domingo, 21 de janeiro de 2007

As Pseudo-Histórias Castelhana e Catalã - e a simétrica des-colon'ização de Colombo


Portuguesas, Portugueses

Continuamos a navegar ao arrasto do invés da História... e da Península Europeia já ufana ainda em seus andaimes de construção. Enquanto entre nós se trava mesmamente a batalha do "Colon or not Colon, that is the question" (1), dentro da guerra da "Unbearable Lightness of Being Columbus" (2), os nossos vizinhos latinos do Meio Dia Europeu lutam de há muito exactamente em sentido onomástico contrário...

Tal como agora em Portugal o amor ao "retrô" voltou a pôr na moda o processo colon'ial cubano (4) que acreditáramos esgotado, depois da sua inútil propugnação com sucessivo escândalo na década de oitenta, têm vindo também Catalães e Castelhanos a procurar retrovirar cegamente a habitual designação nos seus respectivos países e culturas e idiomas do nome do condottiero marítimo genovês viso-rei almirantado:

Pseudo-História Portuguesa: Colombo > Colom > Colombo > Colón > Colombo > Colón-Zarco > Colon (> Colombo = Colom).
Pseudo-História Castelhana: Colombo > Colomo > Colón > Colom (> Colón = Colombo).
Pseudo-História Catalã: Colombo > Colom > Colón > Colom (> Colom = Colombo).
Pseudo-História Italiana (3): Colombo < > Colombo (> Colombo = Colombo).

Curiosamente, parece que enquanto em Portugal tanta tinta corre de novo a fim de castelhanizarem com êxito definitivo o nome do navegador mercenário italiano para contraproducentemente o declararem de naturalidade portuguesa, as fantasiosas e românticas invenções pseudo-históricas em Castela, em processo absolutamente inverso e simultâneo, como sempre, ao nosso, lutam agora para denominar o ex-Colón de Colom...

A pseudo-história castelhana (6), não menos farta e rica de imaginação e de deficiente manipulação anti-historicista das fontes coevas do que a portuguesa, defende uma naturalidade "maiorquina" para Colombo, enquanto que a pseudo-história catalã lhe defende, naturalmente, a catalã, ou aragonesa lato senso. Pois que enquanto a pseudo-história em Barcelona é nacionalista, vendo como uma só nação os territórios das antigas coroas feudais de língua catalã do Reino de Aragão: Valência, Baleares (incluindo a ilha de Maiorca) e Catalunha, a pseudo-história castelhana actual, aferrada à sua mentalidade imperial de sempre, herdada do hispânico césar imperator Afonso VI de Leão e Castela e Galiza e Portugal, e habituada a dividir as franjas culturais da malha do Reino de Espanha a fim de melhor reinar sobre elas e as castelhanizar pelo centro, a declara "maiorquina", convindo-lhe declarar o falar maiorquino, dialecto do catalão, não como catalão em si mesmo, mas como "língua" pequena, e isolada.

Temos pois que desta vez, embora com mentalidade centrípeta uns, e centrífuga outros, catalães e castelhanos estão unidos, coisa rara, na Pseudo-História, a fim de provarem que Colombo era COLOM, ou seja, "espanhol" (5) e não italiano, ou genovês. Ó Suprema ironia! Haverá quem veja nisto um sinal do "atraso português"... eu diria, pelo contrário, que é sinal do atraso coxo da nebulosa Pseudo-História em todas as culturas e países. Cegas ao quererem chamar à brasa o seu Colom(bo), perdão, a sua sardinha, muito divertidissimamente utilizam os mesmíssimos argumentos baseados em fontes mal analisadas, e interpretadas, manipuladoramente desviadas do contexto, para teoricamente provar com essas mesmíssissimas mesmas fontes ligeiramente perpassadas pelo olhar, o oposto uma das outras!

P. R.

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1) "Colo(n)m_bo ou não Colo(n)m_bo, eis a questão", célebre frase ontológica de Shakespeare no "Hamlet", ou se quisermos, conhecida tirada de Hamlet em Shakespeare; pneuma aplicável a Colombo segundo a Pseudo-História.
2) Segundo a Wikipédia anglófona, a conhecida obra do checo Milan Kundera "A Insustentável Leveza do Ser", ou "The Unbearable Lightness of Beeing", em inglês, descreve "...the fragile nature of the fate of the individual and how a life lived once may as well have never been lived at all, as there is no possibility for repetition, experiment, and trial and error...". Ora, "...a natureza frágil do fado, ou destino que se crê do indivíduo, e o como uma vida apenas vivida uma vez pode perfeitamente até nunca ter chegado a ser vivida, por não haver possibilidade de repetição,experimentação, tentativa e erro...", afigura-se-nos exactamente ser o caso dos Colombo pseudo-históricos, todos tentando obviar a esta deficiência ingénita da Mãe Natureza...
3) A Pseudo-História Italiana também existe... Pode até ser que, no caso de Colombo, tenha sido no sc. XIX a mãe de todas as outras suas filhas, netas, bisnetas, e até já trisnetas, que lhe sucederam e connosco convivem ainda hoje, frescas, robustas, e viçosas moçoilas. Uma prole internacionalizada nobilíssima, de arrogante capa e espada geralmente, sucedeu ao simpático e humilde tecelão que serviu para apadrinhar o lobby italiano na era das comemorações do 1º Centenário da Independência dos EUA, prosápia essa que adquiriu já nacionalidades as mais diversas... Afigura-se-nos que o efeito da tese oitocentista ou purista, em Itália, por alguns dita extrapoladamente genovesa, tenha sido contra-producente à escala global, e ao largar a confusão, tenha aberto a caixa de Pandora da Pseudo-História Universal, com maçadores e intermináveis efeitos repetitivos à vista. Relembremos que o principal motor que alimentou a pseudo-história italiana colombina, essa em grande parte oficializada depois, servindo de principal exemplo talvez dos vastos perigos da Pseudo-História, foi a inadmissível intromissão de nacionalismos deslocados, que cegam necessariamente o zoom correcto, isento. Porque historicista no tangível amor à verdade pura documentável, que deve presidir a qualquer estudo histórico devidamente investigável e fundamentado. Fora de quaisquer ideologias, crenças, ou misticismos deslocados.
4) Lemos divertidamente hoje, em Genea Portugal, que na Idade Média teria havido outra localidade alentejana, perto de Odemira, também chamada Cuba, e que seria essa a verdadeira Cuba de Colombo! Talvez que a defunta Cuba rival, qual fénix renascida, possa ainda vir a suplantar no futuro a nossa Cuba restante, a sobrevivente, universalmente agora conhecida pelo fulgor da sua nova estátua colon'ial, cujo local de implantação, ainda fresco e inseguro, é já contestado, com absoluta falta de patriotismo, aliás, dentro das nossas próprias fronteiras...
5) A designação "Ibéria" dada às Espanhas, ou Península Hispânica, aparenta ser um pretensiosismo fruto da Renascença, sendo essa a palavra que em grego designava apenas a zona costeira oriental da Península Hispânica aonde colonos e mercadores gregos se haviam estabelecido - zona, grosso modo, correspondendo à língua catalã. A palavra comum era a latina Hispânia, que deu Espanha, e abarcava senão toda a Península, pelo menos a sua maioria, a sua maior extensão que fora romanizada. Durante a vida de Colombo, não havia qualquer Espanha, como reino ou como Estado. Ele serviu apenas a coroa castelhana. De facto, só em 1729 o príncipe francês Filipe V ordenou que se pusesse fim às leis castelhanas que oficialmente consideravam estrangeiros no Reino de Castela os naturais de todos os seus outros domínios e coroas autónomas, incluindo portanto todos os catalães e aragoneses, etc. O estatuto de estrangeiro de que gozavam em Castela os súbditos das suas outras coroas impedia-os de ali se habilitarem a quaisquer cargos ou regalias, reservados apenas aos naturais castelhanos.
6) Vd. En Busca de la Verdad, El Verdadero Orígen de Cristóbal Colón: http://www.yoescribo.com/publica/especiales/buscaverdad.aspx?cod=1

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