CARTA DE D. JOÃO II A FERNANDO,
REI DE CASTELA E ARAGÃO, SOBRE A CHEGADA A LISBOA DO ALMIRANTE D. CRISTÓVÃO
COLOMBO (1493)
Transcrição
de Pedro Pinto
Centro de Estudos Históricos, Universidade NOVA de Lisboa
CHAM – Centro de Humanidades, FCSH, Universidade NOVA de Lisboa,
Universidade dos Açores
Resumo
1493, Torres Vedras, Maio, 3
Carta de D. João II a Fernando, rei de Castela
e Aragão, sobre a chegada a Lisboa do almirante D. Cristóvão Colombo.
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Abstract
1493, Torres Vedras, 3 May
Letter from King John
II to Ferdinand, king of Castile and Aragon, concerning the arrival to Lisbon
of the Admiral Christopher Columbus.
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Toledo, Archivo Histórico de la Nobleza, Villagonzalo,
CP. 553, D. 10.
[1]DOCUMENTO
Muyto alto muyto exçellente e
poderoso princepe Irmaão Nos dom Ioham per graça de deus
Rey de portugal e dos algarues d aaquem e d aallem
mar em africa e senhor de guinee vos enuiamos muyto
saudar como aquelle que muyto amamos e preçamos
veeo teer com fortuna do mar ao nosso porto
da nossa cidade de lixboa dom christouam vosso almirante que
folgamos muyto de veer e mandar tratar bem por ser cousa
vossa,
E por vosso Respeito no caso que
quisesse hir per terra por que mais çedo fosse a
vos lhe mandamos dar cartas e auiamento pera despachadamente
poder hir per nossos Reynos.,
E ouuemos muyto prazer de
sua nauegaçom e por seu trabalho nom seer sem boom
efecto e asy da maneira que teue em comprir
vosso mandado em sua nauegaçom acerqua do que a nos compria
segundo nos certeficou e Nos a vossas cousas avemos sempre
de fazer por as estimarmos e querermos como as
nossas proprias, sobre o quall stpreuemos
mais largamente a Rui de sande caualeiro de nossa casa e alcaide
moor de torres vedras alguũas cousas que vos falara, Rogamos uos
muy afectuosamente, praza uos dar lhe Inteira fe,
Muyto alto muyto excelente e
poderoso princepe e Irmaão nosso senhor aIa vossa pessoa e
Real stado em sua santa guarda,
stprita em torres vedras a iij dias
de mayo de 1493 ∙
a) El Rey
[Verso]
+
Ao muyto alto muyto excelente e
poderosso princepe El Rey de castella d aragam de sezilia de graada
etc nosso muyto amado e preçado Irmaão.,
[2] de iij de mayo sobre la venyda
del almirante de las yndias
[1] Os critérios de transcrição
adoptados são os da Universidade Nova de Lisboa, sugeridos em João José Alves
Dias et al., Álbum de Paleografia,
Lisboa, Estampa, 1987.
(Imagens)
Descobriu-se recentemente esta carta de D. João II a D. Fernando de Aragão que, não trazendo novas luzes à chegada de Cristóvão Colombo a Portugal no retorno da sua primeira viagem ao Novo Mundo, confirma o que já estava estabelecido. A notícia foi veiculada pelo jornal espanhol ABC e, por momentos, lançou alguma confusão e expectativa na comunidade científica por causa do erro que leitura que houve na data. De facto o jornal espanhol data a carta como sendo de 4 de Abril de 1493, mas uma leitura atenta de Pedro Pinto rapidamente desfez o erro e recolocou o discurso historiográfico dentro da linha previamente existente. A carta foi escrita de Torres Vedras a 3 de Maio de 1493 e informa os Reis Católicos de como Colombo foi bem recebido em consideração aos senhores a que servia, de como o monarca português lhe deu salvo-conduto para se dirigir a Castela por terra, caso assim o desejasse. Mas o mais importante de tudo nesta carta é a informação que D. João II dá a D. Fernando de que Rui de Sande tem instruções para tratar das consequências da viagem de Colombo nas relações entre Portugal e Castela e que mais tarde desembocarão no Tratado de Tordesilhas.
Há também mais dois factos curiosos:
1. “veeo teer com fortuna do mar ao nosso porto” clara alusão às condições atmosféricas e de mar que levaram Colombo a demandar abrigo em Lisboa.
2. “Dom Christouam vosso almirante” Dom e Almirante são dois dos títulos que as capitulações anteriormente assinadas em Santa Fé concediam a Colombo após a descoberta da Índia e que D. João II usa ao referir-se ao navegador. Também terá sido com estes títulos que se apresentou às autoridades portuguesas logo à chegada aos Açores.
Este documento, sendo curioso como monumento, não traz acrescento ao estado do conhecimento do descobrimento do Novo Mundo e da subsequente divisão da Terra em áreas de expansão e influência dos dois principais reinos peninsulares. Há ainda perguntas diplomatísticas que se podem colocar, como o facto do documento se encontrar num arquivo particular e não num oficial, mas isso tem a ver com o modo como a chancelaria castelhana funcionava, ou não funcionava, pois não existia de forma centralizada como a portuguesa, a pontifícia ou até mesmo a aragonesa.