Continua-se a publicação do livro de Patrocínio Ribeiro, A nacionalidade portuguesa de Cristovam Colombo. Solução do debatidissimo problema da sua verdadeira naturalidade, pela decifração definitiva da firma hieroglífica (...), Lisboa, Liv. Renascença, [1927], Cap. II, pp. 29-37.
Chama-se a especial atenção para o que de facto é relevante neste capítulo: a carta assinada por D. João II a Colombo e que tem servido para justificar a nacionalidade portuguesa do Almirante.
Em verdade, depois de bem lida e relida por diversas vezes, não se consegue vislumbrar onde possa haver uma indicação dessa nacionalidade, mas cá se voltará com mais detalhe.
Esta versão da transcrição é copiada verbum ad verbum, erros incluídos, em O Mistério Colombo Revelado (p. 230) a que se junta uma fotografia do original (p. 231).
Chama-se a especial atenção para o que de facto é relevante neste capítulo: a carta assinada por D. João II a Colombo e que tem servido para justificar a nacionalidade portuguesa do Almirante.
Em verdade, depois de bem lida e relida por diversas vezes, não se consegue vislumbrar onde possa haver uma indicação dessa nacionalidade, mas cá se voltará com mais detalhe.
Esta versão da transcrição é copiada verbum ad verbum, erros incluídos, em O Mistério Colombo Revelado (p. 230) a que se junta uma fotografia do original (p. 231).
Texto Integral
II
COLOMBO CONSPIRADOR?!...
Se a individualidade heroica de Cristovam Colombo é fulgurantissima, a sua personalidade intima é, porém, muito tenebrosa.
Este homem superior — que era um persistente, um obstinado, um tenaz, oferece o fenómeno pouco trivial do génio inato.
A sua decisão inabalável em levar a efeito a descoberta, teve todos os característicos mórbidos dum grande caso de impulsivismo místico.
A sua viagem reveladora foi uma alucinação maravilhosa.
Nenhum homem célebre teve, como ele, a previsão do seu destino; nenhum outra se submeteu, com ar mais resignado, aos designios imperiosos do fatalismo.
Foi sobretudo a Fé, a sua singular fé ardente, o grande motivo moral que o impeliu através do Oceano para as regiões ignotas porque Colombo julgava-se um predestinado, um iluminado do Espirito Santo ([1]).
Mas o descobridor do Novo Mundo apesar de ser um espirito abertamente crente, foi tambem, uma criatura excessivamente misteriosa, pois ocultou sempre os seus antecedentes, não revelando nunca a sua pátria verdadeira, nem a sua verdadeira familia aos seus amigos de Castela, parecendo até que quanto mais subia em dignidades tanto menos conocido y cierto quiso que fuese su origen y patria, como o declara seu filho ilegitimo, Fernando, que não sabia ao certo, tambem a naturalidade e ascendencia de seu pae.
Ora é pela análise sintética do caracter misterioso de Colombo — servindo-me, é claro, dos documentos históricos, — que eu vou tentar resolver o problema da sua nacionalidade.
Em Portugal, que me conste, não ha em cronistas nem em documentos inéditos, referencia alguma aos Colombos, italianos, ou aos Colons, espanhóes.
Rui de Pina no cap. CLXIV, da Chronica del Rey D. Affonso V, alude apenas, a um famoso corsário francês, chamado Cullam, que tendo feito reverencia a D. Afonso V em Lagos, o ajudou na defesa de Ceuta contra os mouros.
Rui de Pina e João de Barros só se referem a Cristovam Colombo pelo feito que o celebrizou, mas duma forma muito breve, muito vaga, acentuando, porém, este ultimo historiador, — que ele era esperto, eloquente, e bom latino e mui glorioso em seus negocios.
Historicamente sabe-se que o descobridor da América casou com uma dama da aristocracia portuguesa de quem teve um filho, Diogo Colombo, e que, acompanhado dêste, abandonou Portugal dirigindo-se a Huelva, parece que de maneira oculta, como um fugitivo, mas desconhecem-se os motivos verdadeiros porque assim procedeu.
Eu vou procurar explicar; pelo lado mais racional, esta sahida misteriosa de Colombo do nosso pais — baseando-me, exclusivamente, na teoria das hipoteses, onde, de resto, se tem baseado, tambem, toda a enorme bibliografia colombina, como é notório.
Consta que o denodado nauta — irritado contra D. João II — saíu de Portugal, ás escondidas, pobremente vestido; mas a data dèste facto não é determinada, com precisão, pelos historiógrafos indicando uns um ano e outros outro, hipotéticamente.
Veiamos se se poderá fazer luz sôbre êste obscurecido ponto.
Segundo Fray Bartolomeu de Las Casas o descobridor do Novo Mundo, encontrando-se na ilha Espaniola, escreveu uma carta aos reis de Castela — carta que reproduz na sua Historia general de las Indias — onde, entre outras coisas diz o seguinte, referindo-se á descoberta:
Ya saben vuestras Altezas que anduve siete años en su côrte importunandoles por esto».
Ora Colombo embarcou para a sua primeira viagem em 3 de Agosto de 1492, no porto de Palos; retrocedendo sete anos, desde 1492, da a data 1485 ano em que, evidentemente deu entrada aos dominios de Isabel, a catolica ([2]).
Navarrete, nos Documentos Diplomaticos, publica uma carta do duque de Medinaceli, escrita em 19 de março de 1943, e dirigida ao gran cardeal de Espanha para que este peça á rainha autorisação para ele poder enviar, cada ano, duas caravelas suas ás novas terras descobertas por Cristobal, Colomo, como lhe chama, que se venia de Portugal y que se queria ir al Rey de Francia para que se empreendiesese de ir a buscar las Indias.
Alega o duque, para justificar a pretenção, os seus serviços anteriores á corôa, nesta passagem interessante da carta:
«... a mi cabesa y por yo deternerle en mi casa dos años, y haberle enderezado á su servicio, se ha hallado tan gran cosa como esta».
Referem alguns historiadores que D. João II regeitara as propostas de Colombo, depois de ter mandado analisá-las pela junta dos cosmógrafos do reino, que se pronunciou contra a empresa, mas parece mais crivel que o monarca se não conformasse com o que o navegador exigia para si pela descoberta pois entre outras recompensas pretendia ele ser almirante e vice rei das novas regiões que encontrasse na sua viagem.
Ora no dia 3 de março de 1483, Fernão Dulmo (Ferdinando van Olm), capitão da ilha Terceira (Açores), foi autorisado por D. João II a tentar a descoberta das fantasticas ilhas das sete cidades e térra firme, que se imaginava que ficassem para o poente, no rumo ocidental do Atlântico ([3]).
É natural que esta autorização do rei descontentasse Colombo ao ter conhecimento do facto, e dahi se tornasse inimigo figadal do monarca, colocando-se ao lado dos partidarios do duque de Bragança, D. Fernando — que conspirava então contra a soberania real — isto motivado pelo despeito de ter sido preterido em beneficio de outro, ou por promessas de ante-mão feitas de poder realizar a planeada descoberta logo que este fidalgo conseguisse os seus fins.
Mas a conspiração foi descoberta a tempo, por uma casualidade, e o rei informado dela por denuncia.
Os conjurados trataram de salvar a vida passando a fronteira, fugindo para Castela, França e Inglaterra; e o Bragança, descoberto, foi imediatamente preso, julgado num processo sumario, e executado no cadafalso de Evora a 21 de junho de 1483.
Entretanto fôra descoberta uma outra conspiração da nobreza. Em 23 de agosto de 1484, D. João II apunhala, em Setubal, o duque de Vizeu, tido como chefe da conjura. Novas prisões, nova revoada de fugitivos para alem-fronteiras. Mas desta vez o ouro soberano paga, largamente, o punhal dos sicarios, o veneno dos facinoras. Ai! dos que fossem indigitados pelos espiões do rei! Nem o proprio paiz estranho valia de refugio, nem a propria terra estrangeira evitava a morte violenta! Como uma maldição, seguia os fugitivos, cheios de pavor, galopando deante da morte, esta praga condenatoria do monarca: Quizeste matar-me?! Morrerás... E o Principe Perfeito executava na perfeição, pela Europa, fóra, a caça ao homem...
Afim de evitar o odio vingativo do rei, que os perseguia por toda a parte, muitos dos exilados tiveram de usar o velho estratagêma de mudar de nome, o que nem sempre surtia efeito como sucedeu a um dos fidalgos exilados que tendo conseguido passar os Pirineus, sob um suposto apelido francês, mesmo assim foi reconhecido e apunhalado em Avinhão.
É muito natural, pois, que o futuro descobridor da América houvesse de usar do mesmo estratagêma. para segurança pessoal, fazendo-se passar por genovês, auxiliado um tanto pelo seu fisico de homem de tez rosada e cabelo louro conseguindo chegar até casa do duque de Medinaceli, na Andaluzia, sem ser apanhado na fuga e onde se conservou oculto durante dois anos, enquanto os ares andaram turvos para os que haviam podido escapar-se de Portugal a tempo e a salvo.
Foi na mesma casa protectora de Medinaceli que meses antes se acolhera, tambem, o refugiado politico português D. Afonso, conde de Faro, irmão do Bragança executado em Evora, para escapar á vingança que D. João II jurára á nobreza conspiradora, porque uma sua filha era casada com o duque.
E, assim, comeram ambos o pão amargo do exilio sob o mesmo tecto andaluz: o fidalgo português de ascendencia nobre — conde, irmão dum duque e sogro doutro duque — e o mísero plebeu foragido que, mais tarde, anos depois, havia de dar um Novo Mundo ao mundo!
Pelo que deixo exposto não é arriscado concluir-se que Colombo era cumplice na conspiração contra D. João II, e tanto assim parece que a seguinte carta, encontrada após a sua morte entre os seus papeis, é bem significativa porque tem todo o teor dum salvo-conduto, concedido a quem tinha culpas muito graves no cartório régio:
«A Cristovam Collon, noso especial amigo em Sevilha»
«Cristoval Colon:
«Nós Dom Joham per graça de Deos Rey de Portugall e dos Algarves, daquem e dallem mar em Africa, Senhor de Guinee vos enviamos muito saudar. Vimos a carta que nos escreveste e a boa vontade e afeiçam que por ella mostraaes teerdes a nosso serviço. Vos agradecemos muito. E quanto a vosa vinda cá, certa, assy pollo que apontaaes como por outros respeitos para que a vossa industria e bõo engenho nos será necessário, nós a desejamos e prazer-nos-ha muyto de vyrdes porque em o que vos toca se darà tal forma de que vós devaaes ser contente. E porque por ventura terees algum reçeo das nossas justiças por razam dalgumas cousas a que sejaaes obligado. Nós por esta nossa Carta vos seguramos polla vinda, estada, e tornada, que não sejaaes preso, reteudo, acusado, citado, nem demandado por nenhuma cousa ora que seja civil ou crime, de qualquer qualidade. E pella mesma mandamos a todas nosas justiças que o cumpram assy. E portanto vos rogamos e encommendamos que vossa vinda seja loguo e para isso non tenhaaes pejo algum e agradecer-vo-lo-hemos e teremos muito em serviço. Scripta em Avis a vinte de Março de 1488.
EL-REY». ([4])
Por este salvo-conduto de D. João II póde vêr-se que o monarca não se dirigia a um genovês e sim a um vassalo seu que residia no estrangeiro por «reçeo de nossas justiças».
É muito para lastimar que a carta de Colombo se tivesse extraviado no nosso Arquivo Nacional, pois talvez ela esclarecesse o receio a que o rei se refere...
Assim, esta carta do rei de Portugal — confrontada com a de Paulo Toscanelli, de 1474, — explica, duma maneira bem clara, o motivo porque o célebre cosmógrafo de Florença chamou português a Colombo, tendo-lhe sido feita a apresentação deste pelo italiano Giraldi; Giraldi que, evidentemente, devia conhecer a verdadeira nacionalidade do individuo de quem fazia a apresentação indicou-a, decerto, a Toscanelli pois só assim se explica a razão dos elogiosos termos da carta do sábio, enaltecendo a nação portuguesa e os seus homens mais ilustres entre os quais inclue tambem Colombo o qual — se bem que já manifestasse disposições de navegar para o Ocidente — vivia ainda em Lisboa, muito modesto e obscuro. ([5])
Este homem superior — que era um persistente, um obstinado, um tenaz, oferece o fenómeno pouco trivial do génio inato.
A sua decisão inabalável em levar a efeito a descoberta, teve todos os característicos mórbidos dum grande caso de impulsivismo místico.
A sua viagem reveladora foi uma alucinação maravilhosa.
Nenhum homem célebre teve, como ele, a previsão do seu destino; nenhum outra se submeteu, com ar mais resignado, aos designios imperiosos do fatalismo.
Foi sobretudo a Fé, a sua singular fé ardente, o grande motivo moral que o impeliu através do Oceano para as regiões ignotas porque Colombo julgava-se um predestinado, um iluminado do Espirito Santo ([1]).
Mas o descobridor do Novo Mundo apesar de ser um espirito abertamente crente, foi tambem, uma criatura excessivamente misteriosa, pois ocultou sempre os seus antecedentes, não revelando nunca a sua pátria verdadeira, nem a sua verdadeira familia aos seus amigos de Castela, parecendo até que quanto mais subia em dignidades tanto menos conocido y cierto quiso que fuese su origen y patria, como o declara seu filho ilegitimo, Fernando, que não sabia ao certo, tambem a naturalidade e ascendencia de seu pae.
Ora é pela análise sintética do caracter misterioso de Colombo — servindo-me, é claro, dos documentos históricos, — que eu vou tentar resolver o problema da sua nacionalidade.
Em Portugal, que me conste, não ha em cronistas nem em documentos inéditos, referencia alguma aos Colombos, italianos, ou aos Colons, espanhóes.
Rui de Pina no cap. CLXIV, da Chronica del Rey D. Affonso V, alude apenas, a um famoso corsário francês, chamado Cullam, que tendo feito reverencia a D. Afonso V em Lagos, o ajudou na defesa de Ceuta contra os mouros.
Rui de Pina e João de Barros só se referem a Cristovam Colombo pelo feito que o celebrizou, mas duma forma muito breve, muito vaga, acentuando, porém, este ultimo historiador, — que ele era esperto, eloquente, e bom latino e mui glorioso em seus negocios.
Historicamente sabe-se que o descobridor da América casou com uma dama da aristocracia portuguesa de quem teve um filho, Diogo Colombo, e que, acompanhado dêste, abandonou Portugal dirigindo-se a Huelva, parece que de maneira oculta, como um fugitivo, mas desconhecem-se os motivos verdadeiros porque assim procedeu.
Eu vou procurar explicar; pelo lado mais racional, esta sahida misteriosa de Colombo do nosso pais — baseando-me, exclusivamente, na teoria das hipoteses, onde, de resto, se tem baseado, tambem, toda a enorme bibliografia colombina, como é notório.
Consta que o denodado nauta — irritado contra D. João II — saíu de Portugal, ás escondidas, pobremente vestido; mas a data dèste facto não é determinada, com precisão, pelos historiógrafos indicando uns um ano e outros outro, hipotéticamente.
Veiamos se se poderá fazer luz sôbre êste obscurecido ponto.
Segundo Fray Bartolomeu de Las Casas o descobridor do Novo Mundo, encontrando-se na ilha Espaniola, escreveu uma carta aos reis de Castela — carta que reproduz na sua Historia general de las Indias — onde, entre outras coisas diz o seguinte, referindo-se á descoberta:
Ya saben vuestras Altezas que anduve siete años en su côrte importunandoles por esto».
Ora Colombo embarcou para a sua primeira viagem em 3 de Agosto de 1492, no porto de Palos; retrocedendo sete anos, desde 1492, da a data 1485 ano em que, evidentemente deu entrada aos dominios de Isabel, a catolica ([2]).
Navarrete, nos Documentos Diplomaticos, publica uma carta do duque de Medinaceli, escrita em 19 de março de 1943, e dirigida ao gran cardeal de Espanha para que este peça á rainha autorisação para ele poder enviar, cada ano, duas caravelas suas ás novas terras descobertas por Cristobal, Colomo, como lhe chama, que se venia de Portugal y que se queria ir al Rey de Francia para que se empreendiesese de ir a buscar las Indias.
Alega o duque, para justificar a pretenção, os seus serviços anteriores á corôa, nesta passagem interessante da carta:
«... a mi cabesa y por yo deternerle en mi casa dos años, y haberle enderezado á su servicio, se ha hallado tan gran cosa como esta».
Referem alguns historiadores que D. João II regeitara as propostas de Colombo, depois de ter mandado analisá-las pela junta dos cosmógrafos do reino, que se pronunciou contra a empresa, mas parece mais crivel que o monarca se não conformasse com o que o navegador exigia para si pela descoberta pois entre outras recompensas pretendia ele ser almirante e vice rei das novas regiões que encontrasse na sua viagem.
Ora no dia 3 de março de 1483, Fernão Dulmo (Ferdinando van Olm), capitão da ilha Terceira (Açores), foi autorisado por D. João II a tentar a descoberta das fantasticas ilhas das sete cidades e térra firme, que se imaginava que ficassem para o poente, no rumo ocidental do Atlântico ([3]).
É natural que esta autorização do rei descontentasse Colombo ao ter conhecimento do facto, e dahi se tornasse inimigo figadal do monarca, colocando-se ao lado dos partidarios do duque de Bragança, D. Fernando — que conspirava então contra a soberania real — isto motivado pelo despeito de ter sido preterido em beneficio de outro, ou por promessas de ante-mão feitas de poder realizar a planeada descoberta logo que este fidalgo conseguisse os seus fins.
Mas a conspiração foi descoberta a tempo, por uma casualidade, e o rei informado dela por denuncia.
Os conjurados trataram de salvar a vida passando a fronteira, fugindo para Castela, França e Inglaterra; e o Bragança, descoberto, foi imediatamente preso, julgado num processo sumario, e executado no cadafalso de Evora a 21 de junho de 1483.
Entretanto fôra descoberta uma outra conspiração da nobreza. Em 23 de agosto de 1484, D. João II apunhala, em Setubal, o duque de Vizeu, tido como chefe da conjura. Novas prisões, nova revoada de fugitivos para alem-fronteiras. Mas desta vez o ouro soberano paga, largamente, o punhal dos sicarios, o veneno dos facinoras. Ai! dos que fossem indigitados pelos espiões do rei! Nem o proprio paiz estranho valia de refugio, nem a propria terra estrangeira evitava a morte violenta! Como uma maldição, seguia os fugitivos, cheios de pavor, galopando deante da morte, esta praga condenatoria do monarca: Quizeste matar-me?! Morrerás... E o Principe Perfeito executava na perfeição, pela Europa, fóra, a caça ao homem...
Afim de evitar o odio vingativo do rei, que os perseguia por toda a parte, muitos dos exilados tiveram de usar o velho estratagêma de mudar de nome, o que nem sempre surtia efeito como sucedeu a um dos fidalgos exilados que tendo conseguido passar os Pirineus, sob um suposto apelido francês, mesmo assim foi reconhecido e apunhalado em Avinhão.
É muito natural, pois, que o futuro descobridor da América houvesse de usar do mesmo estratagêma. para segurança pessoal, fazendo-se passar por genovês, auxiliado um tanto pelo seu fisico de homem de tez rosada e cabelo louro conseguindo chegar até casa do duque de Medinaceli, na Andaluzia, sem ser apanhado na fuga e onde se conservou oculto durante dois anos, enquanto os ares andaram turvos para os que haviam podido escapar-se de Portugal a tempo e a salvo.
Foi na mesma casa protectora de Medinaceli que meses antes se acolhera, tambem, o refugiado politico português D. Afonso, conde de Faro, irmão do Bragança executado em Evora, para escapar á vingança que D. João II jurára á nobreza conspiradora, porque uma sua filha era casada com o duque.
E, assim, comeram ambos o pão amargo do exilio sob o mesmo tecto andaluz: o fidalgo português de ascendencia nobre — conde, irmão dum duque e sogro doutro duque — e o mísero plebeu foragido que, mais tarde, anos depois, havia de dar um Novo Mundo ao mundo!
Pelo que deixo exposto não é arriscado concluir-se que Colombo era cumplice na conspiração contra D. João II, e tanto assim parece que a seguinte carta, encontrada após a sua morte entre os seus papeis, é bem significativa porque tem todo o teor dum salvo-conduto, concedido a quem tinha culpas muito graves no cartório régio:
«A Cristovam Collon, noso especial amigo em Sevilha»
«Cristoval Colon:
«Nós Dom Joham per graça de Deos Rey de Portugall e dos Algarves, daquem e dallem mar em Africa, Senhor de Guinee vos enviamos muito saudar. Vimos a carta que nos escreveste e a boa vontade e afeiçam que por ella mostraaes teerdes a nosso serviço. Vos agradecemos muito. E quanto a vosa vinda cá, certa, assy pollo que apontaaes como por outros respeitos para que a vossa industria e bõo engenho nos será necessário, nós a desejamos e prazer-nos-ha muyto de vyrdes porque em o que vos toca se darà tal forma de que vós devaaes ser contente. E porque por ventura terees algum reçeo das nossas justiças por razam dalgumas cousas a que sejaaes obligado. Nós por esta nossa Carta vos seguramos polla vinda, estada, e tornada, que não sejaaes preso, reteudo, acusado, citado, nem demandado por nenhuma cousa ora que seja civil ou crime, de qualquer qualidade. E pella mesma mandamos a todas nosas justiças que o cumpram assy. E portanto vos rogamos e encommendamos que vossa vinda seja loguo e para isso non tenhaaes pejo algum e agradecer-vo-lo-hemos e teremos muito em serviço. Scripta em Avis a vinte de Março de 1488.
EL-REY». ([4])
Por este salvo-conduto de D. João II póde vêr-se que o monarca não se dirigia a um genovês e sim a um vassalo seu que residia no estrangeiro por «reçeo de nossas justiças».
É muito para lastimar que a carta de Colombo se tivesse extraviado no nosso Arquivo Nacional, pois talvez ela esclarecesse o receio a que o rei se refere...
Assim, esta carta do rei de Portugal — confrontada com a de Paulo Toscanelli, de 1474, — explica, duma maneira bem clara, o motivo porque o célebre cosmógrafo de Florença chamou português a Colombo, tendo-lhe sido feita a apresentação deste pelo italiano Giraldi; Giraldi que, evidentemente, devia conhecer a verdadeira nacionalidade do individuo de quem fazia a apresentação indicou-a, decerto, a Toscanelli pois só assim se explica a razão dos elogiosos termos da carta do sábio, enaltecendo a nação portuguesa e os seus homens mais ilustres entre os quais inclue tambem Colombo o qual — se bem que já manifestasse disposições de navegar para o Ocidente — vivia ainda em Lisboa, muito modesto e obscuro. ([5])
Logo o nauta imortal que descobriu a America era um português ao serviço da Espanha — como Fernão de Magalhães, Faleiro, João Serrão. Duarte Barbosa; e outros — para honra e gloria da nossa patria, para maior celebridade da nossa terra de heroes do mar, de descobridores intrépidos, de navegantes arrojados, que — sulcando os Oceanos em todos os rumos — foram levar aos confins do mundo a emissão sonora da sua linguagem fortemente nasalada, o fervor rútilo da sua grande fé cristã, e a rútila corroboração do seu génio ousado!
[1] Cristóvam Colombo escreveu uma obra muito curiosa, que deixou inédita, intitulada — «Libro de las Profecias» — onde se jactava de ter sido escolhido do Céu para descobrir o Novo Mundo; nesse livro de pseudo-revelação divina há periodos interessantissimos como, por exemplo, estes dois:
«Quien dubida que esta lumbre no fue del Espirito Santo, asi como de mi, al cual com rayos de claridad maravillosa consoló con su santa y sacra Escritura a voz muita alta y clara con 44 libros del Viego testamento, y 4 Evangelios con 23 epistolas daquellos bienaventurados Apostolos avivando-me que yo proseguiese, y de contino sin cesar un momento me avivan cem gran priesa?»
«... e digo que no solamente el Espirito Santo revela las cosas de por venir á las criaturas racionales mas nos las amuestra por señales del cielo, del aire y de las bestias cuando le aplaz».
Como se sabe a prioridade da descoberta da America foi-lhe contestada pelos seus proprios contemporaneos que a atribuiam a um piloto náufrago que lhe fornecera elementos a ponto de ele poder efectua-la, mais tarde, como ideia exclusivamente sua. Essa insinuação absurda, que tinha em vista obscurecer o mérito do grande navegador, criou raízes no seu tempo tanto que ele escreveu o «Livro das Profecias» para se justificar e fazer emudecer os seus detractores, procurando demostrar que a previsão da descoberta lhe fôra sugerida pelo proprio Espírito Santo. Ainda hoje, em Portugal, quando alguem efectua alguma cousa imprevista cuja decisão subita é posta em duvida, parecendo ter sido anteriormente segredada por outrem, se diz com ironia: — «Parece que teve Espirito Santo... de orelha!» — Remontará a origem desta frase ao tempo de Colombo?
[2] O historiador Bernaldez chega mesmo a indicar o dia: — 20 de Janeiro do referido ano. Las Casas porêm diz que ele fugiu de Portugal em fins de 1484 ou principios de 1845, enquanto que Heman Colon afirma que essa fuga foi em fins de 1484.
[3] Posteriormente, associou-se com João Afonso do Estreito, escudeiro, morador na Madeira, sendo em Lisboa sancionado o seu contracto para este fim, pelo mesmo monarca em 24 de Julho de 1486. Deviam ser equipadas duas caravelas para largarem da Ilha Terceira em 1 de Março de 1487. Parece que nunca se levou a efeito a viagem, porque desta tentativa nada se sabe.
Virá daqui a origem dessa lenda — referida por alguns historiógrafos de que D. João II tendo simulado regeitar as propostas de Colombo por inexequiveis, mandara, secretamente, caravelas suas em busca das terras ocidentais?
[4] V. o texto desta carta em Navarrete «Coleccion de los viajes y descubrimientos» etc., e em Teixeira de Aragão, «Memoria acerca do descobrimento da America», 1892. Luciano Cordeiro, que a transcreveu a pág. 17 do seu opúsculo «De la decouverte de l'Amerique», 1876, anota-a nestes termos: «Cette lettre n'est pas une invitation comme l'ont dit toutes les biographes de Colomb. C'est, au contraire, une aceptation». Anteriormente assim o notara tambêm, Pinilla designando-a por «aceptation obligeante». Henri Vignaud, nos Nouvelles etudes critiques surla vie de Christophe Colomb, Paris, 1911, pág. 678, reprodu-la em fac-simille, sendo a autencidade deste documento garantida pela analyse paleografica do distintissimo conservador do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, sr. Dr. José Pessanha.
[5] V. o texto da referida carta na obra de Henan Colon, Vida del Almirante. e nas notas da Historia Universal de César Cantu, tradução de Bernardes Branco.
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