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segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Uma burguesa no mosteiro de Santos

A experiência continuada de investigação, trabalhando-se com documentação cronológica e tematicamente diversificada, dá a quem a faz uma sensibilidade especial para avaliar o que pela frente se lhe depara. O investigador novato, o estudante, mesmo que teoricamente bem formado, e ainda mais o amador facilmente se maravilha e sobrevaloriza coisas vulgares que mais tarde, já veterano, o levam a sorrir pela ingenuidade então demonstrada. Esta experiência dá-lhe também a humildade para reconhecer as diversas limitações a que está sujeito e lembra-lhe a necessidade constante de reflectir sobre o método e a teoria da sua arte.
Foi tudo isto que pesou no que aqui escreveu o nosso colega e amigo P. R. quando disse que não tinha lido nem leria uma determinada obra, baseado unicamente no que lera em diversos outros locais sobre as questões em causa; foi tudo isso que também pesou quando eu aqui comecei a escrever sem ainda ter lido um determinado livro. Não estou arrependido nem, assim o julgo, o meu amigo P. R. o está.
Reflexão teórico-metodológica feita, passe-se ao sumo deste texto.
Numa pausa do trabalho normal na TT procurei um dos documentos referidos por Manuel Rosa relativos a Filipa Moniz. Se a referência não está errada pelo menos está incompleta e a falta de tempo para estes assuntos secundários não me possibilita uma pesquisa mais aturada. Assim lancei a rede para ver o que nela cairia e o resultado, não sendo o procurado, acabou por ter o seu interesse pelo valor pedagógico que terá para os admiradores das ideias que postulam um Cristóvão Colombo português.


TT, Mosteiro de Santos-o-Novo, Doc. 521 (Antigo Mç. 22, n.º 521).

Edição Paleográfica - Excertos
(…)
Em nome de Deos Amen Saibão todos que na Era de mil e quatrosentos e seis anos comvem a saber vinte dias do mes de Janeiro em logo que chamão Palma da par da çidade de Lisboa em huma quinta que em outro tempo foi de Goncallo Gil Palha e depois de Vasqu’Eanes mercador vezinho e morador na dita çidade no Adro de São Nicullao a qual dezião que o dito Vasqu’Eanes hi ouvera e lograra a merce da ditta quinta que lhe della fora feito per el-Rei dom Afonço per rezon que o dito rei mandara filhar e vender a ditta quinta ao dito Goncallo Gil em prezensa de min Domingos Afonço tabalion del-Rei na dita çidade e testemunhas ao diante escriptas [espaço em branco] procurador-geral do mosteiro de Santos da par da dita sidade procurador espesial que ser mostrou de Margarida Vasques dona profesa do dito mosteiro filha lidima e erdeira do dito Vasqu’Eanes e de Sancha Rodriguez sa molher per poder de huma procurasão escripta he asinada per min o dito tabalion que contava que fora feita no dito mosteiro de santos por lisença e outorgasão de dona M[ai]or Pires comendadeira e doutras muitas boas donas e convento do dito mosteiro todas juntas e chamadas a conselho per campa tangida segundo he de seu costume espesialmente pera esto que se a diante segue doze dias do sobredito mes e era na qual era conteúdo amte outras cousas que a dita Margarida Vasque[s] per poder da ditta lisença fez e ha estaballeser per seu procurador (…) que per ella e em seu nome possa pedir demandar e reseber procurar e mostrar e pedir demarcasois (...) e sobre qualquer couza e posesois e novos e rendas de pão que delles naserão e desenderão [espaço em branco] remetir e pera dar per quites e livres (…)

*
Este excerto foi transcrito dum documento que diz ser uma pública forma feita em 2 de Janeiro de 1636 duma procuração passada em 12 de Novembro de 1368 por uma residente no mosteiro de Santos. Na realidade trata-se duma cópia simples e incompleta, com valor meramente informativo, seja porque o escrivão teve dificuldade em ler o original do século XIV, seja ainda por o pergaminho se encontrar em mau estado, ou ainda porque o cliente acabou por se satisfazer em saber só o conteúdo do documento. Seja como for, o contexto arquivístico em que o documento se encontra parece, à primeira vista, conceder-lhe autenticidade quanto ao conteúdo.

Este documento ajuda a desmistificar duas afirmações da pseudo-história colombina.
Postulado pseudo-histórico: O mosteiro de Santos albergava senhoras da mais alta-nobreza.
Realidade histórica: Como se pode ler, Margarida Vasques, «dona professa» do mosteiro de Santos, é filha do mercador Vasco Eanes e de sua mulher Sancha Rodrigues.
É verdade! A filha do mercador é «dona professa» do mosteiro de Santos. Nenhum deles (pai, mãe, filha) é dom. E a filha dum mercador não é da mais alta nobreza, nem tampouco nobre, é… plebeia.
Conclusão: Dona Maior Pires, comendadeira do mosteiro de Santos, dá licença e outorga a procuração que Margarida Vasques passa. Repare-se que só a superiora tem o título de dona antes do nome, um título que, se mais não for, é inerente ao cargo que ocupa. Também no documento anteriormente transcrito há a distinção entre donas e não donas de direito pelo uso que se faz do título antecedendo os respectivos nomes.
Postulado pseudo-histórico: É invulgar a existência de espaços em branco na documentação e estes ocultam factos que se querem esconder.
Realidade histórica: Só neste documento ocorre duas vezes o espaço em branco. A primeira onde deveria figurar, pelo menos, o nome do procurador-geral do convento de santos e a segunda deveria enumerar um, ou mais, dos muitos poderes delegados no procurador. São situações que resultam, muito provavelmente, do facto do escrivão do século XVII não conseguir ler o que foi escrito no século XIV, fosse por dano no documento fosse por limitação própria a nível da paleografia. O espaço ficou em branco para preenchimento posterior se alguém conseguir ler o que lá está ou souber que lá deve figurar.
Conclusão: Porque a existência de espaços deixados em branco no meio dum texto ocorrem com alguma frequência, o historiador não sente grande estranheza quando estas se lhe deparam. Contudo, perante elas não se sente autorizado a enveredar por especulações delirantes, como aconteceu ao romancista José Rodrigues dos Santos seguindo outros amadores da investigação histórica que antes dele pasmaram diante da palavra «italiano» num espaço previamente deixado em branco na crónica de Rui de Pina.


Adenda: Um exercício útil seria fazer neste manuscrito o levantamento de todos os espaços deixados em branco e preenchidos posteriormente.

quinta-feira, 8 de março de 2007

São Cristóvão Colombo, e o Santo Graal na Cuba do Alentejo

O Santo Graal (13)

Na esteira do sr. Manuel Rosa, o sr. Carlos Calado reafirmou recentemente (1) que nós Pseudo-História Colombina alguma vez escrevemos que o italiano Colombo tivesse sido o tão famigerado tecelão da cidade de Génova encontrado no sc. XIX pela historiografia italiana dita purista. É consabido que bem pelo contrário, desde o início das nossas intervenções neste blogue, chamámos a atenção para o facto de que o nome Cristóvão Colombo era em Itália quase tão vulgar como entre nós o do grande António Silva... e que lemos que se documentam em Itália, coevos seus, vários Cristóvãos Colombo, sendo que o condottiero corsário depois ao serviço da coroa castelhana poderia nem ser algum deles, mas outro qualquer de que não restasse, ou se desconhecesse documentação italiana, antes de ter ficado conhecido o mercenário fora da sua pátria.

Mais absurdamente ainda, em Génea Portugal, lemos o sr. Manuel Rosa queixar-se de que "agora que ele denunciou que Colombo não era o tecelão, querem roubar-lhe a descoberta e vir dizer que a tinham afirmado publicamente antes dele"... Citamos de cor este seu espantoso desabafo, pois infelizmente não marcámos a página aonde se encontra registado, algures dentro da embrenhada colombina selva dos disparates que corre naquele fórum...

O sr. Manuel Rosa, como sabemos, dizia ter estudado quinze anos a temática colombina, depois por ele próprio rectificados para quatorze nas páginas deste nosso blogue o ano passado, e, finalmente, aqui mesmo confessando em momento de franqueza expansiva terem sido apenas treze os anos consagrados a esse esforço, voltando agora no entanto a publicamente referir, impávido sempre, decerto em boa fé, os famigerados quinze anos (3) demasiado incompletos a nosso ver, talvez por serem número esotérico ao qual não queira ou não o deixem já fugir a incoerência... ou considere não ser de bom augúrio o número treze. O sr. Rosa, dizíamos, que tanto se ufana de ter lido e coligido a maior bibliografia de sempre sobre Colombo, necessita em nossa opinião de ver bem se essa bibliografia estará completa... pois que na realidade, tal como já tínhamos avançado ab initio, o sr. Rosa sempre deliberadamente ocultou, nos dois últimos anos em que o lemos quase diariamente, as várias teses anti-puristas italianas de que já em tempos nos ocupámos, e que revêm à luz documental a génese italiana de Colombo, considerada cronologicamente incompatível com a do Cristóvão Colombo tecelão... Ora esses estudos históricos italianos anti-puristas têm já vários anos, e estão amplamente divulgados, até na Rede, e não cremos portanto que o sr. Rosa saisse a terreiro na "Ibéria", (10) como gosta de dizer, sem deles ter conhecimento...

Apenas, sabendo nós como o sr. Rosa ingenuamente gosta de chamar a si as descobertas e enunciados alheios, anunciando-os ingenuamente como seus, cremos que não lhe convinha referir os estudos total ou parcialmente sérios existentes em Itálias na área colombina, a fim de poder passar melhor a sua disparatadíssima tese de um Colombo português reapresentado ademais com sobrenome castelhanizado!

Ora como a insegurança, a ignorância e a inocência seguem o publicado recente, ou na moda, vemos cada vez mais pessoas lusófonas na Rede a singularizarem-se adoptando a nóvel ridícula denominação de Colombo oficializada interesseiramente pela Câmara da Cuba diante dos seus Paços do Concelho: "Colon"... Por este facto responsabilizamos inteiramente os srs. Mascarenhas Barreto, Rosa, Calado, e sobretudo a Câmara de Cuba,na pessoa do seu presidente sr. Orelha, que é de todos a única entidade, porque oficial, que nunca se poderia permitir tamanho dislate e atentado à verdade historiográfica documentada.


Mas voltando ao Colombo frio, apesar de os seus próprios seguidores já terem chamado a atenção de Manuel Rosa que nós próprios nunca indicámos outra coisa senão essa verdade documentada, ou seja, que Cristóvão Colombo era lígure, natural dos Estados de Génova, e portanto italiano, continua a ser divulgada a mentira, que lhes seria conveniente que fosse verdadeira, de nós defendermos a tese do tecelão, o que nos pareceria tão pouco adequado como defender a tese catalã, a galega, a grega ou outra qualquer... antes de termos terminado de as estudar, e podermos pronunciar-nos com a isenção necessária, conforme prometido aos leitores do Pseudo-História Colombina. E temos até ideia de já nestas páginas termos referido que o ponto mais fraco da argumentação a favor do Colombo da cidade de Génova é a incompatibilidade cronológica aparente da documentação deste com a biografia conhecida e documentada do aventureiro genovês. Não o facto de ter nascido eventualmente burguês e plebeu... como querem os pseudo-históricos portugueses, que tanto gostam de mitificar a Nobreza de Portugal, distinta das restantes nobrezas europeias na sua idiosincrasia, e que tão mal estudada trazem.

Aproveitamos aqui para um esclarecimento que julgamos útil aos crentes fundamentalistas das teorias esotéricas portuguesas sobre Colombo: estes dois colombistas portugueses, no seu espanto de que a historiografia portuguesa coloque geralmente Colombo no seu verdadeiro papel, e importância, fora da mitificação que lhe atribuiem as historiografias castelhana, italiana, e norte-americana tradicionais, entendem por isso que todos os historiadores portugueses acharam por bem debruçar-se atentamente sobre o mero pormenor histórico que são as origens intra-italianas de Colombo. Na realidade, tal como nós já havíamos avançado, cabe sobretudo à historiografia italiana a necessidade de se interessar, reestudar, e reapresentar o primeiro periodo colombino, antes dele sair de Itália, depois de expurgados erros documentais e interpretativos criados pela história nacionalista de Oitocentos. E a historiografia portuguesa tem muitíssimo mais com que se ocupar do que entrar na guerra colombina sobre as origens familiares de Colombo, tão avidamente disputado entre Castela, a Catalunha e a Itália por não
disporem de outros navegadores oceânicos de renome mundial, como também já aqui havíamos dito.

Quanto ao sr. Carlos Calado, e à crítica que nos tece, deixa-nos estupefactos, na medida em que temos vindo a ser acusados pelos rosistas e cubanistas colon'iais de ser elitistas, e de menosprezarmos qualquer trabalho de investigação que não seja académico... Na realidade, desprezamos sim é trabalhos de investigação quando elaborados sem ponta por onde se lhes pegue, com desprezo da Razão, dos documentos válidos coligidos, e sobretudo do bom senso! E isto, ou a falta disto, pode existir e existe decerto até dentro de pessoas com graus académicos em História, e não existir em alguma investigação séria e independente, completamente louvável. O preconceito, obviamente, parece encontrar-se sim em quem nos acusa, ao escrever "...Esta tese do Colombo “não necessariamente tecelão” foi, como se esperava, iniciada por um genovês de nome Vittorio Giunciuglio, simples operário reformado que escolheu a história como hobby. Claramente um distintíssimo membro da comunidade científica tantas vezes invocada como júri da verdade. É esta tese perfilhada pelo pseudo blog..." (1).

Ora nós nunca tínhamos sequer ouvido falar em tal nome, que nos recordou o da gentil Gigliola Cinquetti dos anos sessenta pela dificuldade da sua pronunciação. Mas facilmente o encontrámos na Rede, realmente pintando Colombo cheio de teorias conspirativas neo-templárias, eventualmente romãs, mistérios indocumentados, espíritos revelados, lógicas por desvelar, e muitas outras coisas tão ao gosto sim do sr. Calado e do sr. Rosa... o que nos espanta é que alguém que tem um grau em Marketing, entre outros, e alguém que apoia a ridícula e mentirosa oficialização em bronze municipal de teses há muito desmontadas e ridiculizadas pela comunidade científica portuguesa, e por qualque pessoa de mero bom senso, atreverem-se agora a vir ridicularizar publicamente um seu colega italiano, de nacionalismo esotérico apenas comparável em Portugal à cena colon'ial perpetuada para turista ver diante da Câmara da Cuba, com a bênção socrática do punho fechado rosa actualmente no poder...

Armas de Inocêncio VIII
Faiança de Lucca della Robbia

Pois que realmente, atente-se, declarar o cruel ou implacável genovês "São Cristóvão Colombo" (4), como pretendem alguns mais fanáticos dos da Pseudo-História italiana, indignando-se por dois papas lhe terem recusado uma canonização política no sc. XIX, não é menos disparatadamente nacionalista do que defendê-lo como português natural, e filho de infantes, e Colonna de sangue, e outras patacoadas que tais. Começámos então a entender os actuais receios eventuais dos colon'iais lusitanos - o receio de que a estátua a Cristóváo "Colon", de castelhano bronze fundido em Madrid, tal como o renomeado Colombo ali representado, perdesse para alguma estátua a São Cristofero Colombo erigida em Itália... E nesta nossa divertida busca, fomos ter a Ruggero Marino (6), deixando apenas de parte a afirmação hebraica para Colombo, que já não tivemos tempo nem paciência para investigar.

Procurámos então encontrar qual a razão porque alguns escritos ligariam este referido jornalista e historiador pseudo-histórico (5) ao pouco inocente e prolífico Inocêncio VIII. Ao autor da bula "Summis desiderantes affectibus", que confirmando oficialmente em 1484 a existência da bruxaria como algo de essencialmente feminino e ligado à Heresia deu origem a nova e longa, misógina caça às bruxas na Europa, perseguição que vitimou essencialmente mulheres com sabedoria naturalista popular, por mera superstição dos seus perseguidores. Ao papa concessor do título de "Católico" ao rei de Aragão e Castela Fernando V.

Inocêncio VIII

Sobre um Inocêncio VIII eventualmente ligado a um financiamento da primeira viagem de Colombo, encontrámos uma curiosa carta (2). Ignoramos se verdadeira, está publicada numa página histórico-esotérica italiana, aonde o conceituado historiador semi-oficial nacionalista Taviani não recusa a existência de um documento referindo ou indiciando esse assunto - carta que precedeu necessariamente os extrapolamentos esotéricos que logo em seguida levaram a severas críticas da historiografia italiana sobre Marino, e parece que também sobre o desprezado operário referido depreciativamente pelo sr. Calado. Não lemos nem um, nem outro... Interessa-nos apenas o documento, sua veracidade eventual, e existência factual. Evidentemente que não duvidamos que a carta de Taviani a Marino seja apresentada isolada, e fora de contexto, para fins menos claros posteriores à sua escrita.

Repita-se agora, forçando os sorrisos, que estas teses, que correm a Internet, declaram Colombo como São Cristóvão Colombo, filho ilegítimo do Papa... Com papa tão corrupto, carecendo de dinheiro até ao ponto de criar cargos novos apenas para os vender, e um "filho" tão cruel, como ambos se documentam face à História, a santidade precisará a nosso ver estar mais com o leitor paciente, do que com os Cibos, verdadeiros e alegados...

Jazigo de Inocêncio VIII

Inocêncio VIII tomou ordens já com filhos naturais reconhecidos, tratados como tal na corte papal, sendo todos os restantes que lhe nasceram abundantemente de várias mulheres depois de sacerdote tratados, ao jeito do habitual nepotismo da época, como sobrinhos. É até costume referir que João Baptista Cibo é um dos pais biológicos de Roma. Apesar de ter crescido na corte napolitana, a sua origem genovesa parece ter-lhe sido realmente importantante, visto ter usado nas suas armas a cruz de S. Jorge genovesa em cima do brasão dos Cibo, e ter adoptado ao ser eleito o nome Inocêncio em homenagem a outro papa de Génova, Inocêncio IV.

Pareceu-nos que a principal falsa pista em que se baseia o sr. Marino para presumir missões secretas de Colombo à América, e uma sua chegada ali antes de 1492, seja a má compreensão do panegírico inscrito no túmulo de Inocêncio VIII existente em S. Pedro, túmulo realizado pelo Pollaiolo em 1498, que leu sem lhe entender o contexto, decerto. Diz este letreiro:

"D.O.M. / INNOCENTIO VIII CYBO PONT. MAX / ITALICAE PACIS PERPETVO CVSTODI / NOVI ORBIS SVO AEVO INVENTI GLORIA / REGI HISPANIARVM CATHOLICI NOMINE IMPOSITO / CRVCIS SACRO SSANCTAE(sic) REPERTO TITVLO / LANCAE QVAE CHRISTI HAVSIT LATVS / A BAIAZETE TVRCARVM IMPER (ATORE) [ldepois riscado e corrigido por] TYRANNOI DONO MISSA / AETERNVM INSIGNI / MONVMENTVM VETERE BASILICA HVC TRANSLATVM / ALBERICVS CYBO MALASPINA / PRINCEPS MASSAE / FERENTILLI DVX MARCHIO CARRARIAE ET C. / PRONEPOS / ORNATIVS AVGUSTIVSQ. POSVIT ANNO DOM. MDCXXI".

Traduzimos o início - Deus, Óptimo, Máximo/ Inocêncio VIII Cybo pontífice máximo/ custódio perpétuo da paz itálica/ glorioso inventor no seu tempo do Novo Mundo/ impositor do nome católico ao rei hispânico/&. Ora o "mistério" consiste para Ruggero em que Colombo partiu para a sua 1ª viagem de mercenário oficial em 1492, justamente quando este papa morreu, e daí atribuir-lhe Marino a encomenda e financiamento parcial da viagem, e o conhecimento anterior de outra viagem não-oficial de Colombo ao continente americano antes dessa data. Assim, Cristóvão Colombo é dito seu filho... com Anna Colonna (4), cronologicamente uma madura senhora de quem o púbere João Baptista, bem longe ainda de sonhar vir a ser papabile, o teria tido aos quatorze anos de idade. O "filho" da senhora Colonna e do Papa iria pois à América buscar o oiro necessário a seu "pai" para efeito da nova guerra de cruzada contra o turco requisitada por este à Cristandade...

Ruggero Marino, e eventualmente Vittorio Giunciuglio, ao levar em conta quanto reza este epitáfio, não souberam historiar e enquadrar a feitura do mesmo... Com efeito, ali a parte final informa-nos que o dito foi mandado escrever (parte do letreiro, inclusivamente, riscada e reescrita por cima posteriormente) pelo bisneto do Papa, Alberico Cybo Malaspina, príncipe de Massa, duque de Ferentilla e marquês de Carrara (7), no tardio ano de 1621, 123 anos depois da morte do papa Cibo, quando mandou trasladar para a nova basílica de São Pedro o túmulo de seu avô que se encontrava antes na demolida basílica medieval. Este monumento funerário é aliás o único entre os de todos os papas que gozou do privilégio de ser transferido da basílica velha para a nova, talvez em atenção a este seu bisneto, ou ao facto deste ter suportado os custos associados.

Evidentemente, e dentro da tendência de exaltar o bisavô, expoente máximo da glória da sua Casa, o velho príncipe de Massa, já no fim da sua vida, ou algum dos seus fâmulos terá feito confusão histórica, talvez por má compreensão do epíteto Católico dado ao Fernando V rei de Aragão e Castela (12), ou por vontade de ligar o antepassado à chegada castelhana à América, fonte dos proventos metalíferos que haviam permitido aos reis Habsburgos de Madrid alcançar o topo do seu poder que então apenas iniciava a decadência. Assinale-se que o túmulo do Pollaiolo é o primeiro sepulcro papal conhecido em que o morto, além de representado jazente, é figurado também sentado em trono, figurativo do seu poder temporal elevado à majestade temporalizada do sólio pontífício.

Motivados ainda pelos esotéricos dizeres do sr. Calado a respeito do genovês Inocêncio VIII, no século João Baptista Cibo, fomos investigar a etimologia do seu sobrenome - que em italiano se lê "Tchíbò" - confessando que esperávamos encontrar significado igual ou parecido para chibo, jovem cabritinho como se sabe, dada a semelhante pronúncia das duas palavras, italiana e portuguesa. Mas não: a palavra cibo parece ter sido usada em Itália passando a designar a quantidade de comida necessária para pagamento de uma jorna de trabalho agrícola avulso... Cibo - lê-se "sibo", escrevendo-se igual - é palavra que existe em português como em italiano, e na nossa língua usa-se hoje em dia para designar um bocadinho de qualquer coisa, por exemplo pequeninas doses de ração, especialmente as que são dadas às aves. Mas (vede só o perigo...) cibo é nome que chegou ao latim oriundo do grego (valha-nos Deus, lá vem membro!).

Designando inicialmente como dissemos a ração de alimento a ser fornecida a pequenos animais, passou cibo a designar depois pequenos vaso de barro aonde esta lhes era fornecida, e suspeitamos que esses vasos pudessem ser cúbicos... :) Recorrendo então ao habitual diccionário Priberam em linha, verificámos que cuba e cibo têm etimologia diversa, embora ambas designem recipientes, vindo Cuba do latim cupa, que depois dará copa (outro nome de taça) e copo. Pelo que o sr. Calado pode ficar sossegado, não terá que ligar a sua terra ao papa "templário" que trouxe à baila, a não ser que este por alguma forma tenha estado ligado ao cultivo das romãs. É pena... uma estátua de Inocêncio VIII não substituiria mal a de Colombo que recentemente colocaram em praça, visto não quererem ali colocar o alentejano Gama...

A terminar, pensávamos nós que os srs. Rosa e Calado teriam entendido, depois da conferência na Sociedade de Geografia de Lisboa do Doutor Contente Domingues, que para a historiografia portuguesa a questão das origens exactas de Colombo relevam do mero pormenor com algum interesse, e não são questão fulcral com que tenha de se ocupar prioritariamente... Mas enganámo-nos, diante deste texto... que revela ao Mundo que Nosso Senhor Jesus Cristo nasceu hebreu! Quem diria...

Infante D. Fernando

Parafraseando o sr. Rosa, há que exigir provas de tamanha afirmação! Sugerimos portanto aos srs. Rosa e Calado que escrevam ao seu esotérico colega em espírito, Giunciuglio, a fim de lhe exigirem as evidências documentais de que Jesus nasceu judeu, e pelo caminho sempre podem aproveitar para lhe perguntar se saberá explicar a presença de romãs esculpidas na porta da capelinha da Cuba.

Sobre este assunto, adiantamos uma sugestão a jeito de prémio de consolação à ainda por descolon'izar Cuba do Alentejo: Já que com muita pena nossa ali não nasceu o Salvador, trazemos-lhe hoje por alvíssara a descoberta de que agora há quem afirme (8) que se guarda na dinamarquesa ilha de Bornholm o tão procurado Santo Graal... ali depositado pela extinta Ordem do Templo. Mas que pela nossa pesquisa do radical etimológico do nome da Cuba, afigura-se-nos essa crença um impossível, e que o conteudo do Cálice por todos desejado mas só acessível a Galaaz se encontrará decerto em solo cubense, ali depositado pelo Infante D. Fernando, duque de Viseu e de Beja, administrador das ordens de Cristo e de Santiago, como no-lo-prova à evidência o seu nome de Cuba, ou Taça, que sabemos único na geografia europeia.

Acresce que as próprias armas do concelho (11) ainda hoje aludem a este misterioso facto: usam basicamente as cores verde e oiro, as cores pessoais da dinastia de Aviz. Temos ainda a púrpura, pelo espírito, e o vermelho, pela matéria. São quatro as espigas, número da terra, e dois os cachos, revelando a dualidade a esta associada no seu movimento inferior receptivo e gerador de forma para o espírito manifestado; e uma única a haste de oliveira, aludindo à unicidade tríplice do Agnus Dei, ou Cordeiro da Paz, primeira pessoa da Santíssima Trindade. As espigas ali estão pelo trigo do pão ázimo de que é feita a Hóstia, e a uva tinta está pelo sangue do Redentor contido no Graal. O laço, símbolo dos Iniciados de Amor desde pelo menos os tempos de Joaquim de Flora, e já cantado pelo Dante, é encarnado, representando a libertação humana do Desejo e da prisão da Carne pela transcendência da união mística com o Cristo, na unidade do Espírito Santo. Quem sabe se os cubenses, escavando junto à Capela das Romãs, não irão encontrá-l'O, e com Ele diante, possuir finalmente o verdadeiro e único Salvador dos Homens (9) ...

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1) Estrambólica crítica do sr. Carlos Calado ao Pseudo-História Colombina, que republicámos já nos comentários ao nosso post "Alucinações".
2) Algumas das teses pseudo-históricas italianas actuais consideram Cristóvão Colombo filho ilegítimo, para variar... "misterioso" e "secreto", do corrupto papa. Não entendemos porque S.S. o teria secreto, quando assumiu e estableceu rica e poderosamente todos os seus numerosos outros filhos espúrios... Lá como cá, desejam testes de ADN a fim de poderem provar que Colombo era um Cibo...
3) Cf. Quinze anos é muito tempo.
4) Evidentemente, os defensores de "Sâo Cristóvão Colombo" filho "secreto" do papa Inocêncio VIII em missão da Igreja Católica para tomar posse oficial do Novo Mundo, também o declaram, ora não, templário, e, claro, dão ao "Kolon-membro" uma mãe Colonna, Ana Colonna, essa documentada como mulher madura quando o pai suposto, Gianbattista Cybo, teria apenas quatorze anos... Supomos terem lido sem o citar a Mascarenhas Barreto... ou nacionalizando as teses de Barreto ao sabor do seu interesse pelo mistero-spaghetti.
5) Nunca lemos, entrevimo-lo apenas em linha para efeitos deste artigo, e bastou. Trata-se de um jornalista que durante as comemorações colombinas de 92 foi severamente criticado pela historiografia italiana devido às suas teses pseudo-históricas colombinas não menos mirabolantes do que as portuguesas.
8) Em "The Templar's Secret Island" (A Ilha Secreta dos Templários), livro pseudo-histórico de 194 páginas escrito pelo dinamarquês Erling Haagensen em parceria com o inglês Henry Lincoln, é apresentada a teoria que o Santo Graal e a Arca da Aliança provavelmente foram escondidos pela Ordem dos Cavaleiros Templários na ilha de Bornholm, no Mar Báltico, há cerca de 830 anos atrás.
9) Esta nossa pseudo-história cubense está tão bonita e coerente, que até já nós acreditamos nela... Que não no-la ousem rebater! Iremos submetê-la à apreciação da Fundação Alentejo Terra-Mãe... quem sabe!
10) A Península Hispânica, mesmo depois de redenominada Ibérica, graças a Deus ainda não constitui um único mercado de informação, apesar do tradicional imperialismo cultural e económico castelhano, disfarçado sob o nome de "espanhol", com tendência a ser seguido pelas grandes multinacionais.
11) As armas da vila de Cuba sob o regime republicano são: escudo de verde com um ramo composto de quatro espigas de trigo de ouro e uma haste de oliveira de verde florida de prata, tudo atado de vermelho. O ramo acompanhado por dois cachos de uvas de púrpura e sustidos de ouro. Coroa mural de prata de quatro torres. Listel branco com os dizeres : " VILA DE CUBA ", de negro.
12) Por eventualmente associar a concessão ao rei de Aragão como fruto da descoberta oficial da América, e não, como efectivamente aconteceu, pela conquista definitiva do reino de Granada.
13) O Graal é uma lenda alegórica medieval com origem céltica, melhor estruturada depois do sc. XII e que precedeu o conceito moderno de Sagrado Coração de Jesus, podendo ser correlacionado o seu significado com o ensinamento religioso oriental relativo ao 4º chakra, assim como ao indiano Krishna e outros avatares. Procura sistematizar Sabedoria teológica.
Neste ícone ortodoxo encontramos uma mandala cristã perfeita: vemos uma Virgem Negra coroada, vestida de azul e encarnado, bordado de estrelas de oiro do Céu o pano azul, e de folhas doiradas da Terra o tecido vermelho, simbolizando estas cores a dualidade do feminino puro desdobrado e presente potencialmente no Espírito, e concretamente na Matéria, respectivamente. As mãos de Nossa Senhora, de pele negra por mero simbolismo da Morte que é a Matéria para o Espírito, porque de feições inteiramente caucasianas, encontram-se completamente abertas e receptivamente levantadas para o Alto, e ao mesmo tempo como que abraçando e abençoando quem a contemple, em gesto de Paz. O seu resplendor circular vazio de raios sugere este ser receptivo à Luz divina, e não irradiadora da mesma, como se vê no do Seu Filho. Também o campo vazio da sua auréola, mais sugerida do que pintada, não contém qualquer cruz, como a do Filho, mas apenas a coroa de quatro florões trilobados e dois aros divergentes, mostrando o quatro da matéria elevada na dualidade chamada a reinar sobre o plano físico, aqui presente na densa cor encarnada do toucado por sobre a coroa, também ele decorado com duas áureas flores espirituais. Os dois aros emergentes do diadema fechado divergem a partir de um aro único ascendendo desde a base da coroa da Senhora, e mostram-nos a separação do Uno em Dividido que permite a reprodução.
A Mãe Divina representa aqui principalmente o feminino telúrico e o inconsciente oculto, sobreposto e alinhado o seu coração ao do andrógino Menino Salvador contido dentro do Cálice do Santo Graal, que por sua vez figura a Transubstanciação redentora que Cristo veio exemplificar ao Homem. A Taça assenta em cúbico sacrário, guardião do mistério da Eucaristia, e este está assentado no trono tradicionalmente atribuido pela iconografia medieval a Deus Padre, assim presente aqui apenas invisivelmente.
O Cristo está pintado com uma auréola de energia doirada circular, símbolo da Perfeição do Amor Divino a quem se Lhe reuniu e O irradia agora conscientemente para todos os Seres. O círculo da Sua auréola contém uma cruz, símbolo da dolorosa tensão da Matéria da qual se libertou apenas pela morte da Sua condição humana inferior pela fecundação do Espírito a quem uniu a Sua vontade; e esta auréola de Luz e o Seu corpo encontram-se contidos num semi- resplendor de Luz Divina, de forma oval, chamado mandorla. A Mandorla alude aos ciclos da Manifestação do subtil Divino esférico na grosseira Matéria cúbica, movimentando-se a Vida espiraladamente pela tensão existente entre a força da inércia yin e a força actuante yang, conformes ao conceito espiralado grego do Tempo. E contido este entre o Princípio e o Fim do movimento do Espaço pluridimensional, entre o Alfa e o Ómega, a primeira e a última letras do alfabeto grego que isso mesmo simbolizam, e se encontram aqui uma de cada lado do Cristo Graal como Centro do Grande Ciclo Único Inclusivo e Exclusivo, Ascendente e Descendente, Evolutivo e Involutivo, manifestado em espiral por sucessivos subciclos repetitivamente diferentes, alinhados e reunidos pela imaginária linha recta interna reunindo os centros entre Alfa e Ómega. Linha essa que simboliza o irreal tempo linear circunscrito ao limitado plano dos cinco sentidos, e por isso mesmo representada aqui horizontalmente ao nível da cabeça do Cristo.
O Espírito Santo encontra-se presente na Pomba descendente, mostrando pelo merecimento da Graça alcançada pela Pureza a fecundação espiritual da Virgem pelo invisível Pater, ou Fonte Una do Espírito, que lhe permite conceber na sua entrega total e sem mácula ao Filho de Deus no seu coração, como no seu seio.
O coração do Filho, apenas visível depois da morte do Ego, está centrado e alinhado na composição não só com o da Mãe, visível, como também com o do Pai, invisível, simbolizando na unidade do Espírito Santo ou Luz ligando os três o exemplo da Redenção, da transubstanciada Ressurreição da Matér-ia além do desejo egoista separativo pela sua união perfeita com a vontade altruista unitária do Espírito primordial e final que contém a Matéria em que se desdobra.
Fora do campo sagrado rectangular da mandala aonde estão o Pater, a Mater, e o Filius, vemos um santo, e uma santa, a quem é permitido no entanto contactar e tocar a Divindade, pela sua proximidade desta no exercício da Caridade, ou exercício do Coração. Encarnam aqui o princípio feminino, e masculino, as duas colunas da divisão do uno que por polaridade permitem a Manifestação eternamente renovada e cíclica da Existência, polarizada sistemicamente entre o Visível e o Invisível.
A originalidade principal desta iconografia ortodoxa é representar a própria figura do Cristo como Santo ou Puro Graal, e não à côncava taça aonde José de Arimateia teria lendariamente recolhido o Seu sangue, geralmente presente na iconografia cristã ocidental. A origem da palavra Graal significou no Ocidente um prato redondo e côncavo, depois passando a designar a taça contendo o vinho simbolizando o Sangue figurativo da presença espiritual de Cristo na Eucaristia celebrada dentro da consciência individual de cada um.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Corpo Coeso de Fontes e Estudos Sobre a Naturalidade Italiana de Colombo

Curiosamente, em relação àqueles que contestam a naturalidade italiana, ou dão como não conhecida a Colombo a sua naturalidade, a única tese sobre o nascimento exacto do condottiero marítimo não aceitável é, justamente, a "tese portuguesa". Além da unanimidade das fontes e estudos de época,existem boas razões para isso. Uma das que não costumam ser referidas, é que jamais apareceu família sua portuguesa a reclamar qualquer direito aos seus bens no sc. XVI, enquanto que castelhanos e italianos, uns falsos, outros verdadeiros, foram inúmeros, dado o montante e o relevo desses bens. Também o testemunho de Rui de Pina, que o conheceu pessoalmente, não deixa muitas margens para dúvida, não tendo sido no entanto o único português do seu tempo que o conheceu pessoalmente... Defendem no entanto incansavelmente os da "tese portuguesa" e do "mistério" que apenas existiu em Portugal o mesmo testemunho de Rui de Pina, e que os restantes estudos coevos são mera cópia do cronista-mor. As crónicas eram manuscritas, no entanto, não estavam impressas, e muito menos acessíveis a qualquer um... só por especial privilégio alguém poude ter licença, na época, de aceder aos cartapácios e poder lê-las. Em segundo lugar, tal afirmação é rotundamente FALSA.

Ao ser reapresentado em linha o sempiterno argumento de insuficiência documental quanto à identificação de Colombo na referida crónica de Rui de Pina, que teria sido copiado nos escritos portugueses de Quinhentos que se lhe seguiram, e reafirmando-se ainda com contumácia que o aventureiro Colom em Castela não era o mesmo Colombo que residira anteriormente em Portugal, reiterando-se outrossim que o nome Colombo não deu em Castela por apócope as palavras Colomo, e Colón, como toda a historiografia castelhana sempre reconheceu aliás, víamo-nos aqui obrigados ao trabalho escusado de recensear uma boa maioria de fontes e estudos coevos de Colombo, a fim de salvaguardar leitores incautos e menos informados de cairem em dúvida quanto a este argumento incorrecto, e demagógico.


Este trabalho de recenseamento estava no entanto já suficientemente feito pelo sr. Coelho,
esclarecido interveniente no fórum Génea Sapo, a quem pedimos escusa para aqui, com melhor
evidência e acessibilidade na net, o reproduzir, reunindo-o dos vários posts dispersos em que se
encontrava colocado.

1. Quanto a apenas existir o testemunho de Rui de Pina sobre o uso em Portugal do nome Colombo, depois disso sempre copiado pelos estudos quinhentistas portugueses seguintes, e quanto ao facto evidente e indiscutível de que Colombo, Colomo, Colom e Colón são diferentes formas porque no seu tempo foi denominado indiferentemente, consoante os países, o futuro almirante "descobridor do caminho marítimo para a Índia... de Castela", refere o Sr. Coelho (1) uma apesar de tudo não exaustiva, mas suficientíssima na demonstração do ponto.

Lista de 22 referências documentais escritas por contemporâneos de Colombo

1486, Alonso de Quintanilla – Colomo
1487 (Agosto), Francisco González, de Sevilla – Colomo
1487 (Maio), Francisco González, de Sevilla – Colomo
1487 (Outubro), Francisco González, de Sevilla – Colomo
1488, Dom João II – Collon, Colon (esta, aduzimos nós, PHC, por estudar e comprovar no único documento conhecido).
1489, Isabel a Católica – Colomo
1492, Capitulações - Colon (estas, sitas no Arquivo da Coroa de Aragão, terão sido traduzidas
segundo segundo alguns pensam do catalão para o castelhano, sendo que na primeira língua, texto desaparecido, deveria estar, coerentemente, também Colom ou Colomo).
1493, Duque de Medinaceli - Colomo
1493, R.L. de Corbaria – Columbo
1498, Pedro de Ayala – Colón
1498-1504, Rui de Pina – Collombo, Colombo
1500-1501: Pedro Martir d’Anghiera – Colonus
1501, Angelo Trevisan – Columbo, Colombo
1502, O anónimo do planisfério de Cantino – Colonbo
1513, Andrés Bernaldez – Colon
1516, Hernando Alonso de Herrera – Colon
1519, Jorge Reinel – Colombum
1523-1566, Bartolomé de las Casas – Columbo de Terrarubia, Colon (PHC: obra segundo a qual também existe a tese, ainda por comprovar, de ter sido inicialmente escrita em catalão, com subsequente tradução para castelhano, alterando se assim for decerto a denominação escrita do almirante).
1525, Gaspare Contarini – Colombo
1530-33, Garcia de Resende – Colombo
1535-1557, Gonzalo Fernandez de Oviedo y Valdés – Colom
1539, Fernando Colombo – Colon (aqui o sr. Coelho não teve em conta que a obra do filho, em manuscrito, desapareceu, conhecendo-se dele a 1ª impressão em italiano, de 1571, que refere Colombo e não Colón)."

2. Quanto aos inúmeros testemunhos nas fontes, independentes entre si, de coevos do aventureiro, sobre a sua naturalidade italiana, refere ainda ali o sr. Coelho, a quem de novo gratamente brindamos pelo trabalho que assim nos evitou:


Anteriores ao testemunho de Rui de Pina, pelo menos estas fontes estrangeiras

1493, Pietro Martire d’Anghiera – lígure
1494, Pietro Martire d’Anghiera – lígure
1497, Pietro Martire d’Anghiera – lígure
1498, Pedro de Ayala – genovês
1500-1501: Pedro Martir d’Anghiera – ligure
1501, Nicoló Odereco – cidadão de Génova
1486, Alonso de Quintanilha – estrangeiro
1487 (Maio), Francisco González de Sevilla – estrangeiro
1498-1504, Rui de Pina – italiano
1500-1501: Pedro Martir d’Anghiera – ligure
1501, Nicoló Odereco – cidadão de Génova


e contemporâneas de Rui de Pina, e de Colombo, as fontes

1519, Jorge Reinel – genuensem
1530-33, Garcia de Resende – italiano
1513, Andrés Bernaldez – de Milão
1516, Hernando Alonso de Herrera – genovês
1523-1566, Bartolomé de las Casas – genovês
1525, Gaspare Contarini – genovês
1535-1557, Gonzalo Fernandez de Oviedo y Valdés – Ligúria, concretamente Cogoleto, ou então Savona ou Nervi.
1539, Fernando Colombo, seu filho e biógrafo – genovês.

"...E, volto a dizer, não tem um único autor contemporâneo que tenha afirmado que Colombo era natural de outra qualquer região que não da moderna Itália. Alguns dos autores citados conheciam Colombo pessoalmente. No mínimo, a maior parte deles conhecia gente que conhecia Cristóvão Colombo pessoalmente...".

Mas ainda antes de sair do tema, que desejamos definitiva e completamente esgotado, aditemos ainda outra versão mais desenvolvida das mesmas fontes em conjunto compacto e coeso, acrescida já das necessárias referências bibliográficas, que o inestimável sr. Coelho teve a bondade de coligir a favor da clareza mental dos crentes na "tese portuguesa":

Fontes Portuguesas coevas sobre a italianidade de Colombo

1498-1504, Rui de Pina, cronista desde 1490, integrou a comitiva portuguesa que se deslocou a Castela para negociações resultantes da primeira viagem de Cristovão Colombo: “Descubrimento das ilhas de Castella por Collombo: … Christovam Colombo, italiano, …” (Chronica del Rey D. João II, cap. 66) (Graça Moura, p. 91-92; Taviani, 1991).
1502, anónimo, no planisfério dito de Cantino: “As Antilhas del Rey de Castella descobertas por Colonbo almirante” (PMC, estampa 5) (apud Graça Moura, p. 93).
1519, Jorge Reinel, mapa: “Xpoforum colombum genuensem” (PMC, estampa 12) (Graça Moura, p. 93).
1530-33, Garcia de Resende, moço de câmara, confidente e biógrafo de Dom João II: “De como se descubriram per Colombo as Antilhas de Castella: Christouao Colombo, italiano.” (Chronica dos valerosos e insignes feitos del Rey D. João II) (Moura, p. 91-92).
1552: João de Barros: “Segundo todos afirmam, Christouão Colom era genoes de naçam” (Décadas da Ásia, Primeira, Liv. III, cap. XI) (Graça Moura, p. 93). “How into this reign came Christopher Columbus of Genoa, who came from his discovery of the western islands that are now called the Antilles” (Taviani, 1991).
1540, Damião de Góis: “Em sua vida [de Dom João II], o genovês Colombo ofereceu-lhe seus serviços» (Fides, Religio, Moresque Aethiopum) (Graça Moura, p. 94).
1550 (publ. 1561), Gaspar Barreiros: “duce Christophoro Colono ligure” (Commentarios de ophyra regione …) (Graça Moura, p. 94).
1557 (anterior a), António Galvão: «No anno de 1492 … despachou Christouam Colom, italiano, com três nauios ao descobrimento da noua Espanha …» (Tratado dos Descobrimentos) (Graça Moura, p. 95). Galvão usa indiferentemente as formas: Colom, Colõ e Columbo.
1574, Damião de Góis: “Columbus of Genoa, a man expert in the nautical arts” (De Rebus Aethiopicis in De Rebus Oceanicis et Novo Orbe, Cologne, 1574, p. 455). No índice: “Columbi genuensis, alias Coloni commendatio” (Taviani, 1991).
1580, João Matalio Metelo Sequano: “Christophorus ergo Columbus prouincia Ligur vrbe vt aiunt, genuensis, qui Maderam inhabitabit” (Graça Moura, p. 95).
1580: Fernão Vaz Dourado: “terrae antipodvum regis castele inven[t ]a Xtoforo Colvumbo ianvensi” (Atlas, fol. 8) (PMC, estampa 249) (Graça Moura, p. 96).
1591 (anterior a): Gaspar Frutuoso: “italiano, genoês, chamado Christovam Colon, natural de Cugureo, ou Narvi, aldeia de Génova, de poucas casas, avisado e prático na arte da navegação, vindo de sua terra à ilha da Madeira, se casou nela, vivendo ali de fazer cartas de marear” (Livro Primeiro das Saudades da Terra) (apud Graça Moura, p. 96).


Fontes coevas castelhanas sobre a italianidade de Colombo

1486, Pedro Díaz de Toledo, segundo Manuel Rosa em fórum GP, chamou "Português" a Colombo - (comentário de PHC: tendo acabado de chegar de Portugal, sendo desconhecido em Castela, súbdito do rei de Portugal, é possível que esta única fonte inicial o tenha designado esta primeira vez, na sua real insignificância, como português, erro imediatamente corrigido logo depois. Mas como Toledo foi aditado à lista do sr. Coelho pelo sr. Manuel Rosa, é de não nos fiarmos muito... e confirmar esta desconstextualizada fonte quem tenha paciência para isso).
1487, Francisco González, de Sevilha:
1. “5 Mayo, di a Cristobal Colomo, extranjero, tres mil maravedis, que está aqui faciendo algunas cosas complideras el servicio de sus Altezas, por cedula a Alonso de Quintanilla, con mandamiento del obispo” (de Palencia). (Libro de Cuentas Francisco González de Sevilla, Tesorero de la R.C. (na web)).
2. “27 Agosto. En 27 de dicho mes di a Cristobal Colomo cuatro mil maravedis para ir al Real, por mandado de sus Altezas por cedula de Obispo. Son siete mil maravedis con tres mil que se le mandaron dar para ayuda de su costa por otra partida de 3 de julio.” (Libro de Cuentas Francisco González de Sevilla, Tesorero de la R.C. (na web)).
1489, Isabel a Católica - «Cristóbal Colomo ha de venir a esta nuestra corte e a otras partes e logares destos nuestros Reinos... por ende Nos vos mandamos que cuando por esas dichas cibdades, e villas e logares se acaesciere, le aposentedes e dedes buenas posadas en que pose él e los suyos sin dineros, que non sean mesones; e los mantenimientos a los precios que entre vosotros valieren por sus dineros. E non revolvades (no inquietéis) ni con él, ni con los que llevase consigo, ni con algunos dellos roídos (¿pobres?)». (Cédula de 12 de mayo de 1489, firmada en Córdoba, in Navarrete, doc. dipl. número IV – www cervantesvirtual com).
1493, Duque de Medinaceli - «No sé si sabe vuestra Señoría como yo tuve en mi casa mucho tiempo a Cristóbal Colomo, que se venía de Portogal, y se quería ir al Rey de Francia, para que emprendiere de ir a buscar las Indias con su favor y ayuda, …» (Carta ao Arcebispo de Toledo, 19 de Março de 1493 – www cervantesvirtual com).
1498, Pedro de Ayala, embaixador espanhol em Londres: “El descubridor [Caboto, hoje conhecido como John Cabot] es otro genovés, como Colón” (carta aos reis católicos Fernando e Isabel sobre as descobertas de John Cabot) (Taviani, 1985).
Bartolomé de Las Casas:
1. “...Fue, pues, este varón escogido de nación ginovés, de algún lugar de la provincia de Génova; cuál fuese donde nació o qué nombre tuvo el tal lugar, no consta la verdad dello más de que se solía llamar antes que llegase al estado que llegó Cristóbal Columbo de Terrarrubia, y lo mismo su hermano Bartolomé Colón, de quien después se hará no poca mención...” (Historia de las Indias, Liv. I, cap. II, publ 1875 – www cervantesvirtual com) - Nota: Quinto, em Génova, foi conhecido como Terrarossa, que castelhanizado deu Terrarubia (Taviani, 199).
2. Giovanni Antonio Colombo: trata-se de um parente italiano de Colombo que foi capitão de um dos navios da terceira viagem às Antilhas, em 1498. Diz dele Las Casas: «era genovés, deudo (=criado) del Almirante, hombre muy capaz y pudiente, y de autoridad, y con quien yo tuve frecuente conversación» (Historia de las Indias, lib. I, cap. CXXX).
1533, Francisco Lopez de Gomara: “Quién era Cristóbal Colón: Era Cristóbal Colón natural de Cugureo, o como algunos quieren, de Nervi, aldea de Génova, ciudad de Italia muy nombrada. Descendía, a lo que algunos dicen, de los Pelestreles de Placencia de Lombardía.” (Historia general de las Indias).
1535-1557, Gonzalo Fernandez de Oviedo y Valdés: “Viviendo Domínico Colom, su padre, este su hijo, seyendo mancebo, e bien doctrinado, e ya salido de la edad adolescente, se partío de aquels sua patria” (Historia general y natural de las Indias) (Graça Moura, p. 22). Outra passagem em versão inglesa: “Christopher Columbus, according to what I have learned from men of his nation, was originally from the province of Liguria, which is in italy, where the city and the Seignory of Genoa stands: some say that he was from savona, others that he was from a small place or village called Nervi, which is on the eastern seashore two leagues from the selfsame city of Genoa; but it is held to be more certain that he may have been originally from Cugurreo (Cogoleto) near the city of Genoa.” (Historia general y natural de las Indias, livr. 3, cap. 2) (apud Taviani, 1991).


Fontes coevas italianas sobre a italianidade de Colombo

1493-1497, Pedro Martir d’Anghiera, humanista milanês, capelão de Isabel a Católica, vivo até 1526, diz que Colombo era lígure em quatro cartas dirigidas ao Conde de Tendilla (1493), ao cardeal Ascanio Sforza Visconti (1493), Giovanni Borromeo (1494) e Pomponio Leto (1497).
1500-1501, Pedro Martir d’Anghiera, após contacto pessoal e directo com Colombo: “Christophorus Colonus, quidam ligur vir …” (Decades de Orbe Novo, publicada em 1511) (Graça Moura, 1991; Taviani, 1991).
1501, Nicolo Oderico, embaixador da República de Génova em Castela: “our fellow citizen, illustrious cosmographer and steadfast leader” (carta aos Reis Católicos) (Taviani, 1985).
1501, Angelo Trevisan, secretário de Domenico Pisano, enviado veneziano a Castela: “io ho tenuto tanto mezo che ho preso partica et grandissima amicitia cum el Columbo, … Christoforo Colombo zenovese, homo de alta et procera statur, rossa, de grands ingegno et faza longa” (carta a Domenico Malipiero, membro do conselho da cidade de Veneza) (Taviani, 1985).
1525, Gaspare Contarini, embaixador de Veneza em Castela e Portugal: “This admiral (Diego) is son of the genoese Columbus” (carta ao senado da cidade de Veneza).

A terminar, consideremos a confusão que entre os leigos e amadores da História, cegos partidários da tese portuguesa pela sua incapacidade demonstrada de gerir e integrar as fontes e estudos que não podem ser desprezados, se instalou pela má leitura de quanto o filho Fernando Colombo relata claramente na sua biografia do pai quanto ao seu sobrenome e origens em Itália; como também ainda o simplicissimo facto de uns designarem ao Colombo por genovês, e outros por milanês, que foi já objecto de outro nosso artigo aqui no PHC. Sobre este assunto, aliás, uma simples consulta a uma enciclopédia, quaisquer simples noções gerais de história italiana da época que pretendem estudar, teriam chegado para o deslindar facilmente.

Pois diante de factos, não há argumentos: apenas a mistificação aplicada deliberadamente consegue explicar a teimosia de se insistir rocambolescamente num Colombo de naturalidade portuguesa. Aparenta isto já ser uma doença do foro obsessivo com reflexos nas misteriosas e irracionais crenças dos pacientes por ela atingidos. Pelo que saindo do nosso foro de competência
profissional, não voltaremos sequer a este assunto, que consideramos pura perda de tempo, já que acreditamos necessário continuar a investigar serenamente os problemas da naturalidade e família de origem italianas de Colombo, segundo as várias teses fundamentadas disponíveis, o que não é decerto o caso da auto-chamada tese portuguesa.

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1) http://www.cristobal-colon.net/Colon/Colon_portugais.htm
2) Documentos sobre Cristóvão Colombo

domingo, 21 de janeiro de 2007

As Pseudo-Histórias Castelhana e Catalã - e a simétrica des-colon'ização de Colombo


Portuguesas, Portugueses

Continuamos a navegar ao arrasto do invés da História... e da Península Europeia já ufana ainda em seus andaimes de construção. Enquanto entre nós se trava mesmamente a batalha do "Colon or not Colon, that is the question" (1), dentro da guerra da "Unbearable Lightness of Being Columbus" (2), os nossos vizinhos latinos do Meio Dia Europeu lutam de há muito exactamente em sentido onomástico contrário...

Tal como agora em Portugal o amor ao "retrô" voltou a pôr na moda o processo colon'ial cubano (4) que acreditáramos esgotado, depois da sua inútil propugnação com sucessivo escândalo na década de oitenta, têm vindo também Catalães e Castelhanos a procurar retrovirar cegamente a habitual designação nos seus respectivos países e culturas e idiomas do nome do condottiero marítimo genovês viso-rei almirantado:

Pseudo-História Portuguesa: Colombo > Colom > Colombo > Colón > Colombo > Colón-Zarco > Colon (> Colombo = Colom).
Pseudo-História Castelhana: Colombo > Colomo > Colón > Colom (> Colón = Colombo).
Pseudo-História Catalã: Colombo > Colom > Colón > Colom (> Colom = Colombo).
Pseudo-História Italiana (3): Colombo < > Colombo (> Colombo = Colombo).

Curiosamente, parece que enquanto em Portugal tanta tinta corre de novo a fim de castelhanizarem com êxito definitivo o nome do navegador mercenário italiano para contraproducentemente o declararem de naturalidade portuguesa, as fantasiosas e românticas invenções pseudo-históricas em Castela, em processo absolutamente inverso e simultâneo, como sempre, ao nosso, lutam agora para denominar o ex-Colón de Colom...

A pseudo-história castelhana (6), não menos farta e rica de imaginação e de deficiente manipulação anti-historicista das fontes coevas do que a portuguesa, defende uma naturalidade "maiorquina" para Colombo, enquanto que a pseudo-história catalã lhe defende, naturalmente, a catalã, ou aragonesa lato senso. Pois que enquanto a pseudo-história em Barcelona é nacionalista, vendo como uma só nação os territórios das antigas coroas feudais de língua catalã do Reino de Aragão: Valência, Baleares (incluindo a ilha de Maiorca) e Catalunha, a pseudo-história castelhana actual, aferrada à sua mentalidade imperial de sempre, herdada do hispânico césar imperator Afonso VI de Leão e Castela e Galiza e Portugal, e habituada a dividir as franjas culturais da malha do Reino de Espanha a fim de melhor reinar sobre elas e as castelhanizar pelo centro, a declara "maiorquina", convindo-lhe declarar o falar maiorquino, dialecto do catalão, não como catalão em si mesmo, mas como "língua" pequena, e isolada.

Temos pois que desta vez, embora com mentalidade centrípeta uns, e centrífuga outros, catalães e castelhanos estão unidos, coisa rara, na Pseudo-História, a fim de provarem que Colombo era COLOM, ou seja, "espanhol" (5) e não italiano, ou genovês. Ó Suprema ironia! Haverá quem veja nisto um sinal do "atraso português"... eu diria, pelo contrário, que é sinal do atraso coxo da nebulosa Pseudo-História em todas as culturas e países. Cegas ao quererem chamar à brasa o seu Colom(bo), perdão, a sua sardinha, muito divertidissimamente utilizam os mesmíssimos argumentos baseados em fontes mal analisadas, e interpretadas, manipuladoramente desviadas do contexto, para teoricamente provar com essas mesmíssissimas mesmas fontes ligeiramente perpassadas pelo olhar, o oposto uma das outras!

P. R.

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1) "Colo(n)m_bo ou não Colo(n)m_bo, eis a questão", célebre frase ontológica de Shakespeare no "Hamlet", ou se quisermos, conhecida tirada de Hamlet em Shakespeare; pneuma aplicável a Colombo segundo a Pseudo-História.
2) Segundo a Wikipédia anglófona, a conhecida obra do checo Milan Kundera "A Insustentável Leveza do Ser", ou "The Unbearable Lightness of Beeing", em inglês, descreve "...the fragile nature of the fate of the individual and how a life lived once may as well have never been lived at all, as there is no possibility for repetition, experiment, and trial and error...". Ora, "...a natureza frágil do fado, ou destino que se crê do indivíduo, e o como uma vida apenas vivida uma vez pode perfeitamente até nunca ter chegado a ser vivida, por não haver possibilidade de repetição,experimentação, tentativa e erro...", afigura-se-nos exactamente ser o caso dos Colombo pseudo-históricos, todos tentando obviar a esta deficiência ingénita da Mãe Natureza...
3) A Pseudo-História Italiana também existe... Pode até ser que, no caso de Colombo, tenha sido no sc. XIX a mãe de todas as outras suas filhas, netas, bisnetas, e até já trisnetas, que lhe sucederam e connosco convivem ainda hoje, frescas, robustas, e viçosas moçoilas. Uma prole internacionalizada nobilíssima, de arrogante capa e espada geralmente, sucedeu ao simpático e humilde tecelão que serviu para apadrinhar o lobby italiano na era das comemorações do 1º Centenário da Independência dos EUA, prosápia essa que adquiriu já nacionalidades as mais diversas... Afigura-se-nos que o efeito da tese oitocentista ou purista, em Itália, por alguns dita extrapoladamente genovesa, tenha sido contra-producente à escala global, e ao largar a confusão, tenha aberto a caixa de Pandora da Pseudo-História Universal, com maçadores e intermináveis efeitos repetitivos à vista. Relembremos que o principal motor que alimentou a pseudo-história italiana colombina, essa em grande parte oficializada depois, servindo de principal exemplo talvez dos vastos perigos da Pseudo-História, foi a inadmissível intromissão de nacionalismos deslocados, que cegam necessariamente o zoom correcto, isento. Porque historicista no tangível amor à verdade pura documentável, que deve presidir a qualquer estudo histórico devidamente investigável e fundamentado. Fora de quaisquer ideologias, crenças, ou misticismos deslocados.
4) Lemos divertidamente hoje, em Genea Portugal, que na Idade Média teria havido outra localidade alentejana, perto de Odemira, também chamada Cuba, e que seria essa a verdadeira Cuba de Colombo! Talvez que a defunta Cuba rival, qual fénix renascida, possa ainda vir a suplantar no futuro a nossa Cuba restante, a sobrevivente, universalmente agora conhecida pelo fulgor da sua nova estátua colon'ial, cujo local de implantação, ainda fresco e inseguro, é já contestado, com absoluta falta de patriotismo, aliás, dentro das nossas próprias fronteiras...
5) A designação "Ibéria" dada às Espanhas, ou Península Hispânica, aparenta ser um pretensiosismo fruto da Renascença, sendo essa a palavra que em grego designava apenas a zona costeira oriental da Península Hispânica aonde colonos e mercadores gregos se haviam estabelecido - zona, grosso modo, correspondendo à língua catalã. A palavra comum era a latina Hispânia, que deu Espanha, e abarcava senão toda a Península, pelo menos a sua maioria, a sua maior extensão que fora romanizada. Durante a vida de Colombo, não havia qualquer Espanha, como reino ou como Estado. Ele serviu apenas a coroa castelhana. De facto, só em 1729 o príncipe francês Filipe V ordenou que se pusesse fim às leis castelhanas que oficialmente consideravam estrangeiros no Reino de Castela os naturais de todos os seus outros domínios e coroas autónomas, incluindo portanto todos os catalães e aragoneses, etc. O estatuto de estrangeiro de que gozavam em Castela os súbditos das suas outras coroas impedia-os de ali se habilitarem a quaisquer cargos ou regalias, reservados apenas aos naturais castelhanos.
6) Vd. En Busca de la Verdad, El Verdadero Orígen de Cristóbal Colón: http://www.yoescribo.com/publica/especiales/buscaverdad.aspx?cod=1

sábado, 20 de janeiro de 2007

Uma Visão Italiana da História de Génova em Quatrocentos – com subsídio para o problema da concreta naturalidade intra-italiana de Colombo

Mapa político da Europa quatrocentista



Prosseguindo a temática do artigo anterior, respeitante à visão historiográfica sobre a República de Génova no início da sua decadência como potência naval e comercial em Quatrocentos, tínhamos já referido no Mediterrâneo ocidental o crescimento do poder do novo império militar e comercial catalão, cruzando-se os seus eixos navais de Barcelona a Palermo, de Nápoles a Valência, incluindo-se nele as grandes ilhas da Sardenha, Sicília, Baleares, e ainda, pontualmente e em conflito com os genoveses, algumas pequenas partes da Córsega.

Mediterrâneo Ocidental, Aragão e Génova

Assim interceptava o Reino de Aragão as posições da República de Génova no seu trânsito marítimo vital rumo à chegada das especiarias ao Próximo Oriente - oriundas estas das Ilhas Molucas aonde eram cultivadas, na Insulíndia, perto de Timor. Era como havíamos dito agora já sobretudo Veneza, com rota directa pelo Adriático, também ameaçada pelos turcos, quem continuava a ser o grande intermediário comercial europeu junto do Egipto mameluco.

A cidade de Génova, em 1493

Aduza-se agora a posição de Vitale (1), sugerindo-nos como já pensávamos que à medida que o perigo militar e naval otomano se ia acentuando no Mediterrâneo oriental, ameaçando paulatinamente a curto ou médio prazo, sem capacidade de resistência viável, as bases do lucrativo comércio das especiarias entre o Próximo Oriente e a Europa Cristã – praticado pelas duas cidades italianas rivais, Veneza e ainda Génova - o escopo principal das actividades mercantis genovesas se foi virando para Ocidente. Fenómeno que parece acentuar-se, nomeadamente, a partir da queda de Constantinopla em 1453, evento com grave eco em todo o Ocidente cristão, ocorrido dois anos apenas depois da data em que se julga ter nascido Colombo, segundo a tese purista, ou dezasseis anos após, reportando-nos às teses anti-puristas que têm em conta a cronologia aceitavelmente retirada das fontes coevas, e que o dão por nascido em 1437.

Muito antes do estabelecimento do monopólio marítimo português da nova via oceânica euro-asiática para as especiarias do Oriente em 1498 (Rota do Cabo) - ou do caminho marítimo atlântico euro-americano oficializado por Colombo em 1492 a favor de Castela (6), essa diversificação do interesse comercial genovês é-nos demonstrada pela presença nas ilhas de Maiorca, primeiro, e da Madeira (8), depois, de malhas do comércio lígure estabelecidas já para cá do estreito de Gibraltar. Estreito esse cuja livre passagem às naves cristãs se encontrava garantida pela posse portuguesa de Ceuta desde 1415.

A Ceuta portuguesa, em 1572

Sobretudo a partir desta data, e muito antes da transferência no final do sc. XV do principal centro comercial e marítimo do mundo da Península Italiana (Pisa, Génova e depois Veneza) para a Península Hispânica (grosso modo Lisboa, especiarias, e depois de 1524 também Sevilha, minérios) já os mercadores genoveses tinham apostado na criação e intensificação de relações mercantis com os portos do Atlântico setentrional europeu, acedendo por via marítima costeira directa ao mercado da Flandres, e até da Inglaterra, tradicionais consumidores dos produtos que intermediavam, e dali podiam seguir para o Báltico. Esta via de cabotagem (10) europeia obviava a que os produtos atravessassem a França, até tarde rasgada pela Guerra dos Cem Anos (7). É de notar que antes desta época a redistribuição europeia das preciosas especiarias se fazia principalmente através de antigas rotas terrestres transalpinas, atravessando primacialmente a chamada rota champenesa, ou das feiras, em França, na ligação entre as duas zonas mais ricas da Europa, a Flandres a norte, e a Itália, a sul.

Lisboa, ainda capital dos Oceanos em 1572

É nesta perspectiva que se compreende o estabelecimento em Lisboa dos Colombos, segundo Giunciuglo (2): tendo tido o porto de Lisboa um enorme desenvolvimento comercial com o trânsito marítimo de bens de consumo novos oriundos das feitorias portuguesas na Costa da Guiné (9), atraiu o interesse dos banqueiros genoveses e placentinos, que nele se vieram estabelecer. Cerca de 1471, refere ainda Giunciuglo, sabemos pelas fontes portuguesas que chegaram à capital portuguesa os irmãos Bartolomeu e Cristóvão Colombo. E entrando nós agora no ponto das muitas confusões que se tem feito ao longo do tempo sobre o problema da naturalidade do posteriormente famigerado Cristóvão - estes irmãos, dispondo embora de um passaporte da República de Génova, não seriam exactamente genoveses, senão grosso modo, mas, sim, placentinos.

Ignorando agora, por despiciendas ao ponto, as considerações desta última obra sobre um possível sangue hebreu que ali se crê poder estar presente nas veias de Colombo, passaremos a referir a tese que dentro dela nos interessa. Um esclarecimento viável, lógico, eventualmente possível, e que ajuda a equacionar a tão propalada e confusa questão da naturalidade intra-italiana dos dois irmãos Colombo estabelecidos em Portugal. Irmãos aqui aventados como originários de Placência, cidade que se situa junto a Pavia, a mesma Pavia aonde o filho do condottiero marítimo, Fernando Colombo, nos relata que seu pai havia estudado. Placência, que sabemos também ser a terra italiana de origem dos Pallastrelli, depois Perestrelo, a própria família aonde em Portugal viria a casar Cristóvão Colombo. Assim, esclarece-nos ainda Giunciuglo que nos anos setenta do sc. XV uma fasquia da província de Placência (3) pertencia à Ligúria da República de Génova, cuja fronteira ia até à localidade de Bobbio, cujo “podestá” (4) seria genovês. Isto terá implicado que a todos os italianos naturais da pequena região placentina sita entre Bobbio e Ottone (5) fossem então passados passaportes da República de Génova, enquanto que aos restantes placentinos, a maioria deles, era dado passaporte do ducado de Milão, a que pertenciam por obediência. No Portugal quatrocentista, consequentemente, os placentinos com passaporte de Milão seriam chamados de milaneses, enquanto que os placentinos de Bobbio, com passaporte da República, seriam ditos genoveses.

Seguiremos este assunto quando nos for possível.
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1) Cf. Vitale, Vito, “La cultura dei mercanti genovesi e Cristoforo Colombo”, op. cit. net.
2) Cf. Giunciuglio, Vittorio, "Un ebreo chiamato Cristoforo Colombo" , op. cit net.
3) Piacenza, em italiano.
4) Desde o final da Idade Média, nome dado ao representante do Imperador em certas cidades italianas. O potestade era ali o chefe da magistratura local, mas com poderes administrativos igualmente.
5) O autor defende naturalmente que os Colombos do navegador estariam incluidos neste caso.
6) Esta rota marítima euro-americana “colombina” só adquirirá, no entanto, real importância económica e política posteriormente, já nos anos seguintes à conquista castelhana do México (1521) e do Peru (1533) , com a primeira chegada à Europa dos minérios em falta para ali bater moeda, o oiro e a prata. Passando a Península Europeia da escassez de metais à fartura excessiva, provocou o facto uma cruel e continuada inflação que durou todo o sc. XVI, com consequências mais marcadas no empobrecimento das suas zonas rurais, que assim irão enviar contingentes de gente desocupada e inútil para as cidades, ali gerando novos clientelismos de subsídio-dependência social.
7) A Guerra dos Cem Anos, entre os diferentes reinos do Ocidente Europeu, teve os seus beligerante alinhados bipolarmente. No eixo das potências marítimas os reinos da Inglaterra - com os seus ducados da Normandia e da Aquitânia em território francês - e de Portugal. No eixo das potências continentais, os reinos da França e de Castela. Foi este um conflito que terminou justamente no ano da queda de Constantinopla, derrota que exigia à Cristandade uma união defensiva concertada.
8) Na Madeira existia então o chorudamente lucrativo comércio do açúcar de cana, substituindo o mel na culinária europeia, exportado para o resto da Europa. Utilizando mão de obra escrava, o plantio de cana de açúcar na Ilha serviu de embrião para a sua transposição em larga escala, anos mais tarde, para o Nordeste brasileiro, como alternativa à queda dos rendimentos portugueses no comércio das especiarias no Império do Oriente. Tal facto deveu-se sobretudo ao acesso de outros países à Rota do Cabo, e fim efectivo do mare clausum português decretado em Tordesilhas. É no reinado de D. Sebastião que pela primeira vez o Reino equaciona transitar do Império Índico para um Império Atlântico, baseado justamente na elevada rentabilidade do açúcar brasileiro, como veio a verificar-se durante a dinastia seguinte dos Habsburgo, e sobretudo com o regime económico vigente sob D. João IV e D. Pedro II, expulsos já os holandeses das colónias atlânticas portuguesas.
9) Oiro, escravos, marfim e pimenta malagueta, sobretudo, além de plantas de tintura têxtil. As duas feitorias foram, Arguim, primeiro, e depois a de S. Jorge da Mina, esta a primeira construção militar inteiramente pré-fabricada de que há memória no mundo, e transportado o corpo da sua notável fortaleza dividido, como pedras marcadas, servindo de lastro no porão dos vários navios que a levaram de uma só vez, a fim de ser montada ad-hoc no local escolhido para o efeito no Golfo da Guiné (actual Benim).
10) Antes de os portugueses terem desenvolvido a navegação à vela, por coordenadas geográficas, que lhes permitiu navegar no alto mar, durante o sc. XV, a navegação procurava ainda fazer-se apenas ao longo da costa, mantida visível. As galeras usadas na cabotagem eram mais lentas e pesadas do que as caravelas oceânicas, podendo ter velas mas assentando a sua marcha em múltiplos remadores (existindo já galeras mistas, com sistema de remos e vela). Ao por-do-sol costumavam parar os navios, e ancorar, só retomando a navegação, sempre à vista da costa, ao nascer o sol seguinte.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

As Teses da Naturalidade e Linhagem de Cristóvão Colombo em Itália - tese clássica ou tese purista

República de Génova
(Ligúria, sem a Córsega)

Temos verificado a tendência para os defensores actuais da tese colombina portuguesa confundirem deliberadamente o facto de Cristóvão Colombo estar suficientemente documentado nos estudos portugueses da época, e noutras fontes estrangeiras, como "genovês" - no sentido coevo lato de natural dos Estados de Génova, ou República de Génova - com uma deficiente ligação automática à tese que identificou a partir do sc. XIX o navegador com o Cristóvão Colombo, tecelão, documentado na cidade de Génova (o próprio, ou um homónimo, dada a vulgaridade do nome).

Cidade de Génova (1489)

Com efeito, se a História dá como documentada a naturalidade italiana (genovesa em sentido largo) do descobridor das Antilhas de Castela, isso não implica ao contrário do que alguns pretendem fazer crer que seja unânime em aceitar a tese do referido Colombo tecelão. É mesmo de realçar o deficiente silogismo praticado pelos defensores de teses de um Colombo não italiano, conhecidos amantes do mistério, que ao negar a sua naturalidade na cidade de Génova, se sentem autorizados por isso mesmo, a nosso ver abusivamente, a defendê-lo como não italiano de origem.

Assim, se a constatação de Colombo como italiano é aceite incontroversa, porque bem documentada, porque assim descrito por todas as várias fontes idóneas contemporâneas que o conheceram pessoalmente - e não apenas por Rui de Pina, ou Damião de Góis, como também se tem pretendido fazer crer - não há nem nunca houve nenhuma ligação automática entre este simples facto e a sua antítese, isto é, o afirmar que não sendo o tecelão genovês, não pode ser italiano, e portanto necessariamente teria que ser, silogisticamente, português (ou catalão, ou francês, ou corso, ou galego...).

Muito ao contrário do que tem vindo a ser afirmado ou subentendido em Portugal recentemente pelos meios heterodoxos à metodologia histórica científica, também em Itália a naturalidade concreta de Colombo há muito que dá lugar a várias teses, das quais as duas principais são chamadas de, respectivamente, tese purista ou clássica - aceitando como válida a identificação oitocentista com o tecelão urbano, também dita por alguns extrapoladamente de tese genovesa - e teses anti-puristas, as que à primeira são contrárias.

As teses anti-puristas procuram apurar a verdadeira naturalidade de Colombo entre os vários locais dentro dos antigos territórios genoveses, e sua filiação e linhagem. Vindo também por vezes à baila o nome do Milanês para a naturalidade que lhe é apontada por alguns, poucos, estudos menos exactos ou contemporâneos, pois o estado antes governado por Milão teve fronteira, nem sempre estável, com o dos doges de Génova. A cidade de Pavia, aonde o filho Fernando nos diz que seu pai estudou, situa-se aliás nesta zona de fronteira agora provincial, já fora da actual Ligúria, ignoro ainda se genovesa ou milanesa quando do nascimento cronológico de Cristoferens Columbus. Cabe aqui a propósito um pequeno parêntesis, pelo facto de que de Cristoferens, alguns deduzirem um nome inventado de Salvador Fernandes, Salvador para Cristo, e Ferens para Fernandes... quando a abreviatura de Fernandes era, em português, Frz, com traço de abreviatura sobre o R, e terminada em Z, não ferens.

Mapa da Córsega genovesa
e da Sardenha aragonesa

Continuando, e fugindo ao abismo potencial presente nos charadismos onomásticos deslocados, ou mal contextualizados, posteriormente tanto o Milanado, como Génova, e ainda a Sardenha, e o antigo condado de Nice, acabariam por vir a constituir sob a dinastia de Sabóia, no sc. XIX, o reino da Sardenha, com capital em Turim, por extensão e conquista paulatina do antigo ducado transalpino da Sabóia. Entretanto, já a ilha da Córsega, parcialmente sob a obediência genovesa ao tempo de Colombo, fora vendida na sua totalidade à França pelos doges de Génova, na segunda metade do sc. XVIII - o que explica o nascimento "francês" do corso italiano Napoleone Buonaparte naquela ilha pouco depois - assim como Nice e seu território serão cedidos à França de Napoleão III a troco do seu apoio à unificação italiana empreendida pelo conde de Cavour, ministro oitocentista ao serviço de Víctor Manuel II, primeiro rei da Itália unida em 1860, e pai da rainha de Portugal D. Maria Pia de Sabóia, nascida princesa da Sardenha antes de ser princesa de Itália.

Temos pois que ao tempo do nascimento de Colombo, os Estados de Génova, além da Ligúria continental costeira, incluiam pelo menos já partes significativas da ilha da Córsega, aonde existe junto a Calvi uma Ilha Rossa, que parece também manter a tradição oral do nascimento do antigo corsário passado a Portugal, tradição que deu lugar a estudos defendendo essa hipótese, plausível porque genovesa lato senso. A expansão marítima de Génova pelo Mediterrâneo, como rival de Pisa e de Veneza (1) no monopólio da distribuição das especiarias orientais, mercadas com mais valia desde o Egipto islâmico mameluco (2) até à Cristandade ameaçada do Turco, estava então fortemente controlada pelo império comercial e militar aragonês, estabelecido nas ilhas italianas da Sardenha, da Sicília, controlando também o maior reino italiano, o de Nápoles, e algumas partes da própria Córsega; ali, nessa altura, tal como ainda hoje em partes significativas da Sardenha, se falavam já dialectos catalães semelhantes ao das ilhas Baleares.

Mapa dos Reinos da Córsega
Sardenha, e Sicília

Evidencia-se que geográfica e comercialmente, o decadente poder mercantil lígure estava como que enquadrado numa camisa de forças territorial e marítima pelo emergido poder catalão, o que levou a vários experientes marinheiros genoveses, nomeadamente a partir da Córsega, a praticarem o corso marítimo contra os súbditos do rei de Aragão, como fonte de proventos alternativa aos lucros minorados da rota de Alexandria interceptada pela força naval aragonesa. Assim se compreende que entre aventureiros genoveses já com prática de corso, no Mediterrâneo, inimigos naturais do poder catalão, preocupados com a perda dos lucros do comércio das especiarias, que Veneza defendia melhor, possa ter surgido o interesse pela nova rota oceânica de acesso a elas que os Portugueses há muito procuravam, bem como a ideia, diante dos deficientes conhecimentos científicos e geográficos mais generalizados da época, como se verifica de Toscanelli, de a procurar por uma via que se acreditou podesse ser a mais curta, para Ocidente.

As teses anti-puristas, assim chamadas em Itália por procurarem ultrapassar, com recurso a outras fontes, os documentos de tabelionato aceites desde final de oitocentos a favor do Colombo tecelão utilizados pela tese purista, ou clássica - documentos que têm problemas de exegese crítica nalguns pontos - apoiam-se primacialmente na documentação salvaguardada de fins de Quinhentos, relativa aos processos judiciais que nessa época travaram falsos membros da família de Colombo, com alguns verdadeiros parentes do mercenário navegador: apurados judicialmente esses familiares como verdadeiros, identificados os respectivos graus de parentesco com exactidão. Teve esta querela levada à barra do tribunal o propósito de alcançar vantagem sobre bens deixados por Colombo em Castela. Assim, embora ainda não tenha conseguido apurar definitivamente a localidade exacta do nascimento de Cristóvão, as teses anti-puristas crêem pelo menos ter bem conhecida e documentada a sua genealogia, e o ramo dos Colombo a que pertenceu o almirante, à luz das fontes conhecidas exaradas naqueles processos judiciais passados em julgado com força de sentença, naquela época ainda relativamente próxima dos acontecimentos. Justapostas as fontes do processo sentenciado com aqueloutras existentes sobre os restantes ramos de Colombos, não ligados entre si pelo sangue uns, e outros sim. E ainda outros documentos a referir quando oportunamente.

Voltaremos a este assunto quando nos for possível.

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1) Depois de ter suplantado o primitivo relevo inicial de Pisa no comércio mediterrânico, Génova viu, sobretudo a partir de 1420, até finais do sc. XV, a sua supremacia naval e comercial escapar-lhe para Veneza, menos incomodada pela expansão militar de Aragão; a partir de 1498, cede esta o seu lugar de principal entreposto europeu das lucrativas especiarias orientais, tão necessárias não só à alimentação e sua conservação, como também para efeitos medicinais, a Lisboa. Quanto a Génova, acabará por se refugiar na actividade bancária, sofrendo sobressaltos a partir do sc. XVI com as sucessivas bancarrotas e insolvências dos monarcas Habsburgo de Madrid, herdeiros da coroa catalã-aragonesa, em cuja órbita de interesses na Península Italiana passara a situar-se.
2) O Egipto islâmico, então em permanente conflito com a emergente potência otomana, acabará por ceder militarmente e se tornar suzerano dos sultões muçulmanos turcos a partir de 1519. O crescimento simultâneo dos Império Otomano e Português dá-se em choque geo-estratégico, com tentativa por parte de ambos de controle do rico comércio das especiarias entre o Oriente e a Europa. Um pela via terrestre tradicional, o outro pela inovadora via oceânica.
Este choque fica marcado, a partir da chegada ao Índico de D. Afonso de Albuquerque, futuro duque de Goa, nas acções militares portuguesas para estabelecimento e reforço do nosso domínio militar - com fecho naval do comércio pagão subsidiário dos turcos - nas bocas dos Mares Vermelho e Mediterrâneo, e Golfo Pérsico: mormente nas acções de Ormuz, Socotorá, e Alcácer Quibir, pois que em 1578 se corria ainda o risco de ver a suzerania turca, já presente na Argélia, estender-se a Marrocos. Isto teria aberto o Atlântico a acções militares navais e de corso contra o Algarve e ilhas portuguesas, sendo a Terceira a rota de chegada dos comboios navais do Oriente, e até contra a própria Lisboa. Compreende-se assim a acertada decisão militar e estratégica del-Rei D. Sebastião de impedir um Marrocos otomano, não fazendo nisso aliás mais do que aceder aos repetidos pedidos nesse mesmo sentido expressos em Cortes, desde o tempo da sua infância, durante a regência do Reino pela rainha D. Catarina, sua avó. Embora perdida a batalha, e morto o soberano, ficou garantido (com elevado preço) o objectivo aparentemente assim definido.
É legítimo analisar-se comparativamente a situação geo-estratégica da primeira potência continental de então, a Turquia, com os seus acessos oceânicos vitais travados pela primeira potência naval, Portugal, àquela ocorrida no sc. XX, depois de 1945, entre as duas antigas superpotências, a continental russo-soviética, e a oceânica norte-americana.