Dos estudos recentes sobre a comunidade feminina da Ordem de Santiago destacam-se os de Joel Mata: A Comunidade Feminina da Ordem de Santiago – A Comenda de Santos na Idade Média (1991) e A Comunidade Feminina da Ordem de Santiago – A Comenda de Santos em finais do Século XV e no Século XVI – Um Estudo Religioso, Económico e Social. Tratam-se de dois trabalhos exaustivos e sistemáticos, cobrindo cronologicamente a Idade Média e os inícios da Moderna, procurando compreender, à luz da documentação coeva – e na medida em que ela o permite – a realidade social, económica e religiosa das mulheres recolhidas neste convento.
O primeiro estudo é o mais interessante para o esclarecimento dos (falsos) problemas criados à volta de Cristóvão Colombo, especialmente em torno do seu casamento com Filipa Moniz, o seu estatuto social, e da relação de ambos com a Ordem de Santiago. Especificamente esta obra não é um estudo sobre a esposa de Cristóvão Colombo, nem sobre qualquer matéria colombina entendida como a busca de elementos para a biografia do navegador italiano. Trata exclusivamente do Convento de Santos e tem como um dos objectivos a inventariação dos nomes de mulheres referidas na documentação. Entre esses nomes surge o de uma Filipa Moniz, ao qual não está associado mais nenhum dado que possibilite a identificação positiva com a filha de Bartolomeu Perestrelo e esposa de Cristóvão Colombo. No entanto poderá aceitar-se ser a mesma pessoa, considerando o período cronológico e o facto de não se conhecerem outras referências a esse nome noutras fontes coevas.
No mosteiro de Santos Filipa Moniz é referenciada por Joel Mata em pelo menos dois documentos entre Janeiro de 1475 e Janeiro de 1479. Estes documentos são mencionados numa relação de mulheres onde, entre outros dados, se distingue entre dona e não-dona: Filipa Moniz é referida como não-dona[1]. Da leitura da tese de Joel Mata também se confirma a ideia já aqui aflorada de Filipa Moniz não ser comendadeira de Santos, logo, e necessariamente, de Santiago. Afirma o estudioso:
«Por várias vezes se encontra nos autores, o título de comendadeira expresso no plural pretendendo designar de uma forma geral as freiras professas. Com efeito, tal designação não foi detectada no acervo documental compulsado, excepção feita a um traslado datado de 1781 de um contrato agrário, de 1483, do tempo de D. Beatriz de Meneses»[2].
Contrariamente ao que tem sido insistentemente declarado pela pseudo-história, esta afirmação de Joel Mata, resultando de um estudo sistemático da documentação relativa ao Mosteiro de Santos e produzida num contexto onde as questiúnculas colombinas estão completamente ausentes, deverá ser prova suficiente de que Filipa Moniz não era comendadeira de Santiago, simplesmente porque esse título se referia exclusivamente à superiora da instituição.
Após a morte do mestre Mem Rodrigues de Vasconcelos o mestrado de Santiago passou para as mãos da família real portuguesa. Primeiro para D. João, filho de D. João I, depois para D. Fernando, genro do anterior e irmão de D. Afonso V. D. Fernando esteve «bastante atento aos negócios do Mosteiro de Santos[3]», sucedendo-lhe o seu filho D. João e, após a morte deste, o príncipe D. João.
Dada a falta de fontes portuguesas, o autor tenta colmatar o facto socorrendo-se sobretudo da bibliografia espanhola e dos estudos da historiografia do país vizinho sobre a ordem, o que poderá não corresponder inteiramente à realidade nacional.
Escreve:
«O governo e a administração destas casas estava a cargo de um grupo de monjas, freiras ou donas, como indiferentemente se chamavam, que faziam profissão e recebiam o hábito de Santiago, obrigando-se ao cumprimento absoluto dos ditames da Regra.
Oriundas em larga escala das camadas nobres elegiam, entre si, a prioresa que na Ordem toma o nome de Comendadeira, pela sua virtude e exemplo dado na comunidade, cuja aprovação era da competência do mestre.»[4]
Estas duas frases, a terem aplicação em Portugal, obrigam a deduzir que Filipa Moniz seria professa do mosteiro de Santos (as donzelas aos 15 anos tinham de optar por sair ou professar[5]), pois aparece referida em actos de administração do mesmo a partir de 1475. Já as mesmas duas frases não permitem concluir que fosse de alta-nobreza, mas tão só, e provavelmente, nobre.
A comendadeira, ou seja a superiora, é oriunda das camadas superiores da nobreza[6] e, no caso português, «algumas comendadeiras não têm ou parecem não ter qualquer afinidade com os cavaleiros da Ordem»[7]. O comendador tinha a competência de administrar o património das monjas, «o que no caso português pouca influência teve»[8]. A regra é omissa quanto à natureza dos membros femininos do mosteiro, servindo o mesmo para recolhimento da família dos freires quando em guerra ou retiro[9].
Mas todas estas normas, fossem elas quais fossem, de pouco valiam na altura em que Filipa Moniz frequentou o mosteiro de Santos; o desmando estava instalado ao ponto de obrigar ao estabelecimento de novas regras. É D. Jorge quem as vai estabelecer em 1509, pois, como o próprio faz escrever:
«porque a casa e moesteiro de Santos foy principalmente ordenada pera as vyuvas do habito que foram mulheres de cavalleiros da Ordem e pera suas filhas o que atee ora se nom guardou»[10].
O mesmo D. Jorge é bastardo duma comendadeira (D. Ana de Mendonça), sobrinha de outra comendadeira (D. Violante Nogueira), o que é prova cabal de que condições tidas por essenciais para o ingresso nas ordens, como a legitimidade, é coisa de somenos importância quando se trata do exercício dum poder efectivo que se detém sobre as instituições e sobre as pessoas.
Em conclusão, Filipa Moniz não é comendadeira, pois essa é a designação dada à superiora; não é dona, já que essa é uma das designações genéricas das freiras; nem é de alta-nobreza, pois nada há nestes documentos nem no estudo de Joel Mata que o permita afirmar.
[1] Joel S. F. Mata, A Comunidade Feminina da Ordem de Santiago. A Comenda de Santos na Idade Média, Porto, 1991, p. 237. O documento de 1475 está, provavelmente por gralha, identificado pelo autor como sendo de 1465.
[2] Id. Ib., p. 53.
[3] Id. Ib., p. 14.
[4] Id. Ib., pp. 16-17.
[5] Id. Ib., pp. 54-55.
[6] Id. Ib., p. 51.
[7] Id. Ib., p. 52.
[8] Id. Ib., p. 17.
[9] Id. Ib., p. 51.
[10] «Regra», apud Joel S. F. Mata, Op. cit., p. 52.
16 comentários:
"...una señora, llamada D.ª Felipa Muñiz, de noble sangre hidalga, Comendadora en el monasterio de Todos los Santos, donde el Almirante iba de ordinario a misa..." Don Hernando Colon.
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Não será normal que um filho procure elevar a estatura de seu pai?
Se não reparou na citação que fiz de Joel Mata, deixo-a aqui outra vez:
«Por várias vezes se encontra nos autores, o título de comendadeira expresso no plural pretendendo designar de uma forma geral as freiras professas. Com efeito, tal designação não foi detectada no acervo documental compulsado, excepção feita a um traslado datado de 1781 de um contrato agrário, de 1483, do tempo de D. Beatriz de Meneses»
E já agora, a quem interessar, não estou a investigar Cristóvão Colombo. Essa figura interessa-me muito pouco. Mas detesto a mentira.
O que me limito a fazer - tal como os restantes participantes neste espaço - é verificar as fontes (quando as há) tal como deve ser feito em qualquer trabalho historiográfico (e isto já é dar demasiada consideração à pseudo-história).
Afinal não defendo qualquer tese, nem tenho nada a provar. Quem tem teses é que as tem de defender.
"Afinal não defendo qualquer tese, nem tenho nada a provar. Quem tem teses é que as tem de defender."
O Senhor desculpe-me mas acabou de atingir o cumulo da ma fé e da hipocrisia com estas suas ultimas palavras.
Estou verdadeiramente chocada!!
Quanto a D.Hernando Colon, acho mesmo incrível que você, sim você o mesmo que se apoia sem a mínima relutância sobre testemunhos coevos para assegurar que Colombo era Genovês, venha agora, pela PRIMEIRA VEZ, desacreditar as palavras de um coevo tão importante como o próprio filho de Cristovão Colombo a través de uma manifestação de cepticismo tão precária e lacónica como esta "Não será normal que um filho procure elevar a estatura de seu pai?".
Não me diga que este raciocínio também faz parte do "método cientifico"?!
Aos autores deste blog, por favor parem de brincar com a nossa inteligência, atingiu-se aqui o Cumulo dos cúmulos!
Cumprimentos
Ana Maria Breiner
Lamento o trauma causado por esta página à inteligência de quem quer que seja, mas tem um bom remédio:
Apague a ligação para este blogue na ementa «Favoritos» do seu computador!
realmente é incrível... depois de tanto tempo a lutar por um colombo genovês..... vem agora informar-nos que até nem gosta dele......e que detesta a mentira.
Realmente tem que ser uma figura fora de série para detectar as fontes que dizem a verdade e as que estão a mentir. Agora o filho mentiu porque queria elevar a figura do pai....que era cardador.......
Continuação de um bom trabalho...
Carlos Bessa
Em quem prefere acreditar, em D. Fernando Colombo ou num contrato de emprazamento? Por outras palavras, por princípio é de acreditar numa fonte primária ou numa secundária?
Sr. JCSJ,
indique-nos lá, por favor, a sua fonte primária, secundária terciária ou enesimária onde descobriu este D. Fernando Colombo.
Adamastor
Adamastor
Você assusta qualquer um!
No Fórum do Rosa faz troça de D. Hernando Colón, que pôs o pai a nadar até á costa, agora vem defender que o mesmo D Hernando é fonte límpida e claríssima quando fala da " Comendadeira"!
Assustadora e Adamastórica coerência!
Francisco
Sr. Francisco,
parece-me que lhe falta em capacidade de interpretação aquilo que lhe sobra em desejo de adivinhação.
No "Forum do Sr. Rosa" o Adamastor só colocou um único comentário e esse não tem qualquer relação com o filho do Almirante, D. Hernando Colón.
Mas o "Francisco" escreveu bem o nome do filho. A minha pergunta a JCSJ nada tem a ver com a fiabilidade de D. Hernando como fonte, mas sim qual a fonte credível na qual JCSJ descobriu que o filho de D. Cristobal Colón se chamava D.Fernando Colombo.
Não se assuste com o Adamastor; afinal de contas não foi mais que outro engenhoso "invento" de D. João II.
Adamastor
Adamastor,
Sei onde quer chegar, mas não lhe vou dar esse prazer.
Por mim esta discussão acaba aqui.
Francisco,
Aqui entre nós, os dotes de nadador de Colombo são iguais à comenda e ao dom de Filipa Moniz, ou seja são apócrifos.
"os dotes de nadador de Colombo..são apócrifos"
Porque não confia no relato daquela épica natação?
Que eu saiba, ela foi-nos relatada pelos "coevos", portanto não sei como vocé pode recusa-la sendo ela uma fonte ultra credivel j.c.s.j.
Ja agora, também não acreditara o senhor no hipotetico comercio de cartografia que o irmão de Colon tinha em Lisboa?
PS: Porque não consagrar um artigo cujo objectivo seria verificar a fiablidade dos relatos sobre as funções do irmão Colon em Portugal?
Cumprimentos
Ana Maria Breiner
Caro J.C.S.J
Estive a ler o trabalho de Joel Mata sobre a Ordem de Santiago
Espanta-me onde a imaginação pode levar alguns!
O estudo é expresso em que havia uma comendadeira e "donas", isto é, senhoras, de um modo geral pertencentes á nobreza. Como se pode partir disto para todas serem Comendadeiras e Donas ,com direito a esse tratamento, é espantoso!
Um abraço amigo
Maria Benedita
Cara Maria Benedita,
Este caso é a ponta do iceberg.
Todos os postulados da pseudo-história colombina caem pela base quando são confrontados pela História.
É evidente que isto levará a pseudo-história a alargar-se cada vez mais. Ou seja, como os aspectos marginais das colombices não encaixam na História, então também é preciso martelar essas franjas, tornando-as em pseudo-história. Por esta via, alastrando-se como epidemia viral, em breve toda a História terá as suas versões alternativas.
Caros Confrades,
Marquem no seu calendário para discutir o navegador legendário.
http://laranjeira.com/artigos/
080301-cuba_24maio.shtml
Colóquio sobre Cristóvão Colon 24 de Maio na CUBA
Esta é uma organização conjunta da Câmara Municipal de Cuba, através do seu presidente Francisco Orelha, e do Núcleo dos Amigos da Cuba, através de Carlos Calado
Ó J. C. S. J., sabe-nos diferenciar entre uma Comendadeira e uma Comendadora?
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