sexta-feira, 23 de maio de 2008

Cristóvão Colombo – Documentos III



De Lettere di Cristoforo Colombo, autografi conservati nel Palazzo Municipale di Genova, Município de Génova, MCMXII, e como prova da relação do famoso descobridor com o banco de S. Jorge, em Génova, apresenta-se uma transcrição da carta autógrafa de 2 de Abril de 1502.


alos muy nobles señor(e)s del/
muy magnifico ofiçio de san giorgi/
e(n) genua //

// muy nobles senor(e)s/

bie(n) q el coerpo and(e) aca el coraço(n) esta ali de c(on)tinuo n(uest)ro S(eñ)or me ha hecho la mayo/
me(r)ced q despues de dabid el aya hecho a nad(i)e las cosas de my empresa ya luze(n) /
y faria(n) gra(n) lumbre si la escuridad del gobierno no(n) les incubrira yo boibu /
alas yndia(s) e(n) no(m)bre de lasanta trinedad p(ar)a tornar luego y por q yo soy /
mortal yo d(e)so ad(on) diego my fijo q d(e) la renta toda q se obiere q os /
acuda ali co(n) el diezmo de toda ella cada hu(n) año p(ar)a sie(m)pre p(ar)a e(n) des /
cue(n)to de la renta del trigo y bino y tras bitualias comederas si este /
diez(m)o fuere algo reçebidle y si no reçebid la voluntad q yo tengo /
a este fijo myo vos pido por me(r)ced q tengays e(n)come(n)dado mycer /
nycolo de oderigo sabe de mys fechos mas q yo prop(ri)o y ael he /
e(m)biado el traslado de mys p(r)ivilegios y cartas p(ar)a q los ponga /
e(n) buena guardia folgaria q los viesed(e)s el rey y la reyna /
mys S(eño)res me quere(n) honrrar mas q nu(n)ca la santa trinidad /
v(ues)tras nobl(e)s p(er)sonas guarde yel muy magnifico ofiçio acresiente /
fecha e(n) sibilla ados de abr(i)l de 1502 /

el almirante mayor del mar oçeano y viso rey /
y gobernador general de las yllas yterra firme /
de asia e yndias del rey y de la reyna mys S(eño)res ysu /
capita(n) (g)eneral de la mar y del su c(on)sejo

.S.
.S.A.S.
X M Y
XPÕ FERENS// (1)




____________

(1) Compaginar com as lâminas III.ª do Códice Diplomático – Americano, de Justo Zaragoza, Habana, Imprenta y Libreria “El Iris”, Obispo 20 y 22, 1867.
Cervantes Virtual
Publicada por Girolamo Bordoni en Milan, 1614, segundo Harrisse, Colomb, son origine, etc., t. II, p. 150.
La Real Academia de la Historia, Bibliografia Colombina, Enumeración de Libros y Documentos concernentes á Cristobal Colón y sus Viajes, Madrid, 1892, p. 200 e 201.




Eduardo Albuquerque

domingo, 18 de maio de 2008

Cristóvão Colombo – Documentos II



Testemunhando o relacionamento estreito entre Cristóvão Colombo e Américo Vespúcio, trazemos a este blog uma transcrição de uma carta de 5 de Fevereiro de 1505 que se custodia no Archivo General de Indias, Sevilla, Patronato, 295, N. 59.


Muy caro fijo di(og)o me(n)dez partio de aq(ui) lunes iij (tres) deste mes deppues de /
partido fable co(n) amerigo vespuchjo portador desta el qual va alla/
llamado sobr(e) cosas de nabigaezo(n) el sienpre tubo deseu de me hazer/
plazer es mucho ho(m)bre de bie(n) la fortuna le ha sido contraria como /
a otros muchos seus trabajos no(n) le ha(n) aprobechado tanto como la razo(n)/
req(ui)ere el va por myo y e(n) mucho deseu de hazer cosa q redonde /
amy bie(n) se asus manos esta yo no(n) sey de aqua (acá) e(n) q yo le e(m)ponga /
q amy aprobeche por q no(n) sey q sea lo q alla le queren el va /
determinado de hazer por my todo lo q ael fuere posible ved /
alla e(n) q puede aprobechar y trabajad por ello q el lo hara todo /
y fablera y lo porna e(n) obra y sea todo secretam(en)te por q no(n) se /
aya del sospecha yo todo lo q se aya pedido dezir q toque aesto /
se lo he dicho y e(n)formado de la paga q amy se ha fecho y se haz /
esta carta sea p(ar)a el s(en)or adelantado tambie(n) por q el vea e(n) q /
puede aprobechar y le abise dello crea .s.a. ( su alteza) q sus nabios fuero(n) /
e(n)lo mejor de las yndias y mas rico y se queda algo p(ar)a sab(e)r mas /
delo dicho yo lo sastifere alla por palabra por q es inposible a lo /
dizer por esc(ri)to n(uest)ro s(en)or te aya e(n) so santa guarda fecha e(n) sebilla /
a v(cinco) de feb(re)ro/

tu padre q te ama/
mas q asi

.S.
.S. A .S.
X M Y
Xpõ FERENS




Eduardo Albuquerque

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Américo Vespúcio – Carta a Piero Soderini


Em acréscimo aos testemunhos já aqui dados, hoje apresenta-se mais um pequeno excerto da “Lettera di Amerigo Vespucci delle isole nuovamente trovate in quattro suoi viaggi”, que independentemente de juízos de valor que se possam fazer sobre a autoria desta polémica “Lettera a Soderini”, do ano de 1504, que foi imputada a Vespúcio, e publicada em vida de Cristóvão Colombo, constitui testemunho indelével da forma como este era designado, ou seja, por Christophal COLOMBO e por COLOMBO.



Lettera di Amerigo Vespucci delle isole
nuovamente trovate in quattro
suoi viaggi

[1504](1)


(...) Et ha da sapere
V.M. Che se le perle non sono mature & da se non sispiccha
no nõ perstanno: perche sidamnano presto; & di questo neho
visto experientia; quando sono mature stanno drento nella
osrrica spicchare & messe nella carne; et q~ste son buone: quan
to male tenevano che la maggior parte erono roche & mal
forate: tutta via valevano buon danari: pche sivendeva el mar
cho. . et alcapo di 47 giorni lasciãmo la gente molto
amica nostra. Partimoci & perla necessita del mantenimento
fumo a tebere allisola dantiglia che e questa che discoperse
Christophal colombo piu anni fa; dove face~mo molto man
tenime~to: & ste~mo duo mesi & 17 giorni: dove passamo mol
ti pericoli & travagli con li medesimi christiani che in questa
isola stavano col Colombo: credo per invidia: che per nõ esse
re prolixo li lascio di racchontare. Partimo della decya isola
adi 22. di Luglio: & navicãmo i~ un mese & mezo; & entrãmo
nel porto di Calis che fu adi 8 di Septempre di di elmio se
condo viaggio: Dio Laudato.

Finito elsecondo Viaggio:
(...)




Tradução inglesa:

SECOND VOYAGE
(...)

(...) And Your Magnificence must know
that if the pearls are not mature and do not detach them
selves of their own accord, they are of no value, because
they soon spoil; and of this I am an eye-witness. When
they are mature, they are inside the oyster, detached and
sunk into the flesh, (fol. i8v, M) and these are good.
All the bad ones which they had, most of which were
nicked and badly perforated, were nevertheless worth
good money, because a mark sold for [60 maravedis.]
And after 47 days we left these people very friendly dis
posed toward us. We set forth, and, owing to our need
of provisions, we made the island of Antilles, which is the
one that Christopher Columbus discovered several years
ago. There we took on a good stock of stores, and re-
mained two months and 17 days. There we suffered
many perils and hardships with those self-same Christians
who were in this island with Columbus, out of envy, I
think. I refrain from recounting them, so as not to be//

// prolix. We left the said island on the 22nd day of July,
and sailed for a month and a half, and entered the port
of Cadiz, which was on the 8th day of September, where
[we were well received with honor and profit. Thus
was ended] my second voyage. God be praised.(2)






___________

(1) Vespucci Reprints, Texts and Studies, II, The Soderini Letter 1504, In Facsimile. Reproduced in facsimile from the McCorrnick-Hoe copy in the Princeton University Library, Published June, 1916, p. 23.
(2) Amerigo Vespucci “Letter to Piero Soderini”, Gonfaloniere. The year 1504. Translated with Introduction and Notes by George Tyler Northup, Princeton University Press Princeton, N.J., London: Humphrey Milford, Oxford University Press, 1916, p. 31-32.


Eduardo Albuquerque

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Qual é a forma dum acto notarial no século XV?

Depois de desvarios em torno da veracidade dum acto notarial alegando que estes diplomas:
1. têm sempre sinal de tabelião.
2. têm sempre assinatura dos envolvidos
3. têm sempre o nome dos pais das pessoas envolvidas.

Vejamos um caso prático. O testamento datado de 7 de Janeiro de 1419 de Gonçalo Rodrigues de Azambuja e de Maria Gonçalves, sua mulher (ANTT, Corpo Cronológico, Parte I, Maço 1, n.º 13, primeira e última página)





A Diplomática é muito mais complexa do que podem imaginar levianamente os leigos.

Infelizmente para os investigadores, o nome dos pais nem sempre consta na documentação, depende muito das épocas, da idade dos contratantes e de inúmeros outros factores tidos por relevantes na altura em que cada acto é celebrado.
No que se refere à idade das pessoas:
Nos documentos medievais e modernos por regra NUNCA se indica a idade exacta.
A forma usual é dizer fulano tem cerca de X anos, tem entre X e Y anos, homem/mulher de mais de N anos, tem mais ou menos, pouco mais ou menos tal idade.
Esta dificuldade de quantificar nas épocas pré-industriais só causa estranheza a quem não lida com documentação.
Aproveitando a lição gratuita de Diplomática, o sinal de tabelião só é aposto no documento original entregue às partes; já as assinaturas das mesmas não se esperam encontrar nas cópias posteriores dos actos.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Cristóvão Colombo – Documentos

Testemunhando o uso pacífico, no mesmo documento, das formas Colom e Columbo, utilizadas em vida do famoso descobridor, reproduz-se um excerto da Carta a Santangel (1), impressa e publicada em Basileia, no ano de 1494.



De insulis nuper inventis

Epistola Christoferi Colom (...)

Do último fólio:

(...) Christoforus Colom, Oceanicę classis Præfectus.



Epigranma R. L. de Corbaria,
Episcopi Montispalusii
ad invictissimum Regem Hispaniarum.

Iam nulla Hispanis tellus addenda triumphis:
atque parum tantis viribus orbis erat.
Nunc longe Eois regio deprensa sub undis
auctura est titulos, Bęthice magne, tuos.
Unde repertori merito referenda Columbo
gratia, sed summo est maior habenda Deo,
qui vincenda parat nova regna tibique sibique
teque simul fortem præstat et esse pium. (2)

Tradução castelhana:


Epigrama de R. L. de Corbaria,
Obispo de Montepalucio
al Invictísimo Rey de las Españas.

Ya no resta á la España tierra alguna
en donde su pendón esclarecido
No se tremole y triunfe; á sus esfuerzos
Espacio el orbe fuera reducido
Gloriarte puedes, caudaloso Betis,
Y añadir á tus timbres más antiguos
Otro nuevo, que en ondas del oriente
Descubrieron tus hijos siempre invictos:
Al inmortal Colon loor eterno
Y memoria de un pueblo agradecido,
Y más rendidas respetuosas gracias
Al Dios excelso, sabio é infinito,
Al Dios, que te prepara nuevos reinos
Donde se ejerza el tuyo y su dominio,
Con que llamarte puedas entre todos
Valiente, poderoso, fiel, benigno. (3)





________

(1) Sobre as diversas edições desta famosa carta ver: Columbus's First Letter.
(2) Epistola de insulis nuper inventis; De insulis nuper inventis Mare Indicum Repertis.
(3) Martín Fernández de Navarrete, Coleccion de los Viages Y Descubrimentos Que Hicieron Por Mar Los Españoles, Madrid, 1825, p. 197.


Eduardo Albuquerque

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Cristóvão Colombo – Américo Vespúcio

Mais um testemunho que hoje aqui se deixa, desta vez da autoria de Américo Vespúcio (1), sobre a naturalidade de Colombo, retirado de:


Alberico Vesputio, Paesi Novamente retrovati et Novo Mundo, de Alberico Vesputio Florentino intitulato. Cum Privilegio, Vizenza, 1507.


Do livro quarto, capítulo LXXXIIII.


«In comenza la navigatione del Re de Castiglia
Isole & Paese novamente retrovate. Libro quarto.//

Como Re d Spagna armo, II, navili a Colõbo. c. lxxxiiii.

Christophoro Colombo Zenovese homo
de alta & procera statura rosso: de grande in
gegno & faza lõga. Sequito molto tempo li
Serenissimi Re de Spagna in qualsiq par
te andavano: procurando lo aiutassero adar
mare qualche navilio: che se offeriva attrovare perponente
insule finitime de la india: dove e copia de pietre preciose: &
specie: & oro; che facilmente se porriano cõsequire. Per mol
to tempo el Re & la Regina: & tutti li primati de Spagna:
de cio pe pigliavano zocho: & finaliter dapo sette ãnitõ: da
po molti travagli.Compiacetteno a sua volunta: & li armar
no una Nave & doe Caravelle cum le quale circha ali primi
gorni d Septembre M.CCCCXCII, se parti da li liti Spanit & i
cominzo el suo viazo.»


Do livro quarto, capítulo XCVIII

«Cose maravigliose p lo admirante retrovate. c. xcviii.


Cercato qñto e dcõ lo admirãte sene torno alla
Rocha isabella dove lasso al governo alcüiz &
lui se pti cü tre navili p andate a descoprire cer
ta terra ch lui haveva visto, pëso fusse terra fer
ma; & e miglia .lxx. & ñ piu lontana da la isola spagnola
la ql terra li paesãi chamavã cuba; passato d li dabãda dl me
tãto piu se slõgava il iu & ãdavase i colsando verso mezodi:
ita chogni zorno se trovava piu verso mezodi; tãto chl zõ
se a una isola chiamata da paesãi iamaica: ma cõe lui dice da
li cosmographi e dcã lãna mazor: qle e mazor de la cicilia: &//

// (...)»

Do fim do livro sexto.

«(...) Stampato in Vicentia cü la imprensa de Mgro
Henrico Vicentino: & diligente cura & indu
stira de Sã maria suo fiol nel. M.cccccvii, a
di, iii de Novembre. Cum gratia &
privilegio p ãni.x. Como nella
sua Bolta appareiche p
sõa del Dominio Ve
neto nõ ardisca i
primerlo»






Eduardo Albuquerque

Esclarecimento,

Por imperativos deontológicos, venho informar que não sou professor, nem tenho qualquer título académico de Doutor. Sou sim jurista.

Eduardo Albuquerque

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Confutatis e lacrimosa do Requiem de Mozart



À memória de Colombo, Vespúcio e Waldseemüller

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Portugueses na Austrália

Peter Trickett, jornalista britânico residente na Austrália, discute no seu livro Para Além de Capricórnio a teoria segundo a qual os portugueses terão sido os primeiros colonos europeus a chegar à Austrália, ainda durante a primeira metade do século XVI.
O autor baseia a sua tese no estudo de alguns mapas do Atlas Vallard (1545), ao constatar que, fixando metade de um mapa e rodando a outra metade por um ângulo de 90º, se conseguem obter as costas australianas Leste e Sul com grande pormenor e atribui a Cristóvão de Mendonça a descoberta da Austrália.
O Museu da Ciência convidou vários especialistas para debaterem este assunto no próximo dia 8 de Maio num colóquio que decorrerá das 10h00 às 13h00 e das 14h30 às 18h00.



COMUNICAÇÕES

LUÍS FILIPE THOMAZ

Instituto de Estudos Orientais da Universidade Católica
Não foi Cristóvão de Mendonça quem descobriu a Austrália

JOSÉ AZEVEDO E SILVA
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
Viagens e mistérios nos mares da Indonésia e da Austrália

JOÃO PAULO OLIVEIRA E COSTA
Departamento de História da Universidade Nova de Lisboa / CHAM
Uma terra desinteressante. Os naufrágios holandeses na Austrália Ocidental do século XVII

FRANCISCO ROQUE DE OLIVEIRA
Departamento de Geografia da Universidade de Lisboa
A influência portuguesa na cartografia da Escola de Dieppe: de Nicolas Desliens a Jacques de Vau de Claye, 1541-1579

JORGE SEMEDO DE MATOS
Escola Naval
As rotas tradicionais do arquipélago e sua relação com as rotas não tradicionais

JOSÉ ALBERTO LEITÃO BARATA
Mestre em História dos Descobrimentos
A exploração dos litorais de Samatra

DEBATE MODERADO POR
FRANCISCO CONTENTE DOMINGUES
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

CONTACTOS
Museu da Ciência
Laboratório Chimico
Largo Marquês de Pombal
3000-272 Coimbra
T. 239 85 43 50
F. 239 85 43 59
geral[arroba]museudaciencia.pt
www.museudaciencia.pt

terça-feira, 15 de abril de 2008

Alucinação Total

O delírio total atingiu algumas das linhas de discussão do fórum GeneAll sobre Cristóvão Colombo e nem tudo é justificável pela total ignorância dos mais básicos conhecimentos paleográficos.
É certo que toda a discussão colombina há anos que está inquinada. Só que agora atingiu o cúmulo do ridículo. Os devotos descobriram que a Torre do Tombo tem em linha o Corpo Cronológico e vai daí atiraram-se a ele como o gato ao bofe e a asneira começou a jorrar.
Como aviso aos incautos e aos distraídos declara-se aqui que a leitura feita no referido fórum dos documentos TT-CC-2-1-41 e TT-CC-2-1-42 é totalmente fantasista e não tem – até agora – nada de verdade.
Os documentos são escritos em português; não têm qualquer caracter grego (mas têm numeração romana medieval); não referem qualquer Cristóvão Colombo (ou suas variantes pseudo-históricas); não referem nenhuma Filipa Moniz; não referem nenhum Moliarte... em suma: alucinação integral.

Transcrição: Cento arrobas

(Por baixo está simplesmente um rabisco a trancar a página.
Não está, pois, um alfa rodado. Quando muito seria um gama (muito se gosta de complicar!).

Depois de manifestada tanta ignorância ainda há quem tenha a desfaçatez e a coragem de para criticar historiadores e fontes?

sábado, 5 de abril de 2008

Cristóvão Colombo - Um gambito que nunca existiu

A Pseudo-História Colombina enfrenta severas dificuldades para tornar credível a sua fantasia dum Cristóvão Colombo português. Não tendo qualquer documento em que se possa sustentar, socorre-se de fontes secundárias que interpreta de forma muito generosa tentando encaixá-la à força na História. Ora, é aqui que se espalha ao comprido, pois vivendo Colombo numa época extremamente complexa, qualquer explicação que a Pseudo-História tente dar numa vertente entra logo em contradição com outros factos coevos, obrigando-a a contorcionismos vários – quando não mesmo a falsificar as temáticas próximas – criando um mundo virtual paralelo onde princípios como o da simplicidade e da plausibilidade estão completamente arredados.

Partindo a Pseudo-História do postulado de que Cristóvão Colombo é português tem de explicar porque razão não há na documentação portuguesa nenhum Colombo, Colom, Colomo, etc. Logo o nome de tem de ser um pseudónimo. Se é um pseudónimo é porque há algo a esconder. Logo, uma vez mais, postula-se ser um agente secreto. Mas um agente secreto tem de ter uma missão. Então inventa-se-lhe o encargo de enganar os Reis Católicos levando-os para longe da Rota da Índia perseguida pelos portugueses.

É precisamente neste quadro que tudo se desmorona.

Volta-se assim a uma pergunta anteriormente feita, porque carga de água é que D. João II havia de dar aos castelhanos aquilo que eles nunca procuraram? Porque razão haveriam os portugueses de querer afastar os castelhanos dum plano que estes não tinham? Porque razão quereria D. João II lembrar aos castelhanos aquilo de que nunca se haviam lembrado?

O facto de piratas, corsários ou mercadores castelhanos frequentarem o Golfo da Guiné nos anos 70 de Quatrocentos não demonstra que Castela também queria procurar um caminho para a Índia. A guerra de corso movida por Castela a Portugal no período em que D. Afonso V quis a coroa do reino vizinho não é o mesmo que a busca sistemática do caminho para a Índia. Essa guerra terminaria com a chegada da paz. Além do que, nesse tempo, também andavam pelo Golfo da Guiné navios franceses e não há indícios que isso fosse visto como o início da expansão francesa para a Índia – aliás, como também não os há demonstrando ser essa a intenção castelhana. Sendo, apesar de tudo, estes factos manifestações dum Plano Castelhano das Índias, a Rota do Cabo ficava salvaguardada para Portugal pelo tratado de Alcáçovas-Toledo.

Outra falta de raciocínio da Pseudo-História está na conclusão lógica que não retira do seu postulado de ser o tratado de Tordesilhas provocado por D. João II porque os espanhóis não cumpriam, ou poderiam deixar de cumprir, o de Alcáçovas-Toledo. Ora, não respeitando Castela a Rota do Cabo Portuguesa com o tratado de Alcáçovas-Toledo respeitaria um outro tratado com uma repartição diferente do mundo como aquele que foi assinado em Tordesilhas e que, tal como o primeiro, mantinha os castelhanos arredados da Índia? Ou seja, se os espanhóis não cumprissem Alcáçovas-Toledo os portugueses nunca teriam a certeza de que estes cumpririam um outro tratado.

As ideias do Colombo português obedecem ao princípio da simplicidade explicativa? São plausíveis?

Desde o século XII que toda a Europa está em expansão. Portugal não é excepção. Só que a portuguesa assume características próprias, levando-a mais cedo para fora do espaço continental em que se encontra inicialmente confinada. Esta dinâmica expansionista não é só portuguesa mas europeia e cedo ou tarde todos acabariam por seguir o mesmo caminho, como de facto aconteceu em vagas sucessivas até ao século XX.

No século XIV começa a expansão oceânica à escala global e nesta os castelhanos serão os últimos de todos os povos peninsulares, mas não porque D. João II se tenha lembrado de lhes oferecer um continente em troca duma Índia à qual ainda não sabia se algum dia chegaria.

E como muito bem observa Vitorino Magalhães Godinho

... desde o último quartel de Quatrocentos constroem-se os sistemas de circulação oceânica, a grandes distâncias, que entretecem pouco a pouco esses pequenos mundos no mundo atlântico, cuja génese e desenvolvimento se compreendem tão só em função duma rede de trocas à escala do Globo. Nestes níveis sobrepostos actuam actores – mareantes e mercadores, pequenos nobres e escudeiros –, depois a grande nobreza, as linhagens e institutos poderosos, intervindo as coroas desde cedo a tentar organizar o conjunto e subordiná-lo à formação do Estado moderno. É tal combinação do plano político e do fervilhar de iniciativas privadas que vemos em acção, ora firmada de cima ou pelo menos conjugada, ora desencontrada. Aragão desde os séculos XIII e XIV age segundo políticas definidas em relação ao Levante, à Sicília e Nápoles; Fernando o Católico e o Cardeal Cisneros definem, no quadro da política mediterrânea, as acções metódicas no Magreb. Ao invés, Castela intervém descozidamente nas Canárias, a conquista e aproveitamento partem de famílias com meios ou até de sociedades nobiliárquico-capitalistas. Só nos anos 70, com a ameaça portuguesa de unidade dinástica e o aliciante dos tratos dos rios de Guiné se abre um período em que, deixando como sempre a iniciativa a particulares, o Estado defende e concebe o arquipélago como peça numa de estratégica de expansão. Em Portugal parece dar-se o inverso...
Vitorino Magalhães Godinho, «As Ilhas Atlânticas. Da Geografia Mítica à Construção das Economias Oceânicas», Actas do I Colóquio de História da Madeira, vol. I, Funchal, 1989 (1986), p. 40.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Joel Serrão (1919-2008)


Joel Serrão foi um dos maiores historiadores portugueses. Pelo grande público é conhecido por ter dirigido o Dicionário de História de Portugal, uma obra monumental que reuniu os melhores historiadores à data da sua produção, e que continua hoje a ser um instrumento de trabalho essencial para todos os que começam a estudar um qualquer assunto do passado de Portugal ou que simplesmente têm necessidade de esclarecer rapidamente uma dúvida.
A sua vasta produção historiográfica centrou-se principalmente na cultura, mentalidade e pensamento do século XIX e XX, não deixando, no entanto, de produzir obras fundamentais para a compreensão da Idade Média e Moderna.
A sua morte deixa mais pobre a historiografia portuguesa e o país.



quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Filipa Moniz - a não comendadeira

Dos estudos recentes sobre a comunidade feminina da Ordem de Santiago destacam-se os de Joel Mata: A Comunidade Feminina da Ordem de Santiago – A Comenda de Santos na Idade Média (1991) e A Comunidade Feminina da Ordem de Santiago – A Comenda de Santos em finais do Século XV e no Século XVI – Um Estudo Religioso, Económico e Social. Tratam-se de dois trabalhos exaustivos e sistemáticos, cobrindo cronologicamente a Idade Média e os inícios da Moderna, procurando compreender, à luz da documentação coeva – e na medida em que ela o permite – a realidade social, económica e religiosa das mulheres recolhidas neste convento.

O primeiro estudo é o mais interessante para o esclarecimento dos (falsos) problemas criados à volta de Cristóvão Colombo, especialmente em torno do seu casamento com Filipa Moniz, o seu estatuto social, e da relação de ambos com a Ordem de Santiago. Especificamente esta obra não é um estudo sobre a esposa de Cristóvão Colombo, nem sobre qualquer matéria colombina entendida como a busca de elementos para a biografia do navegador italiano. Trata exclusivamente do Convento de Santos e tem como um dos objectivos a inventariação dos nomes de mulheres referidas na documentação. Entre esses nomes surge o de uma Filipa Moniz, ao qual não está associado mais nenhum dado que possibilite a identificação positiva com a filha de Bartolomeu Perestrelo e esposa de Cristóvão Colombo. No entanto poderá aceitar-se ser a mesma pessoa, considerando o período cronológico e o facto de não se conhecerem outras referências a esse nome noutras fontes coevas.

No mosteiro de Santos Filipa Moniz é referenciada por Joel Mata em pelo menos dois documentos entre Janeiro de 1475 e Janeiro de 1479. Estes documentos são mencionados numa relação de mulheres onde, entre outros dados, se distingue entre dona e não-dona: Filipa Moniz é referida como não-dona[1]. Da leitura da tese de Joel Mata também se confirma a ideia já aqui aflorada de Filipa Moniz não ser comendadeira de Santos, logo, e necessariamente, de Santiago. Afirma o estudioso:

«Por várias vezes se encontra nos autores, o título de comendadeira expresso no plural pretendendo designar de uma forma geral as freiras professas. Com efeito, tal designação não foi detectada no acervo documental compulsado, excepção feita a um traslado datado de 1781 de um contrato agrário, de 1483, do tempo de D. Beatriz de Meneses»[2].

Contrariamente ao que tem sido insistentemente declarado pela pseudo-história, esta afirmação de Joel Mata, resultando de um estudo sistemático da documentação relativa ao Mosteiro de Santos e produzida num contexto onde as questiúnculas colombinas estão completamente ausentes, deverá ser prova suficiente de que Filipa Moniz não era comendadeira de Santiago, simplesmente porque esse título se referia exclusivamente à superiora da instituição.

Após a morte do mestre Mem Rodrigues de Vasconcelos o mestrado de Santiago passou para as mãos da família real portuguesa. Primeiro para D. João, filho de D. João I, depois para D. Fernando, genro do anterior e irmão de D. Afonso V. D. Fernando esteve «bastante atento aos negócios do Mosteiro de Santos[3]», sucedendo-lhe o seu filho D. João e, após a morte deste, o príncipe D. João.

Dada a falta de fontes portuguesas, o autor tenta colmatar o facto socorrendo-se sobretudo da bibliografia espanhola e dos estudos da historiografia do país vizinho sobre a ordem, o que poderá não corresponder inteiramente à realidade nacional.

Escreve:

«O governo e a administração destas casas estava a cargo de um grupo de monjas, freiras ou donas, como indiferentemente se chamavam, que faziam profissão e recebiam o hábito de Santiago, obrigando-se ao cumprimento absoluto dos ditames da Regra.

Oriundas em larga escala das camadas nobres elegiam, entre si, a prioresa que na Ordem toma o nome de Comendadeira, pela sua virtude e exemplo dado na comunidade, cuja aprovação era da competência do mestre[4]

Estas duas frases, a terem aplicação em Portugal, obrigam a deduzir que Filipa Moniz seria professa do mosteiro de Santos (as donzelas aos 15 anos tinham de optar por sair ou professar[5]), pois aparece referida em actos de administração do mesmo a partir de 1475. Já as mesmas duas frases não permitem concluir que fosse de alta-nobreza, mas tão só, e provavelmente, nobre.

A comendadeira, ou seja a superiora, é oriunda das camadas superiores da nobreza[6] e, no caso português, «algumas comendadeiras não têm ou parecem não ter qualquer afinidade com os cavaleiros da Ordem»[7]. O comendador tinha a competência de administrar o património das monjas, «o que no caso português pouca influência teve»[8]. A regra é omissa quanto à natureza dos membros femininos do mosteiro, servindo o mesmo para recolhimento da família dos freires quando em guerra ou retiro[9].

Mas todas estas normas, fossem elas quais fossem, de pouco valiam na altura em que Filipa Moniz frequentou o mosteiro de Santos; o desmando estava instalado ao ponto de obrigar ao estabelecimento de novas regras. É D. Jorge quem as vai estabelecer em 1509, pois, como o próprio faz escrever:

«porque a casa e moesteiro de Santos foy principalmente ordenada pera as vyuvas do habito que foram mulheres de cavalleiros da Ordem e pera suas filhas o que atee ora se nom guardou»[10].

O mesmo D. Jorge é bastardo duma comendadeira (D. Ana de Mendonça), sobrinha de outra comendadeira (D. Violante Nogueira), o que é prova cabal de que condições tidas por essenciais para o ingresso nas ordens, como a legitimidade, é coisa de somenos importância quando se trata do exercício dum poder efectivo que se detém sobre as instituições e sobre as pessoas.

Em conclusão, Filipa Moniz não é comendadeira, pois essa é a designação dada à superiora; não é dona, já que essa é uma das designações genéricas das freiras; nem é de alta-nobreza, pois nada há nestes documentos nem no estudo de Joel Mata que o permita afirmar.



[1] Joel S. F. Mata, A Comunidade Feminina da Ordem de Santiago. A Comenda de Santos na Idade Média, Porto, 1991, p. 237. O documento de 1475 está, provavelmente por gralha, identificado pelo autor como sendo de 1465.

[2] Id. Ib., p. 53.

[3] Id. Ib., p. 14.

[4] Id. Ib., pp. 16-17.

[5] Id. Ib., pp. 54-55.

[6] Id. Ib., p. 51.

[7] Id. Ib., p. 52.

[8] Id. Ib., p. 17.

[9] Id. Ib., p. 51.

[10] «Regra», apud Joel S. F. Mata, Op. cit., p. 52.


sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Optima Pars

Nas Cortes de Coimbra de 1472 queixavam-se os representantes dos concelhos de que muitos indivíduos, depois de cometerem, ou quando pretendiam cometer, mortes e roubos, procuravam alcançar o hábito de Santiago, para se isentarem da autoridade secular; e, se não lho concediam no reino, iam tomá-lo fora e para cá voltavam sem temer das justiças do rei, do qual diziam que não os podia julgar.
Nas Cortes de 1481-82 renovaram-se as queixas, em termos que testemunhavam o enorme descrédito a que haviam chegado as ordens militares.

«Ordens Militares ou de Cavalaria», Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. XIX, Lisboa - Rio de Janeiro, s. d., p. 571.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Francisco Contente Domingues - Navios e Viagens

Com a chancela da editora Tribuna da História será apresentado ao público o livro de Francisco Contente Domingues, Navios e Viagens - A Experiência Portuguesa nos Séculos XV a XVIII.
A apresentação da obra estará a cargo de João Paulo Oliveira e Costa, director do CHAM, e ocorrerá pelas 18h 15m do próximo dia 7 de Fevereiro na Academia de Marinha em Lisboa.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Bibliografia da controvérsia

  • José Rodrigues dos Santos, O Codex 632, 1ª ed., Lisboa, Gradiva, 2005.



Alguém nos comentários deste blogue referiu um programa na RTP2 sobre Colombo. Vendo-o, constatei que o jornalista José Rodrigues dos Santos, para além de escritor, também é pseudo-historiador nas horas vagas.

Li há algum tempo O Codex 632 como obra literária. Pensei que se tratava de mais um livro na literatura em voga: o romance histórico - afinal enganei-me.

Agora, vendo o programa na RTP2 constatei para meu espanto que o autor é mais um dos acérrimos defensores dum Colon português - não, não é aquela parte com acento.

Colon era um apelido aparentemente muito comum entre alentejanos de Cuba (coitados, nem imaginam!), mas hoje só existe um único exemplar: a estátua Cristóvão Colon.

Gostei especialmente no programa da referência ao vinho. Demonstra imparcialidade de intenções.


Adenda:
Ver críticas ao livro aqui e aqui.
JCSJ

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Filipa Moniz, órfã da Casa do Infante D. Henrique



Muitos autores inventaram personagens nas quais revestem Cristóvão Colombo como alguém de elevado estatuto social, chegando mesmo a dá-lo como filho da alta-nobreza portuguesa quando não mesmo – e porque não! – bastardo de infantes como D. Fernando ou D. Henrique, irmão, primo e tio de reis. Alguns destes, ainda mais afoitos, querem levar a ilusão ainda mais longe tornando o descobridor do Novo Mundo em D. Diogo, o mesmo que foi vítima do punhal de D. João II.
É evidente que estas ideias não têm qualquer fundamento, mas ainda assim conseguem enganar os mais incautos e esse é maior dano que podem causar.
A tese – chame-se-lhe assim com muito boa vontade – dum Colombo português, como especulação, como hipótese académica ou como divagação que possibilite rever o estado do conhecimento da biografia desta figura, em si nada tem de mal, se se tiver o cuidado e a honestidade intelectual de tornar bem claro de que é disso que se trata.
Ora não é isso que se tem passado entre os defensores de Colombo Português.
O que tem feito confusão a muita gente, mesmo entre os historiadores, é o facto de Cristóvão Colombo ter casado com Filipa Moniz, filha de Bartolomeu Perestrelo, primeiro capitão do donatário da ilha de Porto Santo. Esta confusão parte do facto de pertencer Filipa Moniz à nobreza portuguesa e o futuro almirante das Índias de Castela ter origens humildes.
Antes de se prosseguir para algumas hipóteses que tentem explicar este aparente paradoxo torna-se necessário rever alguns factos e, a partir deles, tentar deduzir outros tantos, mas sempre dentro dum quadro de plausibilidade e possibilidade histórica e passível de afinamento face a melhores dados.

Bartolomeu Perestrelo (c. 1400-1457 ou 1458), filho de Fillippo Pallastrelli, comerciante italiano radicado em Lisboa, serve a casa do infante D. Henrique, sendo mesmo referenciado como cavaleiro da dita casa em 1446 no documento pelo qual o infante lhe doa hereditariamente a capitania de Porto Santo[1] (antes fôra cavaleiro da Casa do infante D. João[2]). Esta doação faz dele capitão do donatário e não donatário. Donatário era o infante D. Henrique que recebera as ilhas da Coroa e assim continuou a sê-lo até à sua morte em 1460 – mas isto é outra história com pouca relevância para a matéria em apreço.
D. Fernando (1433-1470), filho de D. Duarte e filho adoptivo do infante D. Henrique, era irmão de D. Afonso V, pai dos duques D. João e D. Diogo. Do infante D. Henrique herdou a casa, incluindo a Ordem de Cristo e o senhorio das ilhas descobertas e por descobrir. Além de muitos senhorios e direitos que detinha, e segundo Joel Serrão, era também o 9.º mestre da Ordem de Cristo e o 12.º mestre da Ordem de Santiago[3], contudo, na realidade, era o administrador/governador das ordens, mas, mais uma vez, para o caso em apreço tal distinção é irrelevante.
Sucede a D. Fernando o seu filho D. João que morre em 1472, portanto pouco tempo depois de ter herdado.
A casa de D. Fernando passa então para outro seu filho, D. Diogo. Este herda tudo o que era de seu pai, à excepção dos governos da Ordem de Avis[4] e da Ordem de Santiago que são entregues ao príncipe D. João[5].
O arquipélago da Madeira é desde 1433, altura em que foi doado ao infante D. Henrique, património da casa de Viseu e como tal é herdado depois por D. Fernando, D. João e D. Diogo[6].
De facto, em 11 de Janeiro de 1473, D. Afonso V doa vitaliciamente a D. Diogo, duque de Viseu e Beja, a ilha de Porto Santo e as Desertas com todos os direitos, rendas e jurisdições[7]. Cerca de dois meses depois, em 15 de Março de 1473, o mesmo monarca confirma a doação da ilha de Porto Santo a Bartolomeu Perestrelo, criado do infante D. Fernando, filho de Bartolomeu Perestrelo, o Velho. A doação é feita, entre outros privilégios, com a jurisdição cível e crime às quais se põem algumas limitações e resulta da acção deste contra Pêro Correia, cavaleiro da Casa Real e criado do infante D. Henrique, que «tinha e possuía a ilha»[8].
Cristóvão Colombo (1451-1506) tem o seu nome associado aos grandes mercadores-banqueiros italianos Spínola, Centurione e Di Negro.
Em 1476 terá chegado a Portugal como agente comercial ao serviço de mercadores italianos[9]. Trabalhando para a casa de Paolo di Negro, por volta de 1478-1479, está ligado ao comércio de açúcar da Madeira[10].
Os mercadores-banqueiros italianos, principalmente genoveses e florentinos (onde se incluem os já referidos), estão profundamente ligados à produção e ao comércio dos produtos insulares[11], como também financiam os reis, príncipe, infantes e senhores. Chegam mesmo a possuir plantações e engenhos de açúcar, assim como também lhes é entregue ou consignada a cobrança de impostos. Nestes negócios estão por vezes associados a mercadores-banqueiros portugueses. Estas casas comerciais, tanto italianas como portuguesas, umas vezes competindo outras associando-se, duram frequentemente gerações e vemo-las actuar em todas as áreas da economia passíveis de gerar bom rendimento tanto no Reino, como na Índia, como nas ilhas, na África e no Brasil[12].

Hipótese explicativa

Com base nestes factos deduzem-se algumas hipóteses, as quais serão bem compreendidas por aqueles que têm um conhecimento mais alargado da História e assim ponderam as possibilidades epocais sem devaneios românticos, anacrónicos ou simplesmente fantasistas.
A morte de Bartolomeu Perestrelo, cavaleiro da casa do infante D. Henrique, coloca os seus filhos e viúva sob a protecção do seu senhor: o infante D. Henrique. Para esta hipótese contribui o facto de ser obrigação do senhor medieval proteger as viúvas e os órfãos e não parecer plausível que o infante se negasse a essa responsabilidade. Deste modo, Filipa Moniz, filha de Bartolomeu Perestrelo, é órfã da casa do infante D. Henrique.
Por morte do infante D. Henrique a sua casa, dependentes incluídos, é herdada pelo infante D. Fernando, seu sobrinho e filho adoptivo. A família de Bartolomeu Perestrelo terá passado assim para a protecção do infante D. Fernando que continuaria a velar pelos seus interesses imediatos. Tal como do mesmo modo terá passado para a dependência sucessiva dos filhos deste, D. João e de D. Diogo.
Bartolomeu Perestrelo, o filho do primeiro capitão do donatário de Porto Santo, criado da Casa de D. Fernando, recebe deste a capitania da ilha de Porto Santo; uma doação que é confirmada pelo rei dois meses depois de ter doado a ilha ao duque de Viseu e de Beja. Este facto contribui para validar a ideia de que os Perestrelos continuaram na dependência da Casa de Viseu. Assim, e nesta linha de raciocínio, é bem plausível que D. Fernando (ou D. João) na qualidade de protector de Filipa Moniz a tenha internado num convento, já que não era invulgar as meninas serem pensionistas destas instituições na menoridade, permanecendo nessa condição até casarem ou, em alternativa, até ingressarem definitivamente na vida religiosa. A órfã de Bartolomeu Perestrelo é internada no mosteiro de Santos da Ordem de Santiago de que o Duque era o administrador. O que hoje seria considerado peculato de uso é um gesto normal para a época e só causará admiração se se desconhecer o modo como estas instituições funcionavam e se se ignorarem as razões porque interessava a qualquer senhor ter a administração dos bens da Igreja. Os bens que se administram, tal como os próprios, servem para garantir o sustento da casa e da rede clientelar em que se insere o administrador. É de notar que se desconhece qualquer referência que permita deduzir ser Bartolomeu Perestrelo membro da Ordem de Santiago.
A passagem da administração da Ordem de Santiago da Casa de Viseu para a Casa do príncipe D. João, não levaria necessariamente à saída de Filipa Moniz do mosteiro de Santos, nem, tampouco, à passagem desta da Casa de Viseu para a do Príncipe.
Chegada à idade do matrimónio, Filipa Moniz, neta dum comerciante italiano, criada do duque de Viseu e de Beja, é casada em finais de 1479 pelo seu protector, D. Diogo, com alguém compatível com o seu estatuto social: Cristóvão Colombo, agente comercial de mercadores italianos com negócios com a Casa de Viseu e de Beja, entre outras.
Bartolomeu Perestrelo, irmão de Filipa Moniz, para entrar na capitania de Porto Santo provido por D. Fernando necessita de confirmação régia, pois, se a ilha foi doada ao duque, nunca deixa de ser um domínio da Coroa. Já Filipa Moniz, dependente da Casa de Viseu, não carece de autorização régia para casar; também, e pela mesma ordem de razões, não necessita de permissão do administrador da Ordem de Santiago, ou seja, do príncipe D. João.

Esta é uma hipótese explicativa e nada mais do que isso. Assenta em factos – uns mais sólidos que outros – e em probabilidades críveis. Com esta hipótese simples prescinde-se de todo das conspirações, recoloca-se Filipa Moniz no seu devido lugar na hierarquia social e explica-se como é que, neste caso concreto, o favorecimento pessoal ultrapassa alegadas restrições de acesso a casas da Ordem de Santiago – o que aliás já antes se mostrara não ser como se tem sofismado.

[1] Charles Verlinden, «Perestrelo, Bartolomeu (1400?-1457 ou 1458)», Dicionário de História de Portugal, vol. V, Porto, imp. 1992, p. 58.
[2] João Luís Lisboa, «Perestrelo, Bartolomeu», Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, vol. 2, Lisboa, imp. 1994, p. 884.
[3] Joel Serrão, «Fernando, D. (1433-1470)», Dicionário de História de Portugal, vol. II, Porto, imp. 1992, pp. 556-557.
[4] Joaquim Veríssimo Serrão, «Diogo, D. (1452?-1484)», Dicionário de História de Portugal, vol. II, Porto, imp. 1992, p. 309.
[5] João Paulo Oliveira e Costa, D. Manuel I, Lisboa, imp. 2007, p. 46.
[6] Miguel Jasmins Rodrigues, «Madeira, Arquipélago da», Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, imp. 1994, pp. 637-639.
[7] TT, Chancelaria de D. Afonso V, Livro 33, fl. 33 v.
[8] TT, Chancelaria de D. Afonso V, Livro 33, fls. 85-85 v.
[9] João Paulo Oliveira e Costa, «Colombo, Cristóvão», Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, vol. 1, Lisboa, imp. 1994, pp. 258-259.
[10] Domenico Gioffrè, «Colombo, Cristóvão (1451-1506)», Dicionário de História de Portugal, vol. II, Porto, imp. 1992, pp. 102-104.
[11] Domenico Gioffrè, «Génova, Relações de Portugal e», Dicionário de História de Portugal, vol. III, Porto, imp. 1992, pp. 114-116.
[12] Sobre o papel dos mercadores e as relações destes com os diferentes poderes portugueses tratar-se-á noutra ocasião.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

A nobreza


(British Library, Manuscrito Sloane 2435, fl. 85.)

Uma das premissas em que se baseia a pseudo-história da família de Colombo é que um mero mercador ou um filho de tecelões não podia ascender à nobreza. No entanto, tanto os casos conhecidos como as fontes ensinam-nos o contrário, a começar logo pelo documento aqui republicado que mostra como e porquê Cristóvão Colombo recebe os títulos que recebeu.

Mas já antes a crónica de D. João I desmistifica isso duma forma exemplar.
D. João I para ascender ao trono beneficiou de alguns apoios de pessoas de estrato social pouco elevado e como forma de reconhecimento o rei recompensou alguns dos seus apoiantes com títulos de nobreza. Esta sua característica mereceu-lhe o cognome O da Boa Memória.
Veja-se agora o que diz um conceituado autor de genealogias sobre a nobreza (fidalgo):

Explicação dos Foros
N. 19 - Todo o Fidalgo se pode filhar logo que for baptizado no foro do seu pay, ou Avo, e se for Moço Fidalgo, se pode logo acrecentar não havendo de servir no Paço. O filho de Fidalgo que se filhou de novo, se pode igualmente filhar logo. Poucas veses da ElRey o foro de Fidalgo, da primeira instancia e muito menos o de Moço Fidalgo, mas se o der se poderá com os outros acrecentar; o que ordinariamente se dá he o Foro de Fidalgo Cavalleiro com moradia ordinária, e para isto he necessário concorrão na pessoa a quem faz esta mercê estas qualidades = sangue puro = servisso qualeficado = Nobresa conhecida = ou ao menos a deve provar pellos quatro avos. Porem as veses são os servissos taes que o Rey dispensa em tudo para dar Foro de Fidalgo de que há muitos esemplos, como foi no tempo do Rey D. João 4 no anno de 1653 que deo o Foro de Fidalgo ao valente Henrique Dias homem preto, fasendo a guerra no Brasil no posto de Sargento Mor, e Coronel de hum Regimento de Pretos em que obrou proezas, do qual se não sabe de pays. (Manuel José da Costa Felgueiras Gaio, Nobiliário das Famílias de Portugal, Tomo 1, Braga, 1938, pp. 17-18)
Segundo as regras eram necessárias várias qualidades para se poder ser fidalgo:
1. Sangue puro (sem sangue de negro, mouro ou judeu);
2. Serviços qualificados (entendido geralmente como serviços em campo de batalha, mas que pode incluir os serviços nas letras ou outros serviços como os empréstimos ao Rei ou à sua casa);
3. Nobreza conhecida (viver e ser reconhecido pela sociedade como nobre, sem ter um ofício mecânico ou usar as mãos para garantir o seu sustento).
Ainda de acordo com Felgueiras Gaio, a falta dum ou mais itens de classificação não era impeditivo duma determinada pessoa passar a ser nobre. O rei pela sua autoridade podia tornar nobre alguém que se distinguisse “por sua própria ciência” independentemente do parecer de ordenações e doutores em contrário.
Esta conclusão é corroborada por muitos exemplos que surgem nas Chancelarias Régias onde se registavam estes e outros acontecimentos duma forma sistemática.
Vejamos um filho de mercador que passou a ser cavaleiro:
Confirmação de cavaleiro, Almeirim, 16/2/1551
António Lopes morador em Goa, filho de João Lopes Romeiro mercador morador em Lisboa apresentou alvará de António da Silveira, capitão e governador de Diu. António destacou-se na batalha que teve com Cojecasar capitão do rei de Cambaia e por isso o armara cavaleiro. O rei confirmou essa nomeação (ANTT, Chancelaria de D. João III. Privilégios, Livro 4, fl. 144.)
Ou os criados dum nobre que passaram a usar do privilégio de fidalgos:

Privilégio de fidalgo
A 17/11/1567 em Lisboa Jorge Fernandes Lamada (?) morador em Coruche apresenta alvará de D. João III para que pudesse gozar do privilégio de fidalgo concedido aos criados de Diogo Lopes cavaleiro fidalgo da casa real tal como a mulher Guiomar Dinis (ANTT, Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique. Privilégios, Livro 5, fl. 141-141 v.)
E um homem negro que é cavaleiro vassalo:
Privilégio de herança, Lisboa, 9/2/1550
A D. Martinho, homem preto, morador na Mina, cavaleiro vassalo é confirmado o alvará dado a seu pai Domingos para que sua mulher e filhos possam herdar os seus bens e não outra pessoa como é costume dos naturais da terra (ANTT, Chancelaria de D. João III. Privilégios, Livro 4, fl. 260 v.)
O caso dos cristãos-novos e mercadores Castro do Rio que passaram a ser fidalgos de solar:
Carta de fidalgo, 9/7/1561
A Diogo de Castro do Rio por “alguns justos respeitos que me a isso moveram” foi feito fidalgo com solar conhecido tal como seu irmão Luís de Castro do Rio. O solar é a quinta do Rio e as armas: campo de prata (...) (ANTT, Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique. Privilégios, Livro 2, fl. 124-124 v.)

(Palácio dos Correio-Mor da família Gomes da Mata)

Ou o dos cristãos-novos mercadores Gomes de Elvas que passaram a Gomes da Mata, também com solar e considerados fidalgos de costados. Estes também são conhecidos como os Correio-Mor:
Alvará a Luís Gomes de Elvas, Valladolid, 18/2/1606
Por respeito aos serviços de Luís Gomes de Elvas e seus filhos António Gomes de Elvas, Pêro António, João Gomes e Duarte Reimão fez-se mercê de fidalguia a todos, seus filhos e netos assim como descendentes. Não podem ser obrigados a contribuir para nenhuma finta (...) que se peça a gente de nação ou de negócio que tivesse nome de perdão. Por isso os seus nomes e de seus antepassados devem ser borrados de qualquer livro ou memória que houver de fintas e lançamentos que se faz à gente de nação e todos os passados de empréstimos e contribuições que se pediram aos homens de nação ou de negócio. Seus nomes terão de ser borrados nos livros, cadernos e papéis onde constarem (ANTT, Chancelaria de Filipe II. Privilégios, Livro 3, fls. 137 v.-138.)
Resumindo e concluindo, existem vários exemplos na História de Portugal de pessoas consideradas de estrato inferior que ascendem à nobreza confirmando-se que a hierarquização da sociedade não é estática, mas sim permeável. Existem sempre movimentos de ascensão e de decadência.

Concluindo, Cristóvão Colombo propõe-se a dar aos Reis Católicos um império, coisa com que estavam muito longe de sonhar. Como recompensa por tão grande serviço só pede para si e para os seus as honras que recebeu. São grandes? Também os territórios e as riquezas que estes ofereciam o eram.
(Última actualização: 11-09-2008 15:30)