, Lisboa, Liv. Renascença, [1927], Cap. III, pp. 39-53.
Patrocínio Ribeiro neste capítulo III, e que em baixo se transcreve, pretende mostrar a perícia de Cristóvão Colombo como marinheiro; aflora a política de segredo activa e de espionagem, mas não a desenvolve; dá destaque à ordem dos Reis Católicos para que Colombo não se dirija a portos portugueses e ao facto dele o não cumprir; chama a atenção para a devoção especial de Colombo ao Espírito Santo e faz referência ao facto Deste ser representado por uma pomba; menciona o apelativo marrano e de tal ser um insulto frequente entre portugueses e castelhanos, aflorando a possibilidade de Colombo ser judeu; cita um excerto de Colombo em que este refere o serviço a outros amos, mas sem especificar o contexto em que ocorre; faz corresponder espião a homicida; o instrumento de instituição dum morgadio em que o almirante refere ter nascido e saído de Génova é sofismado e desvalorizado até chegar ao prato forte do capítulo que é a carta de Toscanelli que interpreta concluindo dizer-se aí que Colombo é português.
Em pouco mais de uma dúzia de páginas enunciam-se os tópicos que daí por diante constituirão o núcleo das teses defensoras dum Cristóvão Colombo português. De então para cá, têm-se dado voltas a estes motes, valorizando uns, desvalorizando outros, acrescentando umas cores aqui, uns círculos acolá. Desenvolveram-se tópicos, frequentemente caindo em absurdos, mas pouco mais se avançou.
Mas a nacionalidade portuguesa de Cristovam Colombo — afirmada pela carta de Toscanelli e confirmada pela de D. João II = é esclarecida, ainda, por outros pontos comprovativos, por factos historicos que vou enunciar transcrevendo, primeiramente, para elucidação preambular das minhas deduções o que diz o ilustre escritor J. A. Coelho na sua eruditissima obra «Evolução geral das sociedades ibericas»:
«... é lusa e bem lusa a ideia, levada definitivamente á pratica, de uma navegação atlantica, scientifica, systematicamente realisada, e tendo por objectivo — numa primeira phase devassar os mysterios do Oceano, e numa segunda, relacionar o Levante e o Ocidente, e portanto, substituir por uma nova linha de comunicabilidade de caracter atlantico a simples arteria de caracter mediterraneo que se alargava, passando pelos desertos, desde o Indus as Columnas de Hercules. Esta concepção, verdadeiramente nova, de caracter aventuroso e essencialmente maritimo, nunca poderia sahir do cerebro dum castelhano, pois estava isolado na cerrada continentalidade do seu planalto... Na Peninsula, só a podia crear o Lusitano, porque ocupava uma situação verdadeiramente insular... franca e largamente atlantica... Por isso, apezar da América ter sida descoberta por um homem de genio ao serviço de Castela, não foi do cerebro do Castelhano que despontou essa ideia;... creada sob a influencia da alma lusa, levaram-lh’a de fora, encontrou mesmo por parte do genio castelhano dura e intransigente oposição e, francamente aceite, só o foi por uma mulher superior — a grande Isabel, a qual bisneta do grande Mestre de Avis, era de alguma maneira a nobre e digna representante do genio luso em terras de Castela». (
[1])
Posto isto, vejamos pois.
O maior amigo de Colombo, em Castela, o seu grande amigo intimo mesmo, foi um frade português que, se estava de posse do segredo confidencial da descoberta, havia de estar, evidentemente, bem informado tambem sobre a verdadeira personalidade do descobridor do Novo Mundo.
É pena que nada deixasse escrito sôbre o assunto esse modesto franciscano, que os historiógrafos teem confundido com outro religioso chamado frei João Perez, quando afinal as suas entidades são perfeitamente distintas.
Colombo — numa carta endereçada aos monarcas de Castela — referiu-se a este seu dilecto amigo duma forma que, de futuro, destruirá todas as duvidas que ainda prevaleçam no espirito indeciso dos investigadores:
«Ya saben vuestras Altezas que anduve siete anos en su côrte importunandoles por esto; nunca en toda este tiempo se halló piloto ni marineiro, ni filosofo, ni de otra ciencia que todos no dijesen que mi empreza era falsa; que nunca yo hallé ayuda de nadie salvo de fray Antonio de Marchena, después de aquella de Dios eterno» (
[2])
A oposição singular que o navegador encontrou na côrte de Isabel, a católica, — especialmente dum cortesão de grande influencia e muito devotado ao soberano português, Hernando de Talavera, — afim de lhe ser concedida autorisação para o seu empreendimento, é bem sintomática; D. João II sabia tudo quanto se passava em Castela, dentro e fora da côrte; refere Rezende que a espionagem diplomatica paga pelo ouro português, era exercida até pelos próprios castelhanos de destaque em cargos oficiais do Paço, «de quem recebia muitos avisos bem necessarios a seu serviço e estado e ao bem de seus reinos» e «todolos conselhos e segredos lhe eram descobertos primeiro que nenhuma coisa se fizesse». Desta fórma se explica que, tendo sabido que um piloto e dois marinheiros da carreira da Guiné se haviam ausentado do reino afim de irem oferecer os seus serviços a Castela, mandasse, pelos seus espias, apunhalar os marinheiros no caminho e trazer preso a Portugal o piloto que foi enforcado em Evora, para exemplo de futuros traidores á patria.
Mas a despeito da oposição tenaz aos projectos de Colombo, oposição que durou anos seguidos, como se sabe, sempre e sempre mais cheia de embaraços de toda a ordem a viagem foi autorizada, por fim, e o descobridor fez-se ao mar sob o patrocinio de Isabel, a católica. Ora o ousado nauta poude, afinal, partir da Peninsula para efectuar a descoberta a que se tinha proposto, porquê?
«... porque nesse tempo — é o cronista Garcia de Rezende quem esclarece, — entre os Reys de Portugal e Castella houve causas e cousas que pareciam de quebra; El Rey alem das lianças que com frança mostrava mandou no reino e fora dele fazer grandes e dissimulados apercebimentos que para se segurar da guerra que desejava escusar. por causa da sua doença, muito lhe aproveitaram». (
[3])
No entanto, dias antes do embarque em Palos, os reis de Castela tinham mandado apregoar pelos seus estados que as caravelas que iam enviar-se ás Indias não podiam tocar em portos portugueses, aviso este que tanto poderia ser para salvaguarda dos nossos interesses do povo vizinho e evitar complicações previstas como para obstar a uma deslialdade de Colombo de que, de resto, não se livrou da fama, como as suas cartas posteriores o demonstram, suficientemente, muito em especial aquela que dirigiu a Dona Juana, ama do principe D. Juan e irmã de Pedro de Torres, secretario da rainha Isabel, a católica:
«Yo creo que se acordará vuestra merced quando la tormenta sin velas me echó en Lisbona, que fui acusado falsamente qué habia ide ya alla al Rey para darle las Indias. Despues supieron sus Altezas al contrário, y todo fue com málicia. Bien que yo sepa poco: no sé quien me tenga por tan torpe que yo no conozca que aunque las Indias fuesen mias, que yo no me pudiera sustener sin ayuda de Principe.»
Mas, apesar da recomendação proíbitiva dos soberanos, Colombo — no regresso — aportou, intencionalmente, a terras portuguesas. Em 18 de fevereiro de 1493 fundeou nos Açores, no pôrto de S. Lourenço da Ilha de Santa Maria, onde foi pagar uma promessa que fizera à Virgem durante a viagem, a uma capelinha rústica, edificada sobre a rocha, sobranceira ao Oceano vasto que a sua caravela vinha de sulcar pela segunda vez. Depois, aproando novamente à terra portuguesa. entrou a barra de Lisboa a 4 de março, subiu o Tejo, fundeou em frente do Restelo, e foi visitar D. João II — a Vale de Paraíso — que o hospedou durante três dias, presenteando-o, à despedida, com uma mula como sinal de distinção. E só a 13 de março é que levantou ferro para se ir a Sevilha levar, aos castelhanos, a noticia estrondosa do seu feito épico.
Não foram apenas os súbditos de Isabel, a católica, que tiveram a honra insigne de ir descobrir o Novo Mundo, nas caravelas capitaneadas pelo glorioso nauta. Colombo quiz levar portugueses comsigo, tambêm. Ao certo, não se sabe quantos teriam ido mas numa relação incompleta da equipagem, que chegou até nossos dias, figuram os nomes de dois grumetes, compatriotas nossos, que a imortalidade bafeje:
JOÃO ARIAS
filho de Lopo Arias — de Tavira —
e
BERNALDIM
criado de Afonso, marinheiro do piloto
João Rodrigues de Mafra
Relatando uma transação comercial com os naturais, quando da sua chegada a S. Salvador, escreveu Colombo aos soberanos de Castela: «Vi dar 16 ovillos de algodon por tres ceotis de Portugal, que és una blanca de Castilla...». O ceotil (nome derivado de Ceuta), foi mandado cunhar por D. João I, exclusivamente, em comemoração da primeira empresa maritima dos portugueses à Africa em 1415, de que resultou a conquista daquela praça mourisca para o nosso domínio. O facto de Colombo consignar êste episódio da sua primeira viagem — em que figura a pequena moeda comemorativa portuguesa, tem o seu quê de significativo...
Realmente, Colombo só deixou ficar à posteridade escritos seus em latim e em castelhano; mas, nos escritos castelhanos que dêle nos restam, a mais superficial análise revela logo que a ortografia de muitos termos é aportuguesada, que bastantes vocábulos são, a rigor, da nossa lingua, e que a construção sintáxica — como ela era então por êsse tempo — é, positivamente, lusitana.
Colombo, que possuia a crença sincera e fervorosa do português do tempo das descobertas, tinha uma devoção especial com o Espírito Santo. Tendo-se em vista o quanto as impressões subjectivas dos primeiros anos actuam na alma plástica, no espirito dúctil, das crianças isto parece até que vincula, etogéniamente, a sua naturalidade portuguesa. A festividade dos Açores — a mais antiga, a mais tradicional, — é a do «Divino Espirito Santo», que teve a sua origem primitiva na ilha de Santa Maria, onde a divinizada pomba tinha uma capela sob a sua invocação e festejos anuais de grande pompa, isto já ao tempo da descoberta da América. Se foi, efectivamente, à ermida do Espírito Santo, da ilha de Santa Maria, que Colombo foi orar, no dia 18 de fevereiro de 1493, quando regressou da primeira viagem ao Novo Mundo, este desembarque em terra portuguesa tem o seu não sei quê de significativo e revelador...
No descritivo das suas viagens ao Continente Novo êle extasia-se perante as belezas emocionantes da Natureza, exaltando a frescura convidativa das sombras dos arvoredos, o pitoresco das encostas alcantiladas, a elevação soberba das montanhas colossais, a fragancia penetrante das flores e o canto melodioso dos passarinhos. Isto caracteriza, profundamente, a alma lírica do lusitano, o espírito contemplativo do português, navegador e poeta.
Quando a má fé dos hespanhoes o intrigava com mais bravio furor e maior hostilidade, não lhe permitiram desembarcar na ilha Espaniola nem sequer fazer concertos nos seus navios avariados pelas tormentosas rotas dos mares ocidentais que êle, pelo seu génio luminoso, lhes dera. Naufragou na Jamaica e, após ter pedido, com uma ansiada insistência, várias e repetidas vezes socorros à colónia daquela outra ilha, o governador resolveu-se, afinal, a atendê-lo e enviou-lhe, como viveres, um porco pequeno e um barril de vinho, que mandou pôr no meio da praia, recomendando muito que ninguem da sua gente comunicasse com os companheiros do desventurado nauta e, em especial, com ele. Êste gesto infame dos castelhanos demonstra um últrage feito a um compatriota nosso, pois é sabido que já por êsse tempo portugueses e espanhoes se assacavam, mùtuamente, o epíteto depreciativo de marranos (judeus). E, por isso, escarnicadores, lhe enviaram a cuba de vinho e o animal excomungado em que o israelita não pode tocar.
Dahí, a razão de Colombo consignar, no seu «Diário», esta frase dolorida, referindo-se a si próprio: — o que te está sucedendo agora é a recompensa dos serviços que prestaste a outros amos». Outros amos são os reis de Castela, porque o seu verdadeiro amo era o rei de Portugal.
E, por essa ocasião, escreveu também: - «Quem, depois de Job, não morreria de desespero ao vêr que, apesar do perigo que corria a minha vida, a de meu filho, a de meu irmão, a dos meus amigos, nos vedavam a terra e os portos descobertos a preço do meu sangue?»
A preço do seu sangue?!... Sim, a preço do seu sangue, porque, tendo-se insurgido contra a autoridade do seu legitimo rei, D. João II, tivera necessidade de se mascarar de genovês para salvar a vida e evitar a vingança do monarca, mas vendo sempre ameaçadoramente, na alucinação remordente da sua deslealdade, o punhal homicida dos espias.
No entanto, reconforta-o a esperança da justiça póstuma, a certeza da futura imortalidade: — Quando chegaste a uma idade conveniente, Deus encheu maravilhosamente toda a terra com a fama do teu nome, e o teu nome tornou-se célebre entre os christãos». Nada receies, tem confiança. Todas estas tribulações estão escritas no mármore e não são sem motivo».
Era a submissão heróica da raça portuguesa que palpitava nele, essa heróica submissão ao fatalismo do lusitano verdadeiro, essa resignação piedosa perante a fatalidade vendo, ùnicamente, no que lhe acontecia, a interferência súbita de Deus omnisciente, o dedo justo da Providência impondo um desígnio inexorável. No seu brado vibra a fôrça máscula, o belo estremecimento nervoso que ainda anima o português aventureiro de hoje, quando pretende arrojar-se a um lance perigoso de que possa sobrevir o fim da vida: — Morra o homem e fique a fama!
Mas, dir-me-hão: Se Cristovam Colombo era, realmente, português, porque motivo consignou, então, num documento oficial, escrito em castelhano, a sua naturalidade genovêsa, naturalidade que, de resto, a maioria dos seus biógrafos tem aceitado como verídica?!...
Ora, nesse documento — a instituição de um morgadio — que tem servido, esplendidamente, as pretensões italianas, encontra-se, apenas, a declaração singular de haver saído de Génova e ter nascido nela, frase algo confusa, com o seu tanto ou quanto de desnorteante, de reservado, de obscuro, visto que Hernan Colon, biógrafo e historiador de seu pae, afirma que ele quiz que fosse desconhecido e incerta a sua origem e patria.
Portanto, Colombo, sistemáticamente, obstinadamente, envolveu-se num mistério, guardando de si para comsigo toda a verdade ácêrca dos seus antepassados, não se referindo nunca a seus paes tanto nos seus escritos como nas conversas com os seus amigos mais íntimos da côrte de Isabel, a católica. Até a sua própria família castelhana — de parte de D. Beatriz Enriquez de Córdova, sua amante ignorava onde ele tinha nascido, porque, se para alguns dos membros dessa família, era considerado como natural de Saona, para outros a duvida prevalecia na mesma, pois, tendo-se efectuado umas pesquizas, após o seu falecimento, para se determinar, com rigor, a sua verdadeira naturalidade, o irmão de D. Beatriz, Pedro de Arana, de quem fôra grande amigo, declarou singelamente, diante de testemunhas, no seu depoimento: que ouvira dizer que Cristovam Colombo era genovês, porém que não sabia ao certo de onde ele era natural.
A incerteza dessa naturalidade prevalecia também no filho de Beatriz, Hernan Colon, pois manifesta desconhecê-la em absoluto quando diz na Vida del Almirante:
«De forma que quando a sua pessoa se viu adornada de tudo quanto precisava para realizar tão grande feito, tanto menos conhecido e certo quiz que fosse a sua origem e patria, pelo que alguns, que de maneira alguma pretenderam obscurecer a sua fama, dizem que foi natural de Nervi, outros de Cugureo, outros de Buggiasco, aldeolas perto de Génova; outros, querendo exaltá-lo mais, dizem que foi de Saona, e outros genovês, e alguns outros ainda, deitando-se a adivinhar, o fazem natural de Plasencia.»
De resto Hernan Colon foi, de propósito, á Italia fazer averiguações, mas nada conseguiu apurar, em Genova, que lhe trouxesse a convicção de que seu pai era, efectivamente, aparentado com a familia Colombo daquela cidade.
Os escritores contemporaneos do denodado nauta — espanhoes, italianos, portugueses — nada dizem de positivo acerca da sua terra natal, limitando-se a copiarem-se uns aos outros. Bernaldez, auctor da «Cronica de los Reys Catolicos», amigo intimo e depositario dos papeis mais importantes do ousado navegador, chama-lhe «homem de Genova», mas, ao referir o seu falecimento, diz que era da «provincia de Milão», demonstrando assim desconhecer, tambem, a sua verdadeira naturalidade.
Como vimos é, de facto, muito duvidosa a decantada naturalidade genovêsa bem como a sua suposta nacionalidade italiana. Parece até que desconhecia, por completo, a lingua italiana, porque todos os escritos que deixou — documentos, cartas, e as notas nos seus livros de estudo — são em castelhano ou latim... sem que neles, porém, se encontre a minima referencia a Genova. É, pois, evidente que foi, apenas, por conveniencia propria que se fez passar por genovês quando abandonou Portugal e entrou em Castela, sabendo que os genovêses «tenian gran acogimento y benevolencia en la Corte de los Reys Catolicos, segundo afirma um auctor espanhol.
Foi em 1474, estando ainda em Lisboa, que o grande navegador consultou, sobre um assunto nautico, por escrito, o celebre cosmógrafo italiano Paolo Toscanelli, tendo servido de intermediario entre ambos o comerciante Lorenzo Giraldi, italiano tambem.
Na sua carta o sabio exalta Portugal, entusiasticamente, e trata Colombo por português:
«A Cristovam Colombo, Paulo, fisico, sauda:
«Recebi as tuas cartas e agradeço-te as expressões com que me favoreces. É digno do maior louvor o desejo, que mostras, de navegar do Levante para o Poente, como se indica no mapa que te enviei, e melhor poderá demonstrar-se em uma esfera propriamente dita. Foi para mim motivo de jubilo o facto de haver sida compreendida a minha demonstração, e oxalá essa viagem, que por emquanto não saiu ainda dos limites da possibilidade, se tome real e certa, para gloria de quem a levar a cabo, e para interesse de todos os cristãos. Desses paizes só pela experiencia poderás fazer ideia perfeita, emquanto que eu a faço por boas e veridicas informações, que me teem sido fornecidas por homens ilustres e de grande saber, vindos dessas regioes a esta côrte de Roma, e por varios negociantes que ali teem traficado por longo tempo, pessoas estas para mim de toda a fé.
«De modo que, quando conseguires levar a cabo essa viagem, penetrarás em poderosos reinos, em provincias e cidades riquissimas, abundantemente providas de todas as coisas de que carecemos, isto é, de todas as especies de drogas e de pedrarias em profusão. De certo ha da ser tambem muito grata aos principes e reis dessas regiões comerciarem e entreterem relações, como ha tanto tempo desejam, com os cristãos dos nossos países, não só porque entre eles existem tambem muitos sectarios da nossa religião que teem grandissimo empenho. em tratar com os nossos sabios e homens ilustres, mas tambem porque gosam ali de grande reputação os imperios e instituiçoes dos nossos paizes.
«Nao me surpreende, pois, por estas e por muitas outras coisas que sobre o assunto poderiam ainda dizer-se, que tu, que és dotado duma tão grande alma, e a mui nobre Nação Portuguesa, que em todos os tempos tem sido sempre enobrecida pelas mais heroicos feitos de tantos homens ilustres, tenhaes tão grande interesse em que essa viagem se realise».
Como se vê pela final desta carta, o florentino, o italiano, Paolo Toscanelli, exalta, com entusiasmo, um português que tencionava efectuar uma viagem maravilhosa. Se se tratasse de facto, dum genovês os termos deste final seriam, evidentemente, outras, porque a sabio de Florença decerto, empregaria outras expressões muito diferentes dirigindo-se a um compatriota. Mas como foi o comerciante italiano Giraldi que fez a apresentação de Colombo a Toscanelli, não resta a menor duvida que, para estes dois italianos, ele era português.
Ora ha outro facto ainda que confirma a nacionalidade portuguesa do denodado nauta. Apoz a descoberta da América, Colombo foi feito almirante dos mares que navegara, vice-rei das terras que descobrira, sendo-lhe concedido usar a particula Dom antes do nome, como titulo de nobresa, e acrescentado o seu brasão de armas. Numa Carta de Provisão, de Isabel, a catolica, datada de 20 de Maio de 1493, que Navarrete reproduz no volume 2.º da sua «Coleccion de los viajes y descubrimientos que hicieron por mar los espanoles desde fines del signo XV», entre outras disposições, encontra-se a seguinte:
«... un castillo é um Leon, que Nós vos damos por armas: conviene a saber, el Castillo de color dourado en campo verde, en el cuadro del escudo de nuestras armas en la alto a mano derecha, y en el outro cuadro alto a la mano isquierda un Leon de purpura en campo blanco rampando de verde, y en outro cuadro bajo a la mano derecha unas islas douradas en ondas de mar, y en outro cuadro bajo a la mana izquierda las armas vuestras que sabiades tener, las cuales armas sean por vuestras armas e de vuestros fijos y descendientes para siempre, jamas...» etc. etc.
O brasão que Colombo anteriormente adoptára para si, por sua alta recreação, decerto, — «las vuestras armas que sabiades tener» segundo refere o documento, — era muito significativo e revelador: um escudo com cinco ancoras, dispostas da mesma maneira que as quinas dos cinco escudetes da bandeira de Portugal! Parece que por esta maneira grafico-simbolico o misterioso nauta, que tão ciosamente escondia em Espanha a sua vida preterita, pretendeu soerguer um poucochinho o veu com que ocultava a sua verdadeira nacionalidade luzitana... Este numero simbolico das cinco ancoras — em confronto com as cinco quinas, e com os cinco escudetes da nossa gloriosa bandeira, — revela o misterio. Colombo era português, porque só um português buscaria uma analogia simbolica com o pavilhão épico das quinas!
O brasão de armas de Colombo
No brazão de armas de Colombo, a disposição das ancoras no escudo, é identica á das quinas dos escudetes da bandeira de Portugal, como se pode confrontar com os desenhos que reproduzimos.[1] V. Historia da Literatura portugueza, segunda epoca: Renascença, pág. 20-21, Porto, 1914, por Teofilo Braga.
[2] «Todo esto engendró nueva ansia y golosina en Cristobal Colon (que de suyo era, aunque pobre, de anima alentado, para emprender este descubrimiento, pero no tenia el con que executárlo. Aviendo se aconsejado cõ su hermano Bartolomé Colon, y con uno Relegioso llamado Fray Juan Perez de Marchena, del Monasterio de la Rabida del Orden de San Francisco, Português de nacion, que sabia algo de Cosmografia y con parecer y acuerdo suyo fué a valerse del favor del Rey don Juan de Portugal, que no lo oyó como el quiera...”, etc. V Historia general de la Orden de Nuestra Senora de la Merced», vol. 2.º, cap. VI pág. 89, por Frei Alonso Remon, mercenário.
Neste cronista monástico o nome do frade Marchena não condiz com o dos seguintes documentos, mais antigos, que confirmam o da carta de Colombo, com todo o rigor:
«Nos parece que seria bien llevasedes con vos un buen estrologo y nos parescio que seria bueno para esto Fray Antonio de Marchena, porque és buen estrologo, y siempre nos paresció que se conformaba ron vuestro parecer».
V. «Carta mensajera», dirigida pelas reis católicos ao Almirante em 25 de setembro de 1493, dando-lhe várias instruções para a sua segunda viagem ao Novo Mundo, publicada, nos “Documentos Diplomáticos», por Navarrete.
Las Casas — na sua «Historia general de las Indias», parte l.ª, cap. XXXII, diz tambêm:
«Segundo parece por algunas cartas de Cristobal Colon escritas por su mana (que yo he tenido en las mias) á los Reys desde esta isla Espaniola, un relegioso que habia por nombre Fray Antollio de Marchena, fué el que mucho le ayudó, á que la Reyna se persuadiesse y aceptasse la petition. Nunca pude hallar de que Orden fuese, aunque creo que fuese de San Francisco, por cognoscer que Cristobal Colon después de Almirante siempre fué devoto de aquella Orden. Tampoco pude saber cuando, ni en qué, ni como le favoreciese ó que entrada tuviera con los Reys el ya dicho Padre Fray Antonio de Marchena.»
[3] V. Chronica de D. João II, respectivamente, cap. CLXIV, CLXVIII e CLXIX.