quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

Pestana Júnior - Genealogia de Cristóvão Colombo, aliás Simão Palha

PESTANA Jr., D. Cristóbal Colom ou Symam Palha na História e na Cabala, Lisboa, Imprensa Lucas, imp. 1928.
(Genealogia de Cristóvão Colombo/Simão Palha,
realizada a partir do livro de Pestana Jr.)

Confesso que de todos os candidatos à verdadeira identidade de Cristóvão Colombo a decifração de Pestana Júnior é a que mais me atrai. A proposta de Patrocínio Ribeiro é atraente pela sua simplicidade e ingenuidade, no entanto a do ex-ministro das Finanças é deveras interessante pelo método empregue, que é afinal um dos que mais contribuiu para o progresso da ciência: a descoberta acidental. Por isso só pode ser verdadeira.

terça-feira, 30 de janeiro de 2007

A Falácia, o Sofisma, e o Discurso Invertido na Pseudo-História

Baseando-se como sabemos a Pseudo-História, ramo da Pseudo-Ciência (5), em grande parte na falácia (1), encontrámos ser interessante e exercício muito curioso o poder definir com propriedade os seus diferentes tipos, sistematizados, de que geralmente nem nos damos conta ao percorrer textos prenhes deles. É evidente que nem só a Pseudo-História utiliza a falácia, e ademais o sofisma (4), também os discursos políticos, os enunciados jurídicos, as propagandas comerciais, e até as conversas informais deles podem abusar largamente.
O que distingue a falácia do sofisma? A intenção deliberada de enganar, presente no segundo, e que se presume estar ausente da primeira. E neste mais recente formular do conceito definindo um sofisma, pode não estar envolvida a Pseudo-História, quando apresentada de boa fé. Mas está-o sem dúvida se considerarmos apenas o mais antigo significado de sofisma (4).


Alegoria ao Sofisma, por Vanko Vukeljic

Mais curiosa ainda será uma eventual associação, que deixamos ao critério dos leitores, da falácia com a teoria do discurso invertido que recentemente veio propor o australiano David John Oates. É evidente que se se considerar apenas o discurso invertido horizontalmente, ou seja, como uma segunda comunicação real veiculada subjectiva e ocultamente do emissor ao receptor da comunicação, podemos esquecer-nos que para qualquer comunicado existe sempre a sua recepção verticalizada ad adversum, ou seja, apreendida contra o sentido do informado, aceitando-se o seu oposto.
Passamos então a transcrever a sistematização proposta da falácia (2):

"FALÁCIAS INFORMAIS - são argumentos em que as premissas não sustentam a conclusão em virtude de deficiências no conteúdo, o erro provém da matéria ou conteúdo do raciocínio.

1 . Falácias da irrelevância - As premissas não são relevantes para sustentar as conclusões.

2 . Falácias da insuficiência de dados - As premissas não fornecem dados suficientes par garantir a verdade das conclusões.

3 . Falácias da ambiguidade - As premissas estão formuladas numa linguagem ambígua.

1 . Falácias da irrelevância

- Falácia ad baculum ou recurso à força - Argumento que recorrem a formas de ameaças como meio de fazer aceitar uma afirmação.

- Falácia ad hominem ou contra a pessoa - Argumento que pretende mostrar que uma afirmação é falsa, atacando e desacreditando a pessoa que a emite.

- Falácia da ignorância - Argumento que consiste em refutar um enunciado, só porque ninguém provou que é verdadeiro, ou em defendê-lo, só porque ninguém conseguiu provar que é falso.

- Falácia da Misericórdia - Argumento que consiste em pressionar psicologicamente o auditório, desencadeando sentimentos de piedade ou compaixão.

- Falácia ad populum ou falácia populista - Criação de um ambiente de entusiasmo e encantamento que propicie a adesão a uma determinada tese ou produto, cuja origem ou apresentação se devem a uma pessoa credora de popularidade.

- Falácia ex populum ou falácia demagógica - Argumento que pretende impor determinada tese, invocando que ela é aceite pela generalidade das pessoas.

- Falácia ad verecundiam ou falácia da autoridade - Argumento que pretende sustentar uma tese unicamente apelando a uma personalidade de reconhecido mérito.

2 . Falácias da insuficiência de dados

Trata-se de proceder a generalizações, partindo de observações insuficientes ou não representativas.

- Falácia da generalização precipitada - Enunciar uma lei ou regra geral a partir de dados não representativos ou insuficientes. Este tipo de falácia pode assumir duas formas: enumeração incompleta e acidente convertido.

Enumeração incompleta - Argumento que consiste em induzir ou generalizar a partir de observações insuficientes

Acidente convertido - Argumento que consiste em tomar por essencial o que é apenas acidental, por regular ou frequente o que é excepcional.

- Falácia da falsa causa - pode interpretar-se de duas maneiras: Non causa pro causa (não causa pela causa) e Post hoc, ergo propter hoc (depois de, logo por causa de)

Non causa pro causa (não causa pela causa) - falácia que consiste em atribuir a causa de um fenómeno a outro fenómeno, não existindo entre ambos qualquer relação casual.

Post hoc, ergo propter hoc (depois de, logo por causa de) - falácia que consiste em atribuir a causa de um fenómeno a outro fenómeno, pela simples razão de o preceder. Exemplo: Se um desportista tomou certa bebida antes da competição e se saiu vencedor, pode inferir que essa bebida funciona como "poção mágica" e passar a tomá-la antes de todos os jogos.

- Falácia da falsa analogia - Forma de inferência que consiste em tirar conclusões de um objecto ou de uma situação para outra semelhante, sem reparar nas diferenças significativas.

- Falácia da petição de princípio - Forma de inferência que consiste em adoptar, para premissa de um raciocínio, a própria conclusão que se quer demonstrar.

- Falácia da pergunta complexa - Consiste em adicionar duas perguntas ou fazer uma pergunta que pressupõe uma resposta previamente dada, de modo a que o interlocutor fique numa situação embaraçosa, quer responda afirmativa ou negativamente.

3 . Falácias da ambiguidade

- Falácia da equivocidade - Consiste em introduzir num argumento um termo com duplo sentido, o que conduz a conclusões erradas.

- Falácia da divisão - Argumento que atribui aos elementos isolados uma propriedade que é pertença colectiva da classe em que esses elementos se integram.

- Falácia da falsa dicotomia - Apresentação de duas alternativas como sendo as únicas existentes em dado universo, ignorando ou omitindo outras possíveis.

- Falácia do espantalho - Consiste em atribuir a outrem uma opinião fictícia ou em deturpar as suas afirmações de modo a terem outro significado.

- Falácia da derrapagem - Argumento que, introduzindo pequenas diferenças entre cada uma das premissas condicionais ou equivalentes, leva a uma conclusão despropositada.

- Falácia de anfibologia - é uma ambiguidade sintáctica. Há anfibologia quando uma frase permite duas ou mais interpretações. Há falácia por não haver estabilidade de sentido. Muitos slogans entram nesta categoria de falácias...".

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1) Segundo o dicionário em linha Priberam, falácia vem de falar; trata-se de um s. f., expressando a qualidade do que é falaz; falatório; palração; gritaria. Palavra oriunda do latim falacia significando engano, ardil, burla.
2) Um interessante artigo contendo a sistematização das várias formas usitadas de falácia, deixou infelizmente de estar acessivel na Internet. Este facto nos levou a utilizá-lo aqui como valiosa ferramenta que convem ficar disponível para análise das várias deficiências dos textos de investigação pseudo-histórica.
3) Sobre a teoria do Discurso Invertido de David John Oates, cf. http://brazil.skepdic.com/discursoinvertido.html,
http://www.reversespeech.com/home.htm, e http://en.wikipedia.org/wiki/David_John_Oates.
4) Vidé
http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx?pal=sofisma, e http://pt.wikipedia.org/wiki/Sofisma.
Na Wiki lusófona definem actualmente sofisma como sendo um "... um raciocínio aparentemente válido, mas inconclusivo, pois é contrário às suas próprias leis. Também são considerados sofismas os raciocínios que partem de premissas verdadeiras ou verosímeis, mas que são concluídos de uma forma inadmissível ou absurda. Por definição, o sofisma tem o objetivo de dissimular uma ilusão de verdade, apresentado-a sob esquemas que parecem seguir as regras da lógica. Historicamente o termo sofisma, no seu primeiro e mais comum significado, é equivalente ao paralogismo matemático, que é uma demonstração aparentemente rigorosa que, todavia, conduz a um resultado nitidamente absurdo...".
5)
Um dos principais argumentos usitados pelos pseudo-historiadores é o de não atribuir à História a sua categoria de ciência; confundindo a inexactidão passível de existir na interpretação das fontes com o rigor empírico exigido na sua definição e manuseio. Isto deve-se também em grande parte à sua ignorância ou desprezo da metodologia exigida para os trabalhos dignos da qualificação historicista poderem ser validados pela Comunidade Científica. Confundem pois a liberdade de interpretação dos factos já documentados com o trabalho empírico da sua colheita documental e exegese crítica das fontes assim organizadas, únicas passíveis de serem utilizadas pelo historiador. A utilização indevida da palavra historiador pelos leigos tem obrigado os verdadeiros historiadores a preferirem a designação de investigadores... da mesma forma que os Doutores foram obrigados a refugiar-se no eufemismo Professor Doutor. Ao considerarem impossivel atingir-se em História conclusões seguras, exactas, ficam-se os pseudo-historiadores naquilo a que no artigo anterior chamámos de filosofia da História, ou seja, tentando alcançar a História como os filósofos procuravam alcançar a Sabedoria.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

História Colombina, ou Filosofia Colombina?

A diferença entre a História, uma ciência reconhecida como tal desde o século XIX, e a Filosofia, o núcleo restante de todo o conhecimento residual depois de dela emergidas e tornadas independentes as diferentes ciências, é consabida. Uma ocupa-se do estudo do passado da Humanidade, baseando-se não só em documentos credíveis, conjugados, depois de crivados pela sua necessária exegese crítica; a outra, dispensando as fontes, procura alcançar novos caminhos cognitivos através de especulação mental diversa, apoiando-se em novas ideias que se procuram sistematizar em diferentes modelos.

Na Filosofia, ao contrário da História, não contam primacialmente os resultados do filosofar, conta acima de tudo o próprio acto de filosofar... valoriza-se o caminho, o estar indo, o ir descobrindo, sem nunca alcançar senão parcialmente conclusões, que necessariamente hão-de ser sempre meras etapas da manifestação do conhecimento abstracto em si próprio, que se deseja ir materializando em estruturas mentais compreensíveis ao Homem. Em História, muito pelo contrário, valorizam-se acima de tudo os resultados, apresentados sempre de forma provisória, sim, mas factual e organizadamente em sistema lógico e coerente.

Se nova documentação poderá surgir posteriormente sobre um dado assunto histórico, que obrigue à sua revisão, ou interpretação, esse novo ou novos conjuntos documentais terão que formar sentido com os restantes documentos anteriormente aceites como válidos, ou de maior número ou importância. Excepto se se provar que toda essa documentação anterior era falsa ou mal interpretada, claro. Ora uma coisa é a História, ou seja, a cronologia sistematizada no tempo e no espaço dos acontecimentos conformes à melhor documentação, outra a Filosofia da História, em que nos é permitido divagar com estruturas e sistemas cognitivos que nos permitam abordar de novas formas a sistematização desses mesmos conhecimentos factuais.

Muito outro é portanto o escopo da História, a quem cabe a árdua e ingrata tarefa de explicar o passado à luz das suas fontes, permitindo-nos recolher dados com valor para a explicação do presente.

É nossa convicção profunda, diante de verborreias indiscriminadas que não têm em conta a documentação validada coerente e coesa, mas apenas o amor a "estar no caminho, cada vez mais disperso e vago, caótico, mesmo, da verdade a alcançar apenas hipoteticamente num futuro mais do que entrevisto, desejado", que a Pseudo-História Colombina do presente apenas pretende baralhar os dados, confundir os espíritos, com propósitos filosóficos de permitir sempre novas e melhores especulações baseadas sobre factos já dados como irrelevantes, mal enquadrados ou compreendidos... ou pior, agir em mera propaganda, que se queira fazer passar por historicista... junto dos leigos, e daqueles que se deixem vencer pelo cansaço dos seus argumentos contumazes que não aceitam terem ficado destruidos, depois de bastamente desmontados...

Assim, a relação da Pseudo-História para com a História tem que ver, no campo restrito do estudo da realidade passada que permite explicar-nos o nosso presente, com a mesma dissonância que desde o primeiro tempo do som uno universal (2) emergindo do silêncio cósmico mostrou ter o Caos (ou Desordem) para com o Universo (ou Ordem) (1). Uns estudam e divulgam desordenamente enquanto estudam o que ainda não sabem... e desejam seja contrário ao já dado como provado; outros aguardam e publicam apenas serenamente as conclusões factualmente irrefutáveis, ou que se crêem como tais, logicamente explicáveis e compreensíveis.

Sendo assim, e como tudo na vida, à Pseudo-História deve ser reconhecida alguma utilidade, mais que não seja porque obriga a reavaliar conhecimentos, a ordená-los, e a publicá-los de forma mais sintética e útil para proveito do esclarecimento do leigo confundido nas matérias por ela abordadas. Infelizmente, com muito raras excepções, apenas profissionais do campo da História, e talvez mesmo não todos, são disso capazes e têm tempo para tal.

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1) Universo = Versus Uno > até à unidade, i. é, à unanimidade. Em termos parúsicos, a unidade tomará forma através de uma ordem dada ao caos (ou desordem). Isto coincide com o que actualmente nos ensina a Física Quântica: que no caos (ou "sopa quântica") algo se manifesta ordenadamente apenas quando nós próprios ali concentramos a nossa atenção.
2) Aceitando-se que existe uma vibração energética cósmica produzindo um som uno durante a manifestação expansiva da matéria, no processo de dilatação cíclica dos Universos com suas Galáxias.

domingo, 28 de janeiro de 2007

Pestana Júnior - Cristóvão Colombo, aliás Simão Palha

(Manuel Gregório Pestana Júnior)

PESTANA Jr., D. Cristóbal Colom ou Symam Palha na História e na Cabala, Lisboa, Imprensa Lucas, imp. 1928.

Pestana Júnior começa a sua tese com uma breve crítica a Patrocínio Ribeiro, depois do curto elogio que a praxe impõe. Dá-lhe algum mérito principalmente por ter descoberto a inversão que lhe possibilitou ler Colos – não o fazer até cairia mal – mas aponta-o como fraco latinista e acaba por descartar a sua conclusão principal e que fora obtida pelo tal método meritório.
Contudo Patrocínio Ribeiro terá exercido outras influências sobre Pestana Júnior sem que este tenha tomado consciência disso – ou pelo menos não o admitiu peremptoriamente – pois tal como Ribeiro, Pestana Jr. também perdeu noites de volta da sigla de Cristóvão Colombo.

Desconfiou da genovesidade do Almirante pela leitura da documentação coeva – como todos os outros, diga-se – e ficou convencido que o mistério – sempre o mistério – estava na assinatura – claro! Como é que todos vão lá parar?
A reflexão e a crítica levam-no a recusar XPO FERENS como Christoferens, pois é uma forma desconhecida de grafar o nome Cristóvão. Bom no latim, ao contrário de Ribeiro, falha na paleografia – como muitos outros – e assim recusa XPO como Cristo, mas acaba por convir na mistura greco-latina para no fim acabar por ler Cristo – confuso? Não é para menos!
Questiona a função do traço sobre XPO e o «“bastão” a conter o FERENS» – as aspas são do Autor – e já não é Cólon, vírgula. A paleografia de Pestana Júnior que já dera mostras de ser fracota aqui afunda-se irremediavelmente.
O complicado método do espelho criado por Ribeiro e por si desenvolvido leva-o à seguinte salada de letras gregas, que se passa a citar:

ΧWΛΑS.WΛΧΑS.ΛΑΧΑS.WΧΧΑSW.ΜΥΑ.SWΛYS
XPO FERENS

O que vertido em caracteres latinos – se é que em cima já não os há – dá:

colas, olcas, lacas, occaso, mya, solis,
christo ferens

«Ferens» continua a causar ruído nesta tese já que segundo os autores citados não é grego mas sim latim, o que dá a tal mistura greco-latina que permitirá chegar à identidade de Cristóvão Colombo. Mais tarde, como já se viu e mais se verá, e para iluminar toda a obscuridade que rodeia o Almirante, ainda se vão juntar os elementos hebraicos.
Voltando ao texto grego, este traduz-se do seguinte modo:
«Eu sou, qual Mya aquele que traz à Cristandade as pérolas, as esmeraldas e as gomas preciosas pelo longínquo ocaso do sol».
Fim de citação, p. XCIV. Infelizmente não posso aferir da correcção da tradução já que para mim é... grego!
Ao latino FERENS no fim da salada grega junta-se agora um X que fica de fora. Este último facto irá continuar a perturbar o Autor mas lá voltará mais tarde.
Surge então um rasgo de inspiração. Ou tratou-se de uma revelação?
Diz o Autor, pp. XCV-XCVI: «Apareceu-nos então a possibilidade de aparentar Colombo com Miguel Molyart, que no estudo geral nos surgira como agente do Príncipe Perfeito e que mais não era que o morgado de Alvarenga, Bernardo de Vasconcelos, casado com Violante de Almeida, casa dos Palhas de Évora.
Num momento ocorre a metátese: Colom é simplesmente Colmo = Palha!!»
Note-se que, segundo Pestana Jr., Miguel Molyart é um anagrama de Bernardo (Byrnaldo, na grafia antiga do nome) de Vasconcelos, aparecendo o Miguel dum outro anagrama bem mais rebuscado e não é aqui relevante para o caso.
Tornando curta uma história longa, após mais uns contorcionismos cabalísticos pentagonais, chega-se à decifração final: «A mim Simão Moniz chamais assim».
E para compor o ramalhete faz deslizar o traço sobreposto em XPO até cruzar o «bastão» – e não cólon – e obtém «XPO FERENS †», lendo: «Christo ferens crucem». O que leva a cruz a Cristo, o Cireneu: Simão (pp. C-CI).
Chega-se então ao nome de Cristóvão Colombo, que é, nada mais nada menos: Simão Palha!

Está cá tudo.
O Colombo, com um nome falso, cuja verdadeira identidade se oculta atrás duma sigla cabalística greco-latina, não é caso único. Molyart, aliás Bernardo de Vasconcelos, morgado de Alvarenga, é exemplo disso. Fundamenta-se, ou melhor, justifica-se assim uma fraude com outra fraude. Se há uma também há duas, ou melhor, se há duas, então e necessariamente há uma. A prova irrefutável, o documento histórico, o que é isso? Serendipismo e já está.
Outra conclusão, à qual se se não chega então, será mais tarde levada ao paroxismo, resulta dum encadeamento de conclusões precipitadas que se transformam em premissas que levam a novas e mais extasiantes conclusões, num ciclo sem fim previsível à vista.
Miguel Molyart é agente de D. João II – agente dá em agente secreto.
Miguel Molyart é pseudónimo de alguém; Cristóvão Colombo também.
Um é agente (secreto) o outro necessariamente também o é.
E assim se faz a História.


sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

João de Barros - Cristóvão Colombo


Barros, João de. Ásia. Primeira Década, Livro III, cap. XI.

Texto Integral


Capítulo XI. Como a este reino veo ter um Cristóvão Colom, o qual vinha de descobrir as Ilhas Ocidentais, a que agora chamamos Antilhas, por ser lá ido per mandado del-Rei Dom Fernando de Castela; e do que el-Rei Dom João sobre isso fez, e depois per o tempo em diante sucedeu sobre este caso.


Procedendo per esta maneira as cousas deste descobrimento, estando el-Rei o ano de quatrocentos noventa e três, a seis de Março, em Vale-do-Paraíso, junto do Mosteiro de Nossa Senhora das Virtudes, termo de Santarém, por razão da peste que andava per aquela comarca, foi-lhe dito que ao porto de Lisboa era chegado um Cristóvão Colom, o qual diziam que vinha da Ilha Cipango e trazia muito ouro e riquezas da terra. El-Rei, porque conhecia este Colom, e sabia que per el-Rei Dom Fernando de Castela fora enviado a este descobrimento, mandou-lhe rogar que quisesse vir a ele pera saber o que achara naquela viagem, o que ele fez de boa vontade, não tanto por aprazer a el-Rei, quanto por o magoar com sua vista. Porque, primeiro que fosse a Castela, andou com ele mesmo, Rei Dom João, que o armasse pera este negócio, o que ele não quis fazer por as razões que abaixo diremos. Chegado Colom ante el-Rei, peró que o recebeu com gasalhado, ficou mui triste quando viu a gente da terra que com ele vinha não ser negra de cabelo revolto e do vulto como a de Guiné, mas conforme em aspecto, cor e cabelo como lhe diziam ser a da Índia, sobre que ele tanto trabalhava. E porque Colom falava maiores grandezas e cousas da terra do que nela havia, e isto com ua soltura de palavras, acusando e repreendendo a el-Rei em não aceitar sua oferta, indinou tanto esta maneira de falar a alguns fidalgos, que, ajuntando este avorrecimento de sua soltura, com a mágoa que viam ter a el-Rei de perder aquela impresa, ofereceram-se deles que o queriam matar, e com isto se evitaria ir este homem a Castela. Ca verdadeiramente lhe parecia que a vinda dele havia de prejudicar a este reino e causar algum desassossego a Sua Alteza, por razão da conquista que lhe era concedida pelos Sumos Pontífices, da qual conquista parecia que este Colom trazia aquela gente. As quais ofertas el-Rei não aceitou, ante as repreendeu como príncipe católico, posto que deste feito de si mesmo tevesse escândalo, e em lugar disso fez mercê a Colom e mandou dar de vestir de grã aos homens que trazia daquele novo descobrimento. E com isto o espediu.
E porque a vinda e descobrimento deste Cristóvão Colom (como então alguns pronosticaram) causou logo entre estes dous Reis, e depois a seus sucessores alguas paixões e contendas, com que de um reino a outro houve embaixadas, assentos e pactos, tudo sobre o negócio da Índia, que é a matéria desta nossa escritura, não parecerá estranho dela tratar do princípio deste descobrimento e do que dele ao diante sucedeu.
Segundo todos afirmam, Cristóvão Colom era genoês de nação, homem esperto, eloquente e bom latino, e mui glorioso em seus negócios. E como naquele tempo ua das potências de Itália que mais navegava, por razão de suas mercadorias e comércios, era a nação genoês, este, seguindo o uso de sua pátria e mais sua própria inclinação, andou navegando per o mar de Levante tanto tempo, té que veo a estas partes de Espanha, e deu-se à navegação do Mar Oceano, seguindo a ordem de vida que ante tinha. E vendo ele que el-Rei Dom João ordinariamente mandava descobrir a costa de África com intenção de per ela ir ter à Índia, como era homem latino e curioso em as cousas da geografia e lia per Marco Paulo, que falava modernamente das cousas orientais do reino Cataio, e assi da grande Ilha Cipango, veo a fantesiar que per este Mar Oceano ocidental se podia navegar tanto, té que fossem dar nesta Ilha Cipango, e em outras terras incógnitas. Porque, como em o tempo do Infante Dom Hanrique se descobriram as Ilhas Terceiras e tanta parte de terra de África nunca sabida nem cuidada dos espanhóis, assi poderia mais ao Ponente haver outras ilhas e terras, porque a natureza não havia de ser tam desordenada na composição do Orbe Universal, que quisesse dar-lhe mais parte do elemento da água que da terra descoberta, pera vida e criação dos animais.
Com as quais imaginações que lhe deu a continuação de navegar e prática dos homens desta profissão que havia neste reino mui espertos com os descobrimentos passados, veo requerer a el-Rei Dom João que lhe desse alguns navios pera ir descobrir a Ilha Cipango per este Mar Ocidental, não confiado tanto em o que tinha sabido (ou, por melhor dizer, sonhado) dalguas ilhas ocidentais, como querem dizer alguns escritores de Castela, quanto na experiência que tinha em estes negócios - serem mui acreditados os estrangeiros, assi como António de Nole, seu natural, o qual tinha descoberto a Ilha de Santiago, de que seus sucessores tinham parte da capitania, e um João Baptista, francês de nação, tinha a Ilha de Maio, e Jos Dutra, framengo, outra do Faial. E per esta maneira, ainda que mais não achasse que algua ilha erma, segundo logo eram mandadas povoar, ela bastava pera satisfazer a despesa que com ele fizessem.
Esta é a mais certa causa de sua impresa que alguas ficções que, como dissemos, dizem escritores de Castela, e assi Jerónimo Cardano, médico milanês, barão certo, douto e ingenioso, mas em este negócio mal informado. Porque escreve em o livro que compôs De Sapientia que a causa de Colom tomar esta impresa, foi daquele dito de Aristóteles: - que no Mar Oceano, além de África, havia terra pera a qual navegavam os cartaginenses, e por decreto púbrico foi defeso que ninguém navegasse pera ela, porque com abastança e molícias dela se não apartassem das cousas do exercício de guerra.
El-Rei, porque via ser este Cristóvão Colom homem falador e glorioso em mostrar suas habilidades, e mais fantástico e de imaginações com sua Ilha Cipango, que certo no que dizia, dava-lhe pouco crédito. Contudo, a força de suas importunações, mandou que estivesse com Dom Diogo Ortiz, Bispo de Ceita, e com Mestre Rodrigo e Mestre Josepe, a quem ele cometia estas cousas da cosmografia e seus descobrimentos, e todos houveram por vaidade as palavras de Cristóvão Colom, por tudo ser fundado em imaginações e cousas da Ilha Cipango, de Marco Paulo, e não em o que Jerónimo Cardano diz. E com este desengano espedido ele del-Rei, se foi pera Castela, onde também andou ladrando este requerimento em a corte del-Rei Dom Fernando, sem o querer ouvir, té que per meio do Arcebispo de Toledo, Dom Pero Gonçalves de Mendoça, el-Rei o ouviu.
Finalmente recebida sua oferta, el-Rei lhe mandou armar três caravelas em Palos de Moguer, donde partiu a três dias de Agosto do ano de mil quatrocentos noventa e dous, e deste dia a dous meses e meio, que foram a onze de Outubro, viram a ilha a que os da terra chamam Guanahani, que é ua daquelas a que ora os castelhanos chamam as Ilhas Brancas dos Lucaios, e ele lhe pôs nome As Princesas, por serem as primeiras que se viram; e a esta Guanahani chamou São Salvador. E dali se passou à Ilha Cuba, e dela à que os da terra chamam Haite, e os castelhanos Espanhola. E porque ele perguntava aos moradores por Cipango, que era a ilha do seu propósito, e eles entendiam por Cibau, que é um lugar das minas da Ilha Haite, o levaram a ela, onde foi mui bem recebido do Rei da terra, a que eles chamam Cacique. E porque acharam nele e na gente muita facilidade, leixou ali trinta e oito homens em um acolhimento de madeira em modo de fortaleza; e trazendo consigo dez ou doze naturais daquela terra, fez-se na volta de Espanha, e chegou a Lisboa a seis de Março do ano seguinte, como dissemos.
El-Rei Dom João, com a nova do sítio e lugar que lhe Colom disse da terra deste seu descobrimento, ficou mui confuso, e creu verdadeiramente que esta terra descoberta lhe pertencia, e assi lho davam a entender as pessoas de seu conselho, principalmente aqueles que eram oficiais deste mister da geografia, por a pouca distância que havia das Ilhas Terceiras a estas que descobrira Colom. Sobre o qual negócio teve muitos conselhos, em que assentou de mandar logo a Dom Francisco de Almeida, filho do Conde de Abrantes, Dom Lopo, com ua armada a esta parte.
Da qual armada, sendo el-Rei Dom Fernando certificado, per seus mensajeiros e cartas se mandou queixar a el-Rei, requerendo-lhe que a não enviasse, té se determinar se era da sua conquista, e que pera prática do caso podia mandar seus embaixadores.
El-Rei, como sua tenção nesta armada que fazia era por lhe parecer que no descoberto tinha justiça, por comprazer a el-Rei Dom Fernando, mandou cessar dela, té primeiro se determinar. E pera isso mandou a Castela, logo no Junho seguinte deste mesmo ano, ao Doutor Pero Dias e Rui de Pina, cavaleiro de sua casa, estando el-Rei Dom Fernando em Barcelona, ao tempo que per el-Rei Carlos de França se fez a segunda concórdia e entrega de Perpinhão e condado de Russilhão, com que el-Rei Dom Fernando ficou tam próspero em seus negócios, que estas pessoas que el-Rei tinha mandado a ele se vieram sem conclusão, somente que ele lha enviaria per seus embaixadores. Os quais, estando el-Rei em Lisboa, vieram: a um chamavam Pero de Ayala e a outro Dom Garcia de Carvajal, irmão do Cardeal Santa Cruz.
E como a tenção del-Rei Dom Fernando era dilatar este caso, té lhe virem outros navios que tinha enviado a estas ilhas que descobrira Colom, pera que, segundo a calidade da cousa, assi fazer a estima dela, começaram os embaixadores tratar em outras matérias, com tanta variadade por se deter, que, entendendo el-Rei Dom João o caso, disse que aquela embaixada del-Rei seu primo não tinha pés nem cabeça, aludindo isto a Pero de Ayala, que era manco de um pé, e a Dom Garcia, por ser homem um pouco enlevado e vão. E sem outra conclusão se tornaram pera Castela.
Pera o qual caso se acabar de concluir, enviou el-Rei a Castela Rui de Sousa e seu filho Dom João de Sousa, e Aires de Almada, corregedor da sua Corte, e a Estêvão Vaz, que depois foi feitor da Casa da Índia, por secretário da embaixada; e vistas as razões e justiça de ambos os Reis, foi assentado e determinado este descobrimento não pertencer a este reino, mas ser próprio de Castela. E por evitar escândalos e debates, que ao diante podiam recrecer, do que cada um descobrisse ou seus sucessores, demarcaram e partiram todo o Universo em duas partes iguais, per dous meridianos, um opósito ao outro, dentro dos quais ficasse a demarcação de cada um: o primeiro meridiano se lançou vinte um graus ao Ponente das Ilhas do Cabo Verde, em que se embebessem trezentas sessenta e tantas léguas pera Loeste; e deste meridiano té o outro a ele opósito pera a parte do Ponente ao respeito daqueles que vivemos em Espanha, ficasse a terra, ilhas e mares que se entre ambos tém da Coroa de Castela; e a outra parte que está no Oriente dela, também ao respeito da nossa habitação, em que se inclue toda a Índia com o grande número das ilhas orientais, ficasse à Coroa de Portugal, com todalas cláusulas e condições que se nos contratos tém.
Os quais foram jurados pelos ditos Reis, e os houveram por firmes e válidos per si e per seus sucessores, e prometeram serem pera sempre guardados, sem algum outro novo intendimento. Com o qual concerto este negócio ficou na vontade destes dous príncipes por acabado, sem de um reino ao outro esta matéria ser mais praticada, té o ano de mil quinhentos vinte e cinco, que entre el-Rei Dom João, o terceiro, nosso senhor, e o Emperador Carlos Quinto, Rei de Castela, houve alguas diferências, por razão de ua armada que per via de Castela levou às Ilhas de Maluco, que eram deste reino, um Fernão de Magalhães, natural português, em ódio del-Rei Dom Manuel, por se ir agravado dele a Castela, como veremos em seu lugar.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

O Ovo de Brunelleschi - ou o Fim do Pseudo-Histórico Ovo de Colombo

Monumento ao "Ovo de Colombo"

A Pseudo-História, ao basear-se em deduções não comprovadas, e contrárias ao documentado, e postas em circulação deliberadamente, pode perfeitamente, quanto a nós, ser chamada de História Boateira. O alcance, a difusão, a extensão dos estragos feitos pelo alargar do boato, são sobejamente conhecidos. Por vezes, mesmo, incapazes de reconhecer o erro total, geral e de base das suas publicações, existem algumas pessoas que passam a proceder (quando não começam logo por aí...) à publicação de documentos falsos, que se aparentem capazes de justificar teses estrambólicos ou alheias à verdade (1).
Outras vezes, o boato funciona com a indevida reproduação de informação mal compreendida e repassada sem critério, fenómeno que nos nossos dias parece poder atingir dimensões preocupantes com a Internet.


Representação, em 1630, da
cena do suposto ovo de Colombo

Curiosamente, um dos mais antigos exemplos de como a História do Boato se pode conseguir tornar "verdadeira" na crença geral por longos séculos, é exactamente o mito do chamado Ovo de Colombo... que parece afinal descobrir-se ter sido, sim, o Ovo de Brunelleschi. O ovo foi um exemplo que este arquitecto florentino utilizou cerca de 1445, para exemplificar aos ignorantes da arquitectura na cidade a forma que estava a imprimir ao zimbório da catedral de Florença (2).

O seu compatriota Girolamo Benzoni (3), muitos anos mais tarde, querendo ironizar a nobreza castelhana, que não aceitava Colombo, e desprezava a falsa descoberta do caminho marítimo para a Índia por este, resolveu atribuir o episódio de Brunelleschi ao almirante das falsas Índias, numa inventada resposta a quantos castelhanos lhe menosprezariam um feito tão polémico, porque contrário ao inicialmente proposto.

Mais de dois séculos depois, Voltaire leu a obra, e crendo no que dizia, reproduziu a informação do ovo, atribuindo-a a Colombo como verdadeira, e depois dele, o erro ficou sendo repetido ad eternum, até aos nossos dias.

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1) Cf. www.pbs.org/wgbh/nova/vinland/fakes.html
2) cf. http://www.cristobal-colon.net/Dossiers/C10p1p2.htm
3) Benzoni, Girolamo, nasceu em 1519. Publicou a "Nova História do Novo Mundo: contendo a suma do que os Espanhóis fizerem até ao presente nas Índias Ocidentais & e o rude tratamento que dão a esses pobres povos... tirado do italiano de Jerónimo Benzoni Milanês, que viajou XIV anos nesses países & ...

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

In memoriam - A. H. de Oliveira Marques


A. H. de Oliveira Marques nasceu em S. Pedro do Estoril em 1933, licenciou-se em 1956 em Ciências Histórico-Filosóficas pela Universidade de Lisboa e estagiou na Universidade de Wuzburg. Foi professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1957 e doutorou-se em História em 1960, passados dois anos foi afastado da Universidade depois de participar na greve dos alunos. Em 1965 foi para os Estados Unidos onde foi professor das universidades de Auburn, Florida, Columbia, Minnesota e Chicago tendo dado conferências em vários estados.
Em 1970 voltou a Portugal, mas somente em 1974 assumiu um cargo público ao ser director da Biblioteca Nacional de Lisboa, voltou a leccionar em 1976 mas desta vez na Universidade Nova de Lisboa onde também fez parte do Conselho Científico.
Recebeu o doutoramento Honoris Causa da Universidade de La Trobe de Melbourne na Austrália em 1997. E em 1998 foi condecorado pelo Presidente da República com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade.


Oliveira Marques é considerado um dos grandes nomes da historiografia portuguesa especializado na Idade Média, embora com incursões em outras épocas nomeadamente na História Contemporânea. A sua vasta obra ronda os 60 livros, sendo também autor de numerosos artigos que ultrapassam o milhar entre revistas, dicionários e enciclopédias. Destacam-se entre as suas obras:

Hansa e Portugal na Idade Média
A Sociedade Medieval Portuguesa: Aspectos da Vida Quotidiana
Portugal Quinhentista
História de Portugal
A Primeira República Portuguesa
Dicionário da Maçonaria Portuguesa
História da Maçonaria em Portugal
A Maçonaria Portuguesa e o Estado Novo

O Professor Oliveira Marques certamente gostaria de ver recomendadas estas três últimas obras aos amantes da cabalística maçónica colombina.

Corpo Coeso de Fontes e Estudos Sobre a Naturalidade Italiana de Colombo

Curiosamente, em relação àqueles que contestam a naturalidade italiana, ou dão como não conhecida a Colombo a sua naturalidade, a única tese sobre o nascimento exacto do condottiero marítimo não aceitável é, justamente, a "tese portuguesa". Além da unanimidade das fontes e estudos de época,existem boas razões para isso. Uma das que não costumam ser referidas, é que jamais apareceu família sua portuguesa a reclamar qualquer direito aos seus bens no sc. XVI, enquanto que castelhanos e italianos, uns falsos, outros verdadeiros, foram inúmeros, dado o montante e o relevo desses bens. Também o testemunho de Rui de Pina, que o conheceu pessoalmente, não deixa muitas margens para dúvida, não tendo sido no entanto o único português do seu tempo que o conheceu pessoalmente... Defendem no entanto incansavelmente os da "tese portuguesa" e do "mistério" que apenas existiu em Portugal o mesmo testemunho de Rui de Pina, e que os restantes estudos coevos são mera cópia do cronista-mor. As crónicas eram manuscritas, no entanto, não estavam impressas, e muito menos acessíveis a qualquer um... só por especial privilégio alguém poude ter licença, na época, de aceder aos cartapácios e poder lê-las. Em segundo lugar, tal afirmação é rotundamente FALSA.

Ao ser reapresentado em linha o sempiterno argumento de insuficiência documental quanto à identificação de Colombo na referida crónica de Rui de Pina, que teria sido copiado nos escritos portugueses de Quinhentos que se lhe seguiram, e reafirmando-se ainda com contumácia que o aventureiro Colom em Castela não era o mesmo Colombo que residira anteriormente em Portugal, reiterando-se outrossim que o nome Colombo não deu em Castela por apócope as palavras Colomo, e Colón, como toda a historiografia castelhana sempre reconheceu aliás, víamo-nos aqui obrigados ao trabalho escusado de recensear uma boa maioria de fontes e estudos coevos de Colombo, a fim de salvaguardar leitores incautos e menos informados de cairem em dúvida quanto a este argumento incorrecto, e demagógico.


Este trabalho de recenseamento estava no entanto já suficientemente feito pelo sr. Coelho,
esclarecido interveniente no fórum Génea Sapo, a quem pedimos escusa para aqui, com melhor
evidência e acessibilidade na net, o reproduzir, reunindo-o dos vários posts dispersos em que se
encontrava colocado.

1. Quanto a apenas existir o testemunho de Rui de Pina sobre o uso em Portugal do nome Colombo, depois disso sempre copiado pelos estudos quinhentistas portugueses seguintes, e quanto ao facto evidente e indiscutível de que Colombo, Colomo, Colom e Colón são diferentes formas porque no seu tempo foi denominado indiferentemente, consoante os países, o futuro almirante "descobridor do caminho marítimo para a Índia... de Castela", refere o Sr. Coelho (1) uma apesar de tudo não exaustiva, mas suficientíssima na demonstração do ponto.

Lista de 22 referências documentais escritas por contemporâneos de Colombo

1486, Alonso de Quintanilla – Colomo
1487 (Agosto), Francisco González, de Sevilla – Colomo
1487 (Maio), Francisco González, de Sevilla – Colomo
1487 (Outubro), Francisco González, de Sevilla – Colomo
1488, Dom João II – Collon, Colon (esta, aduzimos nós, PHC, por estudar e comprovar no único documento conhecido).
1489, Isabel a Católica – Colomo
1492, Capitulações - Colon (estas, sitas no Arquivo da Coroa de Aragão, terão sido traduzidas
segundo segundo alguns pensam do catalão para o castelhano, sendo que na primeira língua, texto desaparecido, deveria estar, coerentemente, também Colom ou Colomo).
1493, Duque de Medinaceli - Colomo
1493, R.L. de Corbaria – Columbo
1498, Pedro de Ayala – Colón
1498-1504, Rui de Pina – Collombo, Colombo
1500-1501: Pedro Martir d’Anghiera – Colonus
1501, Angelo Trevisan – Columbo, Colombo
1502, O anónimo do planisfério de Cantino – Colonbo
1513, Andrés Bernaldez – Colon
1516, Hernando Alonso de Herrera – Colon
1519, Jorge Reinel – Colombum
1523-1566, Bartolomé de las Casas – Columbo de Terrarubia, Colon (PHC: obra segundo a qual também existe a tese, ainda por comprovar, de ter sido inicialmente escrita em catalão, com subsequente tradução para castelhano, alterando se assim for decerto a denominação escrita do almirante).
1525, Gaspare Contarini – Colombo
1530-33, Garcia de Resende – Colombo
1535-1557, Gonzalo Fernandez de Oviedo y Valdés – Colom
1539, Fernando Colombo – Colon (aqui o sr. Coelho não teve em conta que a obra do filho, em manuscrito, desapareceu, conhecendo-se dele a 1ª impressão em italiano, de 1571, que refere Colombo e não Colón)."

2. Quanto aos inúmeros testemunhos nas fontes, independentes entre si, de coevos do aventureiro, sobre a sua naturalidade italiana, refere ainda ali o sr. Coelho, a quem de novo gratamente brindamos pelo trabalho que assim nos evitou:


Anteriores ao testemunho de Rui de Pina, pelo menos estas fontes estrangeiras

1493, Pietro Martire d’Anghiera – lígure
1494, Pietro Martire d’Anghiera – lígure
1497, Pietro Martire d’Anghiera – lígure
1498, Pedro de Ayala – genovês
1500-1501: Pedro Martir d’Anghiera – ligure
1501, Nicoló Odereco – cidadão de Génova
1486, Alonso de Quintanilha – estrangeiro
1487 (Maio), Francisco González de Sevilla – estrangeiro
1498-1504, Rui de Pina – italiano
1500-1501: Pedro Martir d’Anghiera – ligure
1501, Nicoló Odereco – cidadão de Génova


e contemporâneas de Rui de Pina, e de Colombo, as fontes

1519, Jorge Reinel – genuensem
1530-33, Garcia de Resende – italiano
1513, Andrés Bernaldez – de Milão
1516, Hernando Alonso de Herrera – genovês
1523-1566, Bartolomé de las Casas – genovês
1525, Gaspare Contarini – genovês
1535-1557, Gonzalo Fernandez de Oviedo y Valdés – Ligúria, concretamente Cogoleto, ou então Savona ou Nervi.
1539, Fernando Colombo, seu filho e biógrafo – genovês.

"...E, volto a dizer, não tem um único autor contemporâneo que tenha afirmado que Colombo era natural de outra qualquer região que não da moderna Itália. Alguns dos autores citados conheciam Colombo pessoalmente. No mínimo, a maior parte deles conhecia gente que conhecia Cristóvão Colombo pessoalmente...".

Mas ainda antes de sair do tema, que desejamos definitiva e completamente esgotado, aditemos ainda outra versão mais desenvolvida das mesmas fontes em conjunto compacto e coeso, acrescida já das necessárias referências bibliográficas, que o inestimável sr. Coelho teve a bondade de coligir a favor da clareza mental dos crentes na "tese portuguesa":

Fontes Portuguesas coevas sobre a italianidade de Colombo

1498-1504, Rui de Pina, cronista desde 1490, integrou a comitiva portuguesa que se deslocou a Castela para negociações resultantes da primeira viagem de Cristovão Colombo: “Descubrimento das ilhas de Castella por Collombo: … Christovam Colombo, italiano, …” (Chronica del Rey D. João II, cap. 66) (Graça Moura, p. 91-92; Taviani, 1991).
1502, anónimo, no planisfério dito de Cantino: “As Antilhas del Rey de Castella descobertas por Colonbo almirante” (PMC, estampa 5) (apud Graça Moura, p. 93).
1519, Jorge Reinel, mapa: “Xpoforum colombum genuensem” (PMC, estampa 12) (Graça Moura, p. 93).
1530-33, Garcia de Resende, moço de câmara, confidente e biógrafo de Dom João II: “De como se descubriram per Colombo as Antilhas de Castella: Christouao Colombo, italiano.” (Chronica dos valerosos e insignes feitos del Rey D. João II) (Moura, p. 91-92).
1552: João de Barros: “Segundo todos afirmam, Christouão Colom era genoes de naçam” (Décadas da Ásia, Primeira, Liv. III, cap. XI) (Graça Moura, p. 93). “How into this reign came Christopher Columbus of Genoa, who came from his discovery of the western islands that are now called the Antilles” (Taviani, 1991).
1540, Damião de Góis: “Em sua vida [de Dom João II], o genovês Colombo ofereceu-lhe seus serviços» (Fides, Religio, Moresque Aethiopum) (Graça Moura, p. 94).
1550 (publ. 1561), Gaspar Barreiros: “duce Christophoro Colono ligure” (Commentarios de ophyra regione …) (Graça Moura, p. 94).
1557 (anterior a), António Galvão: «No anno de 1492 … despachou Christouam Colom, italiano, com três nauios ao descobrimento da noua Espanha …» (Tratado dos Descobrimentos) (Graça Moura, p. 95). Galvão usa indiferentemente as formas: Colom, Colõ e Columbo.
1574, Damião de Góis: “Columbus of Genoa, a man expert in the nautical arts” (De Rebus Aethiopicis in De Rebus Oceanicis et Novo Orbe, Cologne, 1574, p. 455). No índice: “Columbi genuensis, alias Coloni commendatio” (Taviani, 1991).
1580, João Matalio Metelo Sequano: “Christophorus ergo Columbus prouincia Ligur vrbe vt aiunt, genuensis, qui Maderam inhabitabit” (Graça Moura, p. 95).
1580: Fernão Vaz Dourado: “terrae antipodvum regis castele inven[t ]a Xtoforo Colvumbo ianvensi” (Atlas, fol. 8) (PMC, estampa 249) (Graça Moura, p. 96).
1591 (anterior a): Gaspar Frutuoso: “italiano, genoês, chamado Christovam Colon, natural de Cugureo, ou Narvi, aldeia de Génova, de poucas casas, avisado e prático na arte da navegação, vindo de sua terra à ilha da Madeira, se casou nela, vivendo ali de fazer cartas de marear” (Livro Primeiro das Saudades da Terra) (apud Graça Moura, p. 96).


Fontes coevas castelhanas sobre a italianidade de Colombo

1486, Pedro Díaz de Toledo, segundo Manuel Rosa em fórum GP, chamou "Português" a Colombo - (comentário de PHC: tendo acabado de chegar de Portugal, sendo desconhecido em Castela, súbdito do rei de Portugal, é possível que esta única fonte inicial o tenha designado esta primeira vez, na sua real insignificância, como português, erro imediatamente corrigido logo depois. Mas como Toledo foi aditado à lista do sr. Coelho pelo sr. Manuel Rosa, é de não nos fiarmos muito... e confirmar esta desconstextualizada fonte quem tenha paciência para isso).
1487, Francisco González, de Sevilha:
1. “5 Mayo, di a Cristobal Colomo, extranjero, tres mil maravedis, que está aqui faciendo algunas cosas complideras el servicio de sus Altezas, por cedula a Alonso de Quintanilla, con mandamiento del obispo” (de Palencia). (Libro de Cuentas Francisco González de Sevilla, Tesorero de la R.C. (na web)).
2. “27 Agosto. En 27 de dicho mes di a Cristobal Colomo cuatro mil maravedis para ir al Real, por mandado de sus Altezas por cedula de Obispo. Son siete mil maravedis con tres mil que se le mandaron dar para ayuda de su costa por otra partida de 3 de julio.” (Libro de Cuentas Francisco González de Sevilla, Tesorero de la R.C. (na web)).
1489, Isabel a Católica - «Cristóbal Colomo ha de venir a esta nuestra corte e a otras partes e logares destos nuestros Reinos... por ende Nos vos mandamos que cuando por esas dichas cibdades, e villas e logares se acaesciere, le aposentedes e dedes buenas posadas en que pose él e los suyos sin dineros, que non sean mesones; e los mantenimientos a los precios que entre vosotros valieren por sus dineros. E non revolvades (no inquietéis) ni con él, ni con los que llevase consigo, ni con algunos dellos roídos (¿pobres?)». (Cédula de 12 de mayo de 1489, firmada en Córdoba, in Navarrete, doc. dipl. número IV – www cervantesvirtual com).
1493, Duque de Medinaceli - «No sé si sabe vuestra Señoría como yo tuve en mi casa mucho tiempo a Cristóbal Colomo, que se venía de Portogal, y se quería ir al Rey de Francia, para que emprendiere de ir a buscar las Indias con su favor y ayuda, …» (Carta ao Arcebispo de Toledo, 19 de Março de 1493 – www cervantesvirtual com).
1498, Pedro de Ayala, embaixador espanhol em Londres: “El descubridor [Caboto, hoje conhecido como John Cabot] es otro genovés, como Colón” (carta aos reis católicos Fernando e Isabel sobre as descobertas de John Cabot) (Taviani, 1985).
Bartolomé de Las Casas:
1. “...Fue, pues, este varón escogido de nación ginovés, de algún lugar de la provincia de Génova; cuál fuese donde nació o qué nombre tuvo el tal lugar, no consta la verdad dello más de que se solía llamar antes que llegase al estado que llegó Cristóbal Columbo de Terrarrubia, y lo mismo su hermano Bartolomé Colón, de quien después se hará no poca mención...” (Historia de las Indias, Liv. I, cap. II, publ 1875 – www cervantesvirtual com) - Nota: Quinto, em Génova, foi conhecido como Terrarossa, que castelhanizado deu Terrarubia (Taviani, 199).
2. Giovanni Antonio Colombo: trata-se de um parente italiano de Colombo que foi capitão de um dos navios da terceira viagem às Antilhas, em 1498. Diz dele Las Casas: «era genovés, deudo (=criado) del Almirante, hombre muy capaz y pudiente, y de autoridad, y con quien yo tuve frecuente conversación» (Historia de las Indias, lib. I, cap. CXXX).
1533, Francisco Lopez de Gomara: “Quién era Cristóbal Colón: Era Cristóbal Colón natural de Cugureo, o como algunos quieren, de Nervi, aldea de Génova, ciudad de Italia muy nombrada. Descendía, a lo que algunos dicen, de los Pelestreles de Placencia de Lombardía.” (Historia general de las Indias).
1535-1557, Gonzalo Fernandez de Oviedo y Valdés: “Viviendo Domínico Colom, su padre, este su hijo, seyendo mancebo, e bien doctrinado, e ya salido de la edad adolescente, se partío de aquels sua patria” (Historia general y natural de las Indias) (Graça Moura, p. 22). Outra passagem em versão inglesa: “Christopher Columbus, according to what I have learned from men of his nation, was originally from the province of Liguria, which is in italy, where the city and the Seignory of Genoa stands: some say that he was from savona, others that he was from a small place or village called Nervi, which is on the eastern seashore two leagues from the selfsame city of Genoa; but it is held to be more certain that he may have been originally from Cugurreo (Cogoleto) near the city of Genoa.” (Historia general y natural de las Indias, livr. 3, cap. 2) (apud Taviani, 1991).


Fontes coevas italianas sobre a italianidade de Colombo

1493-1497, Pedro Martir d’Anghiera, humanista milanês, capelão de Isabel a Católica, vivo até 1526, diz que Colombo era lígure em quatro cartas dirigidas ao Conde de Tendilla (1493), ao cardeal Ascanio Sforza Visconti (1493), Giovanni Borromeo (1494) e Pomponio Leto (1497).
1500-1501, Pedro Martir d’Anghiera, após contacto pessoal e directo com Colombo: “Christophorus Colonus, quidam ligur vir …” (Decades de Orbe Novo, publicada em 1511) (Graça Moura, 1991; Taviani, 1991).
1501, Nicolo Oderico, embaixador da República de Génova em Castela: “our fellow citizen, illustrious cosmographer and steadfast leader” (carta aos Reis Católicos) (Taviani, 1985).
1501, Angelo Trevisan, secretário de Domenico Pisano, enviado veneziano a Castela: “io ho tenuto tanto mezo che ho preso partica et grandissima amicitia cum el Columbo, … Christoforo Colombo zenovese, homo de alta et procera statur, rossa, de grands ingegno et faza longa” (carta a Domenico Malipiero, membro do conselho da cidade de Veneza) (Taviani, 1985).
1525, Gaspare Contarini, embaixador de Veneza em Castela e Portugal: “This admiral (Diego) is son of the genoese Columbus” (carta ao senado da cidade de Veneza).

A terminar, consideremos a confusão que entre os leigos e amadores da História, cegos partidários da tese portuguesa pela sua incapacidade demonstrada de gerir e integrar as fontes e estudos que não podem ser desprezados, se instalou pela má leitura de quanto o filho Fernando Colombo relata claramente na sua biografia do pai quanto ao seu sobrenome e origens em Itália; como também ainda o simplicissimo facto de uns designarem ao Colombo por genovês, e outros por milanês, que foi já objecto de outro nosso artigo aqui no PHC. Sobre este assunto, aliás, uma simples consulta a uma enciclopédia, quaisquer simples noções gerais de história italiana da época que pretendem estudar, teriam chegado para o deslindar facilmente.

Pois diante de factos, não há argumentos: apenas a mistificação aplicada deliberadamente consegue explicar a teimosia de se insistir rocambolescamente num Colombo de naturalidade portuguesa. Aparenta isto já ser uma doença do foro obsessivo com reflexos nas misteriosas e irracionais crenças dos pacientes por ela atingidos. Pelo que saindo do nosso foro de competência
profissional, não voltaremos sequer a este assunto, que consideramos pura perda de tempo, já que acreditamos necessário continuar a investigar serenamente os problemas da naturalidade e família de origem italianas de Colombo, segundo as várias teses fundamentadas disponíveis, o que não é decerto o caso da auto-chamada tese portuguesa.

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1) http://www.cristobal-colon.net/Colon/Colon_portugais.htm
2) Documentos sobre Cristóvão Colombo

terça-feira, 23 de janeiro de 2007

João Gonçalves Zarco, o tabelião

(...) encontrámos o selo de Zarco em cruz. (...) Pode ver-se (...) o nome de Zarco, «Zarqo», com o seu selo à direita.
O Mistério Colombo Revelado, p. 179.
Esta imagem é apresentada como sendo o selo de João Gonçalves Zarco (que como já se mostrou não é Zarqo, mas sim Zargo) e obedeceria a uns quaisquer princípios cruciformes de carácter cabalístico-esotérico-maçónico-iniciático, enfim o normal blá-blá pseudo-histórico, visando patentear conhecimento onde ele de facto não existe.
O que consta nesta imagem é algo de bem mais prosaico. Está aqui a assinatura de João Gonçalves Zarco e o sinal – e não o selo! (diplomatisticamente são coisas completamente diferentes) – do tabelião que fez o documento.

Ninguém nasce ensinado. Não se sabendo que desenho é o que figura no documento pode-se lê-lo e ele diz tudo o que há para saber:


(...) Eu Joham Anes tabeliam em a dita Ylha por ho Yfante dom Anrique meu senhor que esta carta de fyrmidam per mandado e outoridade do dito cavalero esprivi e aqui meu synal fiz que tal he {sinal de tabelião} Zargo (...)

A credibilidade duma obra que aborde um tema novo que vá muito além do que é conhecido ou admitido como possível estabelece-se pela ponderação crítica de todos os elementos prévia e indubitavelmente conhecidos que andam à volta da nova ideia que se pretende fazer aceitar.
Quando dados positivamente e de há muito estabelecidos são ignorados ou, pior ainda, são erradamente apresentados ou interpretados e nessa forma servem de sustentáculo às novas ideias que se querem fazer vingar, então legitimamente pode-se pôr em causa a validade dessas novas ideias.
Um erro factual ou de interpretação, uma omissão ou uma deturpação de dados marginais pode não inviabilizar uma nova tese, tudo depende da gravidade. Mas a soma de muitas destas situações desacredita por completo qualquer trabalho.

Nota: Pese embora o facto de na pág. 179 do referido livro se apresentar a imagem que é legendada pelo texto que abre esta nota, as imagens aqui exibidas foram obtidas na p. 399 onde o mesmo documento é reproduzido na íntegra.

domingo, 21 de janeiro de 2007

As Pseudo-Histórias Castelhana e Catalã - e a simétrica des-colon'ização de Colombo


Portuguesas, Portugueses

Continuamos a navegar ao arrasto do invés da História... e da Península Europeia já ufana ainda em seus andaimes de construção. Enquanto entre nós se trava mesmamente a batalha do "Colon or not Colon, that is the question" (1), dentro da guerra da "Unbearable Lightness of Being Columbus" (2), os nossos vizinhos latinos do Meio Dia Europeu lutam de há muito exactamente em sentido onomástico contrário...

Tal como agora em Portugal o amor ao "retrô" voltou a pôr na moda o processo colon'ial cubano (4) que acreditáramos esgotado, depois da sua inútil propugnação com sucessivo escândalo na década de oitenta, têm vindo também Catalães e Castelhanos a procurar retrovirar cegamente a habitual designação nos seus respectivos países e culturas e idiomas do nome do condottiero marítimo genovês viso-rei almirantado:

Pseudo-História Portuguesa: Colombo > Colom > Colombo > Colón > Colombo > Colón-Zarco > Colon (> Colombo = Colom).
Pseudo-História Castelhana: Colombo > Colomo > Colón > Colom (> Colón = Colombo).
Pseudo-História Catalã: Colombo > Colom > Colón > Colom (> Colom = Colombo).
Pseudo-História Italiana (3): Colombo < > Colombo (> Colombo = Colombo).

Curiosamente, parece que enquanto em Portugal tanta tinta corre de novo a fim de castelhanizarem com êxito definitivo o nome do navegador mercenário italiano para contraproducentemente o declararem de naturalidade portuguesa, as fantasiosas e românticas invenções pseudo-históricas em Castela, em processo absolutamente inverso e simultâneo, como sempre, ao nosso, lutam agora para denominar o ex-Colón de Colom...

A pseudo-história castelhana (6), não menos farta e rica de imaginação e de deficiente manipulação anti-historicista das fontes coevas do que a portuguesa, defende uma naturalidade "maiorquina" para Colombo, enquanto que a pseudo-história catalã lhe defende, naturalmente, a catalã, ou aragonesa lato senso. Pois que enquanto a pseudo-história em Barcelona é nacionalista, vendo como uma só nação os territórios das antigas coroas feudais de língua catalã do Reino de Aragão: Valência, Baleares (incluindo a ilha de Maiorca) e Catalunha, a pseudo-história castelhana actual, aferrada à sua mentalidade imperial de sempre, herdada do hispânico césar imperator Afonso VI de Leão e Castela e Galiza e Portugal, e habituada a dividir as franjas culturais da malha do Reino de Espanha a fim de melhor reinar sobre elas e as castelhanizar pelo centro, a declara "maiorquina", convindo-lhe declarar o falar maiorquino, dialecto do catalão, não como catalão em si mesmo, mas como "língua" pequena, e isolada.

Temos pois que desta vez, embora com mentalidade centrípeta uns, e centrífuga outros, catalães e castelhanos estão unidos, coisa rara, na Pseudo-História, a fim de provarem que Colombo era COLOM, ou seja, "espanhol" (5) e não italiano, ou genovês. Ó Suprema ironia! Haverá quem veja nisto um sinal do "atraso português"... eu diria, pelo contrário, que é sinal do atraso coxo da nebulosa Pseudo-História em todas as culturas e países. Cegas ao quererem chamar à brasa o seu Colom(bo), perdão, a sua sardinha, muito divertidissimamente utilizam os mesmíssimos argumentos baseados em fontes mal analisadas, e interpretadas, manipuladoramente desviadas do contexto, para teoricamente provar com essas mesmíssissimas mesmas fontes ligeiramente perpassadas pelo olhar, o oposto uma das outras!

P. R.

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1) "Colo(n)m_bo ou não Colo(n)m_bo, eis a questão", célebre frase ontológica de Shakespeare no "Hamlet", ou se quisermos, conhecida tirada de Hamlet em Shakespeare; pneuma aplicável a Colombo segundo a Pseudo-História.
2) Segundo a Wikipédia anglófona, a conhecida obra do checo Milan Kundera "A Insustentável Leveza do Ser", ou "The Unbearable Lightness of Beeing", em inglês, descreve "...the fragile nature of the fate of the individual and how a life lived once may as well have never been lived at all, as there is no possibility for repetition, experiment, and trial and error...". Ora, "...a natureza frágil do fado, ou destino que se crê do indivíduo, e o como uma vida apenas vivida uma vez pode perfeitamente até nunca ter chegado a ser vivida, por não haver possibilidade de repetição,experimentação, tentativa e erro...", afigura-se-nos exactamente ser o caso dos Colombo pseudo-históricos, todos tentando obviar a esta deficiência ingénita da Mãe Natureza...
3) A Pseudo-História Italiana também existe... Pode até ser que, no caso de Colombo, tenha sido no sc. XIX a mãe de todas as outras suas filhas, netas, bisnetas, e até já trisnetas, que lhe sucederam e connosco convivem ainda hoje, frescas, robustas, e viçosas moçoilas. Uma prole internacionalizada nobilíssima, de arrogante capa e espada geralmente, sucedeu ao simpático e humilde tecelão que serviu para apadrinhar o lobby italiano na era das comemorações do 1º Centenário da Independência dos EUA, prosápia essa que adquiriu já nacionalidades as mais diversas... Afigura-se-nos que o efeito da tese oitocentista ou purista, em Itália, por alguns dita extrapoladamente genovesa, tenha sido contra-producente à escala global, e ao largar a confusão, tenha aberto a caixa de Pandora da Pseudo-História Universal, com maçadores e intermináveis efeitos repetitivos à vista. Relembremos que o principal motor que alimentou a pseudo-história italiana colombina, essa em grande parte oficializada depois, servindo de principal exemplo talvez dos vastos perigos da Pseudo-História, foi a inadmissível intromissão de nacionalismos deslocados, que cegam necessariamente o zoom correcto, isento. Porque historicista no tangível amor à verdade pura documentável, que deve presidir a qualquer estudo histórico devidamente investigável e fundamentado. Fora de quaisquer ideologias, crenças, ou misticismos deslocados.
4) Lemos divertidamente hoje, em Genea Portugal, que na Idade Média teria havido outra localidade alentejana, perto de Odemira, também chamada Cuba, e que seria essa a verdadeira Cuba de Colombo! Talvez que a defunta Cuba rival, qual fénix renascida, possa ainda vir a suplantar no futuro a nossa Cuba restante, a sobrevivente, universalmente agora conhecida pelo fulgor da sua nova estátua colon'ial, cujo local de implantação, ainda fresco e inseguro, é já contestado, com absoluta falta de patriotismo, aliás, dentro das nossas próprias fronteiras...
5) A designação "Ibéria" dada às Espanhas, ou Península Hispânica, aparenta ser um pretensiosismo fruto da Renascença, sendo essa a palavra que em grego designava apenas a zona costeira oriental da Península Hispânica aonde colonos e mercadores gregos se haviam estabelecido - zona, grosso modo, correspondendo à língua catalã. A palavra comum era a latina Hispânia, que deu Espanha, e abarcava senão toda a Península, pelo menos a sua maioria, a sua maior extensão que fora romanizada. Durante a vida de Colombo, não havia qualquer Espanha, como reino ou como Estado. Ele serviu apenas a coroa castelhana. De facto, só em 1729 o príncipe francês Filipe V ordenou que se pusesse fim às leis castelhanas que oficialmente consideravam estrangeiros no Reino de Castela os naturais de todos os seus outros domínios e coroas autónomas, incluindo portanto todos os catalães e aragoneses, etc. O estatuto de estrangeiro de que gozavam em Castela os súbditos das suas outras coroas impedia-os de ali se habilitarem a quaisquer cargos ou regalias, reservados apenas aos naturais castelhanos.
6) Vd. En Busca de la Verdad, El Verdadero Orígen de Cristóbal Colón: http://www.yoescribo.com/publica/especiales/buscaverdad.aspx?cod=1

sábado, 20 de janeiro de 2007

Uma Visão Italiana da História de Génova em Quatrocentos – com subsídio para o problema da concreta naturalidade intra-italiana de Colombo

Mapa político da Europa quatrocentista



Prosseguindo a temática do artigo anterior, respeitante à visão historiográfica sobre a República de Génova no início da sua decadência como potência naval e comercial em Quatrocentos, tínhamos já referido no Mediterrâneo ocidental o crescimento do poder do novo império militar e comercial catalão, cruzando-se os seus eixos navais de Barcelona a Palermo, de Nápoles a Valência, incluindo-se nele as grandes ilhas da Sardenha, Sicília, Baleares, e ainda, pontualmente e em conflito com os genoveses, algumas pequenas partes da Córsega.

Mediterrâneo Ocidental, Aragão e Génova

Assim interceptava o Reino de Aragão as posições da República de Génova no seu trânsito marítimo vital rumo à chegada das especiarias ao Próximo Oriente - oriundas estas das Ilhas Molucas aonde eram cultivadas, na Insulíndia, perto de Timor. Era como havíamos dito agora já sobretudo Veneza, com rota directa pelo Adriático, também ameaçada pelos turcos, quem continuava a ser o grande intermediário comercial europeu junto do Egipto mameluco.

A cidade de Génova, em 1493

Aduza-se agora a posição de Vitale (1), sugerindo-nos como já pensávamos que à medida que o perigo militar e naval otomano se ia acentuando no Mediterrâneo oriental, ameaçando paulatinamente a curto ou médio prazo, sem capacidade de resistência viável, as bases do lucrativo comércio das especiarias entre o Próximo Oriente e a Europa Cristã – praticado pelas duas cidades italianas rivais, Veneza e ainda Génova - o escopo principal das actividades mercantis genovesas se foi virando para Ocidente. Fenómeno que parece acentuar-se, nomeadamente, a partir da queda de Constantinopla em 1453, evento com grave eco em todo o Ocidente cristão, ocorrido dois anos apenas depois da data em que se julga ter nascido Colombo, segundo a tese purista, ou dezasseis anos após, reportando-nos às teses anti-puristas que têm em conta a cronologia aceitavelmente retirada das fontes coevas, e que o dão por nascido em 1437.

Muito antes do estabelecimento do monopólio marítimo português da nova via oceânica euro-asiática para as especiarias do Oriente em 1498 (Rota do Cabo) - ou do caminho marítimo atlântico euro-americano oficializado por Colombo em 1492 a favor de Castela (6), essa diversificação do interesse comercial genovês é-nos demonstrada pela presença nas ilhas de Maiorca, primeiro, e da Madeira (8), depois, de malhas do comércio lígure estabelecidas já para cá do estreito de Gibraltar. Estreito esse cuja livre passagem às naves cristãs se encontrava garantida pela posse portuguesa de Ceuta desde 1415.

A Ceuta portuguesa, em 1572

Sobretudo a partir desta data, e muito antes da transferência no final do sc. XV do principal centro comercial e marítimo do mundo da Península Italiana (Pisa, Génova e depois Veneza) para a Península Hispânica (grosso modo Lisboa, especiarias, e depois de 1524 também Sevilha, minérios) já os mercadores genoveses tinham apostado na criação e intensificação de relações mercantis com os portos do Atlântico setentrional europeu, acedendo por via marítima costeira directa ao mercado da Flandres, e até da Inglaterra, tradicionais consumidores dos produtos que intermediavam, e dali podiam seguir para o Báltico. Esta via de cabotagem (10) europeia obviava a que os produtos atravessassem a França, até tarde rasgada pela Guerra dos Cem Anos (7). É de notar que antes desta época a redistribuição europeia das preciosas especiarias se fazia principalmente através de antigas rotas terrestres transalpinas, atravessando primacialmente a chamada rota champenesa, ou das feiras, em França, na ligação entre as duas zonas mais ricas da Europa, a Flandres a norte, e a Itália, a sul.

Lisboa, ainda capital dos Oceanos em 1572

É nesta perspectiva que se compreende o estabelecimento em Lisboa dos Colombos, segundo Giunciuglo (2): tendo tido o porto de Lisboa um enorme desenvolvimento comercial com o trânsito marítimo de bens de consumo novos oriundos das feitorias portuguesas na Costa da Guiné (9), atraiu o interesse dos banqueiros genoveses e placentinos, que nele se vieram estabelecer. Cerca de 1471, refere ainda Giunciuglo, sabemos pelas fontes portuguesas que chegaram à capital portuguesa os irmãos Bartolomeu e Cristóvão Colombo. E entrando nós agora no ponto das muitas confusões que se tem feito ao longo do tempo sobre o problema da naturalidade do posteriormente famigerado Cristóvão - estes irmãos, dispondo embora de um passaporte da República de Génova, não seriam exactamente genoveses, senão grosso modo, mas, sim, placentinos.

Ignorando agora, por despiciendas ao ponto, as considerações desta última obra sobre um possível sangue hebreu que ali se crê poder estar presente nas veias de Colombo, passaremos a referir a tese que dentro dela nos interessa. Um esclarecimento viável, lógico, eventualmente possível, e que ajuda a equacionar a tão propalada e confusa questão da naturalidade intra-italiana dos dois irmãos Colombo estabelecidos em Portugal. Irmãos aqui aventados como originários de Placência, cidade que se situa junto a Pavia, a mesma Pavia aonde o filho do condottiero marítimo, Fernando Colombo, nos relata que seu pai havia estudado. Placência, que sabemos também ser a terra italiana de origem dos Pallastrelli, depois Perestrelo, a própria família aonde em Portugal viria a casar Cristóvão Colombo. Assim, esclarece-nos ainda Giunciuglo que nos anos setenta do sc. XV uma fasquia da província de Placência (3) pertencia à Ligúria da República de Génova, cuja fronteira ia até à localidade de Bobbio, cujo “podestá” (4) seria genovês. Isto terá implicado que a todos os italianos naturais da pequena região placentina sita entre Bobbio e Ottone (5) fossem então passados passaportes da República de Génova, enquanto que aos restantes placentinos, a maioria deles, era dado passaporte do ducado de Milão, a que pertenciam por obediência. No Portugal quatrocentista, consequentemente, os placentinos com passaporte de Milão seriam chamados de milaneses, enquanto que os placentinos de Bobbio, com passaporte da República, seriam ditos genoveses.

Seguiremos este assunto quando nos for possível.
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1) Cf. Vitale, Vito, “La cultura dei mercanti genovesi e Cristoforo Colombo”, op. cit. net.
2) Cf. Giunciuglio, Vittorio, "Un ebreo chiamato Cristoforo Colombo" , op. cit net.
3) Piacenza, em italiano.
4) Desde o final da Idade Média, nome dado ao representante do Imperador em certas cidades italianas. O potestade era ali o chefe da magistratura local, mas com poderes administrativos igualmente.
5) O autor defende naturalmente que os Colombos do navegador estariam incluidos neste caso.
6) Esta rota marítima euro-americana “colombina” só adquirirá, no entanto, real importância económica e política posteriormente, já nos anos seguintes à conquista castelhana do México (1521) e do Peru (1533) , com a primeira chegada à Europa dos minérios em falta para ali bater moeda, o oiro e a prata. Passando a Península Europeia da escassez de metais à fartura excessiva, provocou o facto uma cruel e continuada inflação que durou todo o sc. XVI, com consequências mais marcadas no empobrecimento das suas zonas rurais, que assim irão enviar contingentes de gente desocupada e inútil para as cidades, ali gerando novos clientelismos de subsídio-dependência social.
7) A Guerra dos Cem Anos, entre os diferentes reinos do Ocidente Europeu, teve os seus beligerante alinhados bipolarmente. No eixo das potências marítimas os reinos da Inglaterra - com os seus ducados da Normandia e da Aquitânia em território francês - e de Portugal. No eixo das potências continentais, os reinos da França e de Castela. Foi este um conflito que terminou justamente no ano da queda de Constantinopla, derrota que exigia à Cristandade uma união defensiva concertada.
8) Na Madeira existia então o chorudamente lucrativo comércio do açúcar de cana, substituindo o mel na culinária europeia, exportado para o resto da Europa. Utilizando mão de obra escrava, o plantio de cana de açúcar na Ilha serviu de embrião para a sua transposição em larga escala, anos mais tarde, para o Nordeste brasileiro, como alternativa à queda dos rendimentos portugueses no comércio das especiarias no Império do Oriente. Tal facto deveu-se sobretudo ao acesso de outros países à Rota do Cabo, e fim efectivo do mare clausum português decretado em Tordesilhas. É no reinado de D. Sebastião que pela primeira vez o Reino equaciona transitar do Império Índico para um Império Atlântico, baseado justamente na elevada rentabilidade do açúcar brasileiro, como veio a verificar-se durante a dinastia seguinte dos Habsburgo, e sobretudo com o regime económico vigente sob D. João IV e D. Pedro II, expulsos já os holandeses das colónias atlânticas portuguesas.
9) Oiro, escravos, marfim e pimenta malagueta, sobretudo, além de plantas de tintura têxtil. As duas feitorias foram, Arguim, primeiro, e depois a de S. Jorge da Mina, esta a primeira construção militar inteiramente pré-fabricada de que há memória no mundo, e transportado o corpo da sua notável fortaleza dividido, como pedras marcadas, servindo de lastro no porão dos vários navios que a levaram de uma só vez, a fim de ser montada ad-hoc no local escolhido para o efeito no Golfo da Guiné (actual Benim).
10) Antes de os portugueses terem desenvolvido a navegação à vela, por coordenadas geográficas, que lhes permitiu navegar no alto mar, durante o sc. XV, a navegação procurava ainda fazer-se apenas ao longo da costa, mantida visível. As galeras usadas na cabotagem eram mais lentas e pesadas do que as caravelas oceânicas, podendo ter velas mas assentando a sua marcha em múltiplos remadores (existindo já galeras mistas, com sistema de remos e vela). Ao por-do-sol costumavam parar os navios, e ancorar, só retomando a navegação, sempre à vista da costa, ao nascer o sol seguinte.