quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

As Teses da Naturalidade e Linhagem de Cristóvão Colombo em Itália - tese clássica ou tese purista

República de Génova
(Ligúria, sem a Córsega)

Temos verificado a tendência para os defensores actuais da tese colombina portuguesa confundirem deliberadamente o facto de Cristóvão Colombo estar suficientemente documentado nos estudos portugueses da época, e noutras fontes estrangeiras, como "genovês" - no sentido coevo lato de natural dos Estados de Génova, ou República de Génova - com uma deficiente ligação automática à tese que identificou a partir do sc. XIX o navegador com o Cristóvão Colombo, tecelão, documentado na cidade de Génova (o próprio, ou um homónimo, dada a vulgaridade do nome).

Cidade de Génova (1489)

Com efeito, se a História dá como documentada a naturalidade italiana (genovesa em sentido largo) do descobridor das Antilhas de Castela, isso não implica ao contrário do que alguns pretendem fazer crer que seja unânime em aceitar a tese do referido Colombo tecelão. É mesmo de realçar o deficiente silogismo praticado pelos defensores de teses de um Colombo não italiano, conhecidos amantes do mistério, que ao negar a sua naturalidade na cidade de Génova, se sentem autorizados por isso mesmo, a nosso ver abusivamente, a defendê-lo como não italiano de origem.

Assim, se a constatação de Colombo como italiano é aceite incontroversa, porque bem documentada, porque assim descrito por todas as várias fontes idóneas contemporâneas que o conheceram pessoalmente - e não apenas por Rui de Pina, ou Damião de Góis, como também se tem pretendido fazer crer - não há nem nunca houve nenhuma ligação automática entre este simples facto e a sua antítese, isto é, o afirmar que não sendo o tecelão genovês, não pode ser italiano, e portanto necessariamente teria que ser, silogisticamente, português (ou catalão, ou francês, ou corso, ou galego...).

Muito ao contrário do que tem vindo a ser afirmado ou subentendido em Portugal recentemente pelos meios heterodoxos à metodologia histórica científica, também em Itália a naturalidade concreta de Colombo há muito que dá lugar a várias teses, das quais as duas principais são chamadas de, respectivamente, tese purista ou clássica - aceitando como válida a identificação oitocentista com o tecelão urbano, também dita por alguns extrapoladamente de tese genovesa - e teses anti-puristas, as que à primeira são contrárias.

As teses anti-puristas procuram apurar a verdadeira naturalidade de Colombo entre os vários locais dentro dos antigos territórios genoveses, e sua filiação e linhagem. Vindo também por vezes à baila o nome do Milanês para a naturalidade que lhe é apontada por alguns, poucos, estudos menos exactos ou contemporâneos, pois o estado antes governado por Milão teve fronteira, nem sempre estável, com o dos doges de Génova. A cidade de Pavia, aonde o filho Fernando nos diz que seu pai estudou, situa-se aliás nesta zona de fronteira agora provincial, já fora da actual Ligúria, ignoro ainda se genovesa ou milanesa quando do nascimento cronológico de Cristoferens Columbus. Cabe aqui a propósito um pequeno parêntesis, pelo facto de que de Cristoferens, alguns deduzirem um nome inventado de Salvador Fernandes, Salvador para Cristo, e Ferens para Fernandes... quando a abreviatura de Fernandes era, em português, Frz, com traço de abreviatura sobre o R, e terminada em Z, não ferens.

Mapa da Córsega genovesa
e da Sardenha aragonesa

Continuando, e fugindo ao abismo potencial presente nos charadismos onomásticos deslocados, ou mal contextualizados, posteriormente tanto o Milanado, como Génova, e ainda a Sardenha, e o antigo condado de Nice, acabariam por vir a constituir sob a dinastia de Sabóia, no sc. XIX, o reino da Sardenha, com capital em Turim, por extensão e conquista paulatina do antigo ducado transalpino da Sabóia. Entretanto, já a ilha da Córsega, parcialmente sob a obediência genovesa ao tempo de Colombo, fora vendida na sua totalidade à França pelos doges de Génova, na segunda metade do sc. XVIII - o que explica o nascimento "francês" do corso italiano Napoleone Buonaparte naquela ilha pouco depois - assim como Nice e seu território serão cedidos à França de Napoleão III a troco do seu apoio à unificação italiana empreendida pelo conde de Cavour, ministro oitocentista ao serviço de Víctor Manuel II, primeiro rei da Itália unida em 1860, e pai da rainha de Portugal D. Maria Pia de Sabóia, nascida princesa da Sardenha antes de ser princesa de Itália.

Temos pois que ao tempo do nascimento de Colombo, os Estados de Génova, além da Ligúria continental costeira, incluiam pelo menos já partes significativas da ilha da Córsega, aonde existe junto a Calvi uma Ilha Rossa, que parece também manter a tradição oral do nascimento do antigo corsário passado a Portugal, tradição que deu lugar a estudos defendendo essa hipótese, plausível porque genovesa lato senso. A expansão marítima de Génova pelo Mediterrâneo, como rival de Pisa e de Veneza (1) no monopólio da distribuição das especiarias orientais, mercadas com mais valia desde o Egipto islâmico mameluco (2) até à Cristandade ameaçada do Turco, estava então fortemente controlada pelo império comercial e militar aragonês, estabelecido nas ilhas italianas da Sardenha, da Sicília, controlando também o maior reino italiano, o de Nápoles, e algumas partes da própria Córsega; ali, nessa altura, tal como ainda hoje em partes significativas da Sardenha, se falavam já dialectos catalães semelhantes ao das ilhas Baleares.

Mapa dos Reinos da Córsega
Sardenha, e Sicília

Evidencia-se que geográfica e comercialmente, o decadente poder mercantil lígure estava como que enquadrado numa camisa de forças territorial e marítima pelo emergido poder catalão, o que levou a vários experientes marinheiros genoveses, nomeadamente a partir da Córsega, a praticarem o corso marítimo contra os súbditos do rei de Aragão, como fonte de proventos alternativa aos lucros minorados da rota de Alexandria interceptada pela força naval aragonesa. Assim se compreende que entre aventureiros genoveses já com prática de corso, no Mediterrâneo, inimigos naturais do poder catalão, preocupados com a perda dos lucros do comércio das especiarias, que Veneza defendia melhor, possa ter surgido o interesse pela nova rota oceânica de acesso a elas que os Portugueses há muito procuravam, bem como a ideia, diante dos deficientes conhecimentos científicos e geográficos mais generalizados da época, como se verifica de Toscanelli, de a procurar por uma via que se acreditou podesse ser a mais curta, para Ocidente.

As teses anti-puristas, assim chamadas em Itália por procurarem ultrapassar, com recurso a outras fontes, os documentos de tabelionato aceites desde final de oitocentos a favor do Colombo tecelão utilizados pela tese purista, ou clássica - documentos que têm problemas de exegese crítica nalguns pontos - apoiam-se primacialmente na documentação salvaguardada de fins de Quinhentos, relativa aos processos judiciais que nessa época travaram falsos membros da família de Colombo, com alguns verdadeiros parentes do mercenário navegador: apurados judicialmente esses familiares como verdadeiros, identificados os respectivos graus de parentesco com exactidão. Teve esta querela levada à barra do tribunal o propósito de alcançar vantagem sobre bens deixados por Colombo em Castela. Assim, embora ainda não tenha conseguido apurar definitivamente a localidade exacta do nascimento de Cristóvão, as teses anti-puristas crêem pelo menos ter bem conhecida e documentada a sua genealogia, e o ramo dos Colombo a que pertenceu o almirante, à luz das fontes conhecidas exaradas naqueles processos judiciais passados em julgado com força de sentença, naquela época ainda relativamente próxima dos acontecimentos. Justapostas as fontes do processo sentenciado com aqueloutras existentes sobre os restantes ramos de Colombos, não ligados entre si pelo sangue uns, e outros sim. E ainda outros documentos a referir quando oportunamente.

Voltaremos a este assunto quando nos for possível.

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1) Depois de ter suplantado o primitivo relevo inicial de Pisa no comércio mediterrânico, Génova viu, sobretudo a partir de 1420, até finais do sc. XV, a sua supremacia naval e comercial escapar-lhe para Veneza, menos incomodada pela expansão militar de Aragão; a partir de 1498, cede esta o seu lugar de principal entreposto europeu das lucrativas especiarias orientais, tão necessárias não só à alimentação e sua conservação, como também para efeitos medicinais, a Lisboa. Quanto a Génova, acabará por se refugiar na actividade bancária, sofrendo sobressaltos a partir do sc. XVI com as sucessivas bancarrotas e insolvências dos monarcas Habsburgo de Madrid, herdeiros da coroa catalã-aragonesa, em cuja órbita de interesses na Península Italiana passara a situar-se.
2) O Egipto islâmico, então em permanente conflito com a emergente potência otomana, acabará por ceder militarmente e se tornar suzerano dos sultões muçulmanos turcos a partir de 1519. O crescimento simultâneo dos Império Otomano e Português dá-se em choque geo-estratégico, com tentativa por parte de ambos de controle do rico comércio das especiarias entre o Oriente e a Europa. Um pela via terrestre tradicional, o outro pela inovadora via oceânica.
Este choque fica marcado, a partir da chegada ao Índico de D. Afonso de Albuquerque, futuro duque de Goa, nas acções militares portuguesas para estabelecimento e reforço do nosso domínio militar - com fecho naval do comércio pagão subsidiário dos turcos - nas bocas dos Mares Vermelho e Mediterrâneo, e Golfo Pérsico: mormente nas acções de Ormuz, Socotorá, e Alcácer Quibir, pois que em 1578 se corria ainda o risco de ver a suzerania turca, já presente na Argélia, estender-se a Marrocos. Isto teria aberto o Atlântico a acções militares navais e de corso contra o Algarve e ilhas portuguesas, sendo a Terceira a rota de chegada dos comboios navais do Oriente, e até contra a própria Lisboa. Compreende-se assim a acertada decisão militar e estratégica del-Rei D. Sebastião de impedir um Marrocos otomano, não fazendo nisso aliás mais do que aceder aos repetidos pedidos nesse mesmo sentido expressos em Cortes, desde o tempo da sua infância, durante a regência do Reino pela rainha D. Catarina, sua avó. Embora perdida a batalha, e morto o soberano, ficou garantido (com elevado preço) o objectivo aparentemente assim definido.
É legítimo analisar-se comparativamente a situação geo-estratégica da primeira potência continental de então, a Turquia, com os seus acessos oceânicos vitais travados pela primeira potência naval, Portugal, àquela ocorrida no sc. XX, depois de 1945, entre as duas antigas superpotências, a continental russo-soviética, e a oceânica norte-americana.

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