sexta-feira, 1 de maio de 2009

Francisco C. Domingues – Colombo e a Política de Sigilo na Historiografia Portuguesa (3)

3. A crítica da política de sigilo

O primeiro e mais contundente dos críticos da tese de Jaime Cortesão foi, como acabámos de dizer, o ilustre matemático, político e historiador Duarte Leite, cujos reparos consubstanciaram muito do que se disse subsequentemente em contrário da política de sigilo.
A nosso ver, e não obstante a justeza de boa parte do que afirmou Duarte Leite, a argumentação que este desenvolveu não está ela também isenta de percalços que se lhe podem apontar (21). Mais consistente se mostrou Damião Peres.
Paradoxalmente, foram as próprias concepções historiográficas deste último (aliadas a um notável bom senso, diga-se de passagem) que o levaram a rejeitar as hipóteses de Cortesão. Historiador de claro pendor historicista, autor de uma obra sólida mas que, valha a verdade, pouco trouxe de novo à renovação metodológica dos estudos da especialidade (bem ao contrario, repita-se, de Cortesão), Damião Peres deu mostra de um arreigado apego ao documento que lhe permitiu no caso vertente salientar a fraqueza argumentativa e a falta de consistência da tese que contraditou com base em cinco pontos:
1. Não fazia sentido ocultar o reconhecimento ou a ocupação de um território, sendo a questão da prioridade, como era, o primeiro critério a ter em linha de conta na reivindicação da respectiva soberania.
2. Não fazia igualmente sentido preservar o segredo das Índias depois das bulas de Nicolau V e Calisto III reconhecerem o monopólio material e espiritual sobre todas as regiões descobertas até às «Índias» a favor dos Portugueses.
3. Estrangeiros houve que colheram em Portugal os elementos que muito bem entenderam relativos às navegações, para depois os divulgarem na Europa, como foi o caso, por exemplo, de um Martin Behaim. Argumento este que Luís de Albuquerque reforçou em estudos posteriores com abundantes casos concretos.
4. Era o próprio espírito da época que, norteando a escrita dos cronistas ou de outros relatores coevos, obstava à evocação de certos factos. Relembremos aqui a propósito e ilustrativamente as inúmeras passagens da Crónica da Guiné de Gomes Eanes de Zurara onde a honra e proveito dos membros da casa do infante D. Henrique, ou a captura de escravos, sobrelevam sistematicamente o registo do alcance efectivo das explorações geográficas que concomitantemente se iam realizando.
Vitorino Magalhães Godinho viria mais tarde a realçar a importância deste argumento (22), que constitui sem dúvida uma das maiores brechas a apontar na construção de Jaime Cortesão, por vezes demasiadamente propenso a querer encontrar nas fontes o que muito dificilmente lá poderia estar por se encontrar completamente afastado da ordem de preocupações e da escala de valores dos testemunhos de então.
5. E finalmente, se houve o cuidado de não divulgar textos como o regimento do astrolábio e do quadrante, que tinha forçosamente de andar nas mãos dos pilotos e se aceita ser do tempo de D. João II, Damião Peres conclui que não existiu política de sigilo em sentido lato, mas apenas a preocupação de episodicamente resguardar a divulgação de factos considerados importantes em situações conjunturais distintas.
É evidente que os factos corroboraram mais de uma vez as observações de Damião Peres: sucedeu assim aquando do descobrimento do Brasil, que D. Manuel I se apressou a comunicar aos Reis Católicos, em documento que aliás desdramatiza o problema do reconhecimento deste território anteriormente à viagem de Pedro Álvares Cabral. A carta mostra claramente que na perspectiva do monarca português o Brasil interessava tão só e de momento como ponto de apoio para a Carreira da Índia, donde que, se é um facto que são fortes (como defende Max Guedes) os indícios de que os navegadores ao serviço de D. Manuel tinham já a suspeita da existência de terras naquelas paragens, ela não era também a primeira das preocupações da coroa.
Parece-nos que de tudo isto se pode tirar uma conclusão óbvia: se é certo que houve sigilo em determinadas matérias, não é menos verdade que Damião Peres opinou acertadamente quando referiu o interesse conjuntural deste silêncio; pois noutras circunstâncias impôs-se a política contrária, a da publicitação dos resultados das viagens.
Ou seja, e por outras palavras, o sigilo que o Estado português pôs em prática foi tão efectivo quanto em certas circunstâncias esta foi (e continua a ser) uma atitude normal da governação política. Atitude conjuntural, insistimos, que pode ser perfeitamente adequada quando as circunstâncias o exigem, ou um contra-senso em alturas diferentes. O que não podia era ter havido um silenciamento sistemático que no fórum da política internacional seria amiúde contrário aos interesses expansionistas da coroa lusitana.

Francisco Contente Domingues
«Colombo e a Política de Sigilo na Historiografia Portuguesa», Mare Liberum. Revista de História dos Mares, n.º 1, Dezembro de 1990, pp. 105-116.

15 comentários:

Anónimo disse...

Em 1501, por exemplo, o veneziano Pedro Pasqualigo escreveu uma carta às autoridades civis de Veneza queixando se de que não conseguia obter em Portugal um mapa que mostrasse o caminho para a Índia. Dizia-se que o rei D. Manuel I de Portugal (1469-1521) tinha decretado pena de morte para qualquer pessoa que colocasse tais documentos "a. disposição de estrangeiros". Temos notícia de uma ordem de sigilo emitida pelo mesmo rei para proteger o monopólio português no comércio de pimenta. Em novembro de 1504, D.Manuel proibiu os cartógrafos de ilustrar a costa da África ao sul das ilhas de São Tomé e Príncipe, na costa da Guiné. Ele também determinou que todas as novas ilustrações geográficas fossem apresentadas ao gabinete real de cartografia, para serem submetidas a censura.

Anónimo disse...

Historia da historiografia, que requinte ! Jesus !

Anónimo disse...

Acho excelente que as pessoas se dêem ao trabalho que deixar comentários sobre os que os outros escrevem (ou escreveram, como é o caso), sobretudo quanto são construtivos e constituem um valor acrescentado.
Mas mensagens anónimas?!
Porque não assinar o que se escreve?
Aos autores do blog tenha apenas a dizer que discordo em absoluto desta política de aceitação de mensagens anónimas.
Francisco C. Domingues

J. C. S. J. disse...

Prezado Sr. Prof.

Antes de mais, agradeço a licença para publicar o artigo, o qual, quase vinte anos passados, continua plenamente válido.
Fica aqui perfeitamente claro como aparece e se desenvolve a tese académica da "politica de sigilo", tal como também demonstra ao que realmente se reduzia a verdadeira política de sigilo seguida então pela Coroa e que é a mesma seguida por qualquer estado em função dos interesses e das possibilidades que no momento se colocam, independentemente das épocas.

Quanto ao permitirmos comentários anónimos, a verdade é que qualquer comentário, mesmo que assinado por assinatura autenticada por entidade independente, não garante a verdadeira identidade do subscritor. A alternativa, que já aqui foi praticada em determinados momentos, é não autorizar comentários. Nenhuma das soluções técnicas disponíveis me agrada plenamente, sendo certo que gostaria de que cada se afirmasse como aquilo que é.
Para já vamos continuar assim, deixando aos comentadores a liberdade de agirem como mandar a sua consciência, com a certeza de que a qualidade e civilidade do aqui que escreverem revelará muito da sua própria qualidade como pessoas.

Com os melhores cumprimentos

J. C. S. J. disse...

Corrijo:

«sendo certo que gostaria de que cada se afirmasse como aquilo que é.»

para:

«sendo certo que gostaria que cada um se afirmasse como aquilo que é.»

Anónimo disse...

Por boa vontade passo a assinar se acha que isso adianta algo.

Se agora o Sr.Domingues pudesse ter a cortesia de actualizar os seus artigos à luz do que escrevi anteriormente sera beneficiavel a todos.

Prof.João de Jesus.

Anónimo disse...

Mais um pequeno e rápido contributo nesta pseudo polemica:

"Mandamos e defendemos que nenhuma pessoa de qualquer condição que seja não venda aos estrangeiros caravelas; ... nem as vá lá fazer ao estrangeiro"

Ordenações de D. Manuel, 1.5., título LXXXVIII.

Também sugiro que o Sr.J.C.J.S transmite ao Sr.Domingues o fardo que constitui o tema das léguas colombinas tal como ele é explicado pelo Sr.Rosa na primeira versão do seu livro.

O longo silencio deste blog nessa matéria tem algo de assaz intrigante.

João de Jesus.

J. C. S. J. disse...

Por favor,

Queira reler os dois últimos parágrafos.

Anónimo disse...

Essa parte foi lida atentamente, mas em nada invalida o que vêm escrito na primeira versão do livro do Sr.Rosa.

A não que o Sr.J.C.J.S não tenha lido as paginas em causa não vejo a oportunidade da sua remissão para os parágrafos expostos no seu sitio.

João de Jesus.

Maria Benedita Vasconcelos disse...

Caríssimo J.C.S.J.

Creio que o participante que, indevidamente, assina João de Jesus, e colhe informação no Professor Ismael http://www.academia.g12.br/professores/ismael/aulas_apoio_35.html,e em Lepanto, Frente Universitária e Estudantil, http://www.lepanto.com.br/dados/TSC2.html
é autor de uma nova e muito livre versão das Ordenações Manuelinas.
Com efeito as Ordenações de D. Manuel, 1.5., título LXXXVIII versam sobre "a pena que averam os que fogem das armadas ou açeptam naveguações fora de nossos reynos"
mas não pune pois não prevê o "comércio de caravelas" e muito menos a sua feitura fora de portas!
http://purl.pt/12182/3/res-70-a_PDF/res-70-a_PDF_01-B-R0300/res-70-a_0087_LXXXIIv-LXXXVIII_t01-B-R0300.pdf

Um abraço

Maria Benedita

Cristóvão Colon disse...

Agradeço o trabalho do Prof. Francisco Contente Domingues metido aqui porque não conhecia o texto.
É uma séria tentativa em explicar outro enigma embora eu discordo com alguns pontos que mereceria outro arigo do mesmo tamanho para explicar. É que o modo de operar dos estados é e sempre foi de não dar a conhecer nada que os torne mais fracos face ao inimigo. Fazer o contrário seria estupidez da parte dos reis ou presidentes.

Concordo também totlamente com a posição do Prof. Francisco Contente Domingues que falar com anónimos é uma situação pouco desejável. Infelizmente, como os autores aqui são também anónimos torna-se uma situação estranha pedir nomes a quem comenta... De todas as formas a minha posição é que todos se deveriam de identificar porque isto não é suposto de ser uma inquisição mas sim uma tentativa de resolver um quebra-cabeças internacional usando boa fé e argumentos baseados em factos.

Ao J.C.S.J. peço que considere se estas duas ideias são contraditórias e que comente.

"2. Não fazia igualmente sentido preservar o segredo das Índias depois das bulas de Nicolau V e Calisto III reconhecerem o monopólio material e espiritual sobre todas as regiões descobertas até às «Índias» a favor dos Portugueses."

e

"É indubitável que D. João II soube anular a interferência da arbitragem parcial de Alexandre VI (e foi o próprio Jerónimo Zurita, o insuspeito cronista de Fernando o Católico.."

Peço também que nos explique as razões de D. João II forçar os homens que foram fabricar S. Jorge da Mina a jurarem segredo se tal coisa não existia.


O segredo de estado é coisa que sempre existiu e sempre existirá. Niguém deve de ter duvida sobre isso. Digo ainda que um país que não emprega o segredo é um país que não sobrevive. O problema não é se havia segredo mas sim quanto segredo haveria.

Gostava também que me explicassem um pouco mais sobre este ponto.

"3. Estrangeiros houve que colheram em Portugal os elementos que muito bem entenderam relativos às navegações, para depois os divulgarem na Europa, como foi o caso, por exemplo, de um Martin Behaim. Argumento este que Luís de Albuquerque reforçou em estudos posteriores com abundantes casos concretos."

Ou até meter aqui o que escreveu o Prof. Albuquerque sobre o Behaim.
É que, tanto quanto eu sei, tanto o Behaim como o Ulmo eram residentes de Portugal em quem D. João II confiava e eram seus vassalos não seriam de certo homens de desconfiar. Ou seriam?

Com os meus cumprimentos,
Manuel Rosa

J. C. S. J. disse...

Caríssima Maria Benedita,

Obrigado por ter demonstrado mais uma vez os tratos de polé que as fontes sofrem nas mãos de quem não as percebe, não as quer perceber ou que somente quer mergulhar os outros nas trevas.

Quanto ao pseudónimo do engraçadinho (traído pelo seu estilo inconfundível) não voltará a aparecer nestas páginas.

Um abraço

Anónimo disse...

O prof. Contente Domingues não devia ter autorizado a colocação deste artigo,porquanto está desactualizado em certos pontos; e os autores do blog não tem contribuido positivamente para a desmistificação a que se propõem combater.
É pertinente ler o ultimo trabalho de Manuel Rosa (agora a 17 euros na Feira do Livro)e fazer uma apreciação crítica.


Alexandre

J. C. S. J. disse...

Se desejássemos publicidade tê-la-iamos mas remunerada.
Este exemplo não se volta a repetir.

Maria Benedita Vasconcelos disse...

Ao participante Alexandre

Confesso a minha enorme curiosidade no que respeita ás "actualizações" que o artigo do Professor Contente Domingues deveria, na sua opinião, sofrer.
Importa-se de esclarecer, por favor.

Melhores cumprimentos

Maria Benedita