo como a chancelaria castelhana funcionava, ou não funcionava, pois não existia de forma centralizada como a portuguesa, a pontifícia ou até mesmo a aragonesa.