segunda-feira, 12 de maio de 2008

Qual é a forma dum acto notarial no século XV?

Depois de desvarios em torno da veracidade dum acto notarial alegando que estes diplomas:
1. têm sempre sinal de tabelião.
2. têm sempre assinatura dos envolvidos
3. têm sempre o nome dos pais das pessoas envolvidas.

Vejamos um caso prático. O testamento datado de 7 de Janeiro de 1419 de Gonçalo Rodrigues de Azambuja e de Maria Gonçalves, sua mulher (ANTT, Corpo Cronológico, Parte I, Maço 1, n.º 13, primeira e última página)





A Diplomática é muito mais complexa do que podem imaginar levianamente os leigos.

Infelizmente para os investigadores, o nome dos pais nem sempre consta na documentação, depende muito das épocas, da idade dos contratantes e de inúmeros outros factores tidos por relevantes na altura em que cada acto é celebrado.
No que se refere à idade das pessoas:
Nos documentos medievais e modernos por regra NUNCA se indica a idade exacta.
A forma usual é dizer fulano tem cerca de X anos, tem entre X e Y anos, homem/mulher de mais de N anos, tem mais ou menos, pouco mais ou menos tal idade.
Esta dificuldade de quantificar nas épocas pré-industriais só causa estranheza a quem não lida com documentação.
Aproveitando a lição gratuita de Diplomática, o sinal de tabelião só é aposto no documento original entregue às partes; já as assinaturas das mesmas não se esperam encontrar nas cópias posteriores dos actos.

20 comentários:

Anónimo disse...

Esta curta liçãozinha deixou-me assaz perplexo.

"A forma usual é dizer fulano tem cerca de X anos, tem entre X e Y anos, homem/mulher de mais de N anos, tem mais ou menos, pouco mais ou menos tal idade.
Esta dificuldade de quantificar nas épocas pré-industriais só causa estranheza a quem não lida com documentação.
Aproveitando a lição gratuita de Diplomática, o sinal de tabelião só é aposto no documento original entregue às partes; já as assinaturas das mesmas não se esperam encontrar nas cópias posteriores dos actos."

Alguma lição gratuita de diplomática podera ser mais vaga do que esta ?

Deveremos entender que um documento notarial tinha, no seculo XV/XVI, nenhuma caracteristica formal que lhe permitisse ser distinguido de um documento sem valor notarial?

A.Reis

Anónimo disse...

Um rigor formal quase inexistente a não ser a presença do sinal do tabelião no documento original?

A.Reis

F. V. F. disse...

A. Reis
Não é minha intenção deixar quem quer que seja perplexo.
Como não percebeu, volto a explicar duma forma mais simples.
Nos documentos medievais e modernos quando se fala da idade das pessoas raramente se dá um número exacto. E dando-o o mais provável é estar errado.
Todos os documentos que conheço para estas épocas incluem as expressões que indiquei: cerca de; entre; pouco mais ou menos; mais de … Mas em caso de dúvida o Sr. Reis pode sempre consultar a documentação e fazer a estatística por si próprio. Quando souber dizer quantos documentos encontrou com a referência expressa e exacta da idade de quem quer que seja, faça o favor de publicar. Tenho a maior curiosidade em ver.
Acerca do sinal de tabelião:
Tal como se disse este só surge no documento original que é entregue às partes. Existem cópias que o possuem e outras que não. Para saber mais há que ler os manuais de Diplomática.
Acerca da assinatura dos envolvidos e da referência aos pais:
Coloquei as imagens dum testamento do século XV onde não consta sinal de tabelião, não há assinatura das partes, nem há referência aos pais dos testadores. Tudo parece indicar que se trata dum testamento com valor legal e que se saiba ainda não apareceu ninguém a reclamar da sua validade ou veracidade.

Anónimo disse...

E estou a corresponder-me agora com Eduardo Albuquerque - F.V.F ?

Seja quem for, eu "percebi"-o muito bem, mas para que fique claro:

Esqueça a especulação sobre "testamentos" (1498 ou R.Azambuja).

Após ter reconhecido o meu lapso, achei necessário re-enquadrar o tema somente para um simples documento notarial e pretendia que a discussão seguisse na via sugerida.

Consequentemente a este Re-enquadramento do assunto (testamento->documento notarial) deparei-me com a sua resposta que muito estranhei.

A.Reis -
"Deveremos entender que um documento notarial tinha, no século XV/XVI, nenhuma característica formal que lhe permitisse ser distinguido de um documento sem valor notarial?"

F.V.F -
"um testamento do século XV onde não consta sinal de tabelião, não há assinatura das partes, nem há referência aos pais dos testadores. Tudo parece indicar que se trata dum testamento com valor legal e que se saiba ainda não apareceu ninguém a reclamar da sua validade ou veracidade."

Para além de negar o meu pedido de Re-enquadramento, por desprezo ou destreza, o próprio senhor nega uma das formalidades editadas anteriormente nas sua lição gratuita (o requerimento básico do sinal do tabelião no documento original) e chega por fim a especular sobre o carácter valido do documento que não confirmou ter valor notarial ("Tudo parece indicar").

Eu não estou aqui para criar polémicas cíclicas e vazias.

Reitero a pergunta que me parece fácil de responder para qualquer jurista:

Sem transbordar para testamentos, deveremos entender que um documento notarial não tinha, no século XV/XVI, qualquer característica formal que lhe permitisse ser distinguido de um documento sem valor notarial?

**

"Todos os documentos que conheço para estas épocas incluem as expressões que indiquei: cerca de; entre; pouco mais ou menos; mais de … Mas em caso de dúvida o Sr. Reis pode sempre consultar a documentação e fazer a estatística por si próprio. Quando souber dizer quantos documentos encontrou com a referência expressa e exacta da idade de quem quer que seja, faça o favor de publicar. Tenho a maior curiosidade em ver."

Não leve esta insistência a mal, asseguro-lhe de que isto tem um fim, materializado, conhece-lo e já o viu varias vezes sem dar por ele, a curiosidade tera sida infelizmente bridada por pre-conceitos estrangeiros (especulação minha).


A.Reis

Anónimo disse...

Um testamento é um documento notarial mas ha outros tipos de documentos notariais e esses não poderiam ser tratados tão levianamente como o sr pretende: sem sinal do tabelião, nem a sua assinatura, nem a dos participantes, erro na idade e ausencia de referencias a ascendentes ?!
Eu sei que tudo tem a sua lei e o seu tempo a definir as obrigações legais do documento (forma&fundo), mesmo assim chegar a estes pontos de liberdade juridica é um exagero. Pergunto-me então para que servia o notario, ou melhor se ele era realmente de alguma utilidade.

O que pretendo é saber quais eram os requesitos formais para que um documento fosse considerado de valor notarial, sem estarmos obrigatoriamente e constantemente perante o exemplo de testamentos. Espero ter sido percebido de vez.

Um bom dia para vocé
A.Reis

Anónimo disse...

Sr. A. Reis

A que tipo de documento notarial se quer referir?
É que há variadíssimos tipos de documentos notariais, cada um deles obedecendo a regras próprias!
Uma escritura de compra e venda de bens imóveis rege-se por normas diversas das que caracterizam uma procuração ou um testamento.
Caso queira especificar terei o maior prazer em o esclarecer, dentro das minhas possibilidades.

Cpts

Maria Benedita

Anónimo disse...

Ex.mo Sr. A. Reis,

Na sequência, do seu precedente comentário e da minha anterior resposta, adito mais estas notas.

A diferença jurídica entre um documento notarial e um simples documento particular,é que o primeiro é dotada de fé publica, fazendo por si só prova plena em juízo quanto aos factos nele atestados.

Um simples documento particular, quando não autenticado, necessitará, para o mesmo efeito obviamente de prova adicional, testemunhal e ou pericial.

Em acréscimo,

A FORÇA PROBATÓRIA DE DOCUMENTO A QUE FALTE ALGUM DOS REQUISITOS EXIGIDOS NA LEI É APRECIADA LIVREMENTE PELO TRIBUNAL.

Recuando no tempo aos séc. XV / XVI, constata-se que:

Muito sumariamente, o núcleo jurídico essencial da ORDEM JURIDICA PORTUGUESA, é dado pelas ordenações Afonsinas ( 1446 ) e Manuelinas ( 1512/14/21 ), acompanhado pelo costume, que também, é fonte de direito; pela legislação extravagante: cartas régias, resoluções, alvarás, provisões...; pelos assentos e pela intervenção do direito subsidiário para os casos omissos, isto é, casos não regulados na lei, aplicando-se, em consequência, o direito romano e o direito canónico; a glosa de Acúrcio e a opinião de Bártolo, a opinio communis e o próprio arbítrio do monarca.

Na prática, toda esta complexidade de fontes resultou na mais profunda anarquia:

Como refere o Prof. Doutor Guilherme Braga da Cruz, em História do Direito Português, Coimbra, 1955, p.414,

« Apesar de vir assim regulada minuciosamente nas Ordenações a questão do direito subsidiário, a verdade é que houve, sempre, enorme confusão entre os nossos jurisconsultos a este respeito: aplicavam o direito romano e canónico com desprezo do direito nacional; abusavam da aplicação da “opinio communis”, citando fastidiosamente opiniões de autores e decisões dos tribunais; recorriam ao direito castelhano e ao direito feudal, apesar de a lei não dar qualquer autoridade a esses direitos como subsidiário do nosso. (...) »

Pelo que concerne à ordem jurídica do nosso país vizinho, presumo que a situação não deveria ser muito diferente.

Pelo que tem aqui pleno cabimento a famosa frase de Alvaro D'ors:

« Derecho es lo que aprueban los jueces »

Eduardo Albuquerque

Anónimo disse...

Ex.mo Sr. A. Reis,

Em aditamento ao meu precedente comentário, e a título meramente informativo, aqui ficam mais estas breves referências.

ORDEM JURÍDICA PORTUGUESA

Sobre Notários ( tabeliães ) séc. XVI, ver:

Ordenações Manuelinas, Livro I, Título LIX “ Dos Tabaliães das Notas, e do que a seus Officios pertence”.

Sobre as escrituras, no séc. XV e XVI, ver:

Ordenações Afonsinas, livro III, Titulo LXIII, “Das provas, que se devem fazer per Escripturas pubricas.”;

Idem, Título LXV, “ Da Fee que se deve dar aos Estormentos pubricos, e aas outras Escripturas pubricas “;

Livro V, Título XXXVIII, “ Do que usa Escrituras, ou Testemunhas falsas, sem cometendo alguma falsidade”.


Ordenações Manuelinas, livro III, Título XXXXV “ Das provas que se devem fazer por escripturas pubricas”;

Idem, Titulo XXXXVI, “ Da fee, que se deve dar aos estromentos pubricos, e aas outras escripturas; e como se podem redarguir de falso”;

Livro V, Título IX, “ Dos que usam d' escrituras, ou testemunhas falsas”.


ORDEM JURÍDICA ESPANHOLA.


Siete Partidas, Partida III, Título XIX, Ley I e seguintes “ De los escribanos”.

Eduardo Albuquerque

F. V. F. disse...

Caros Eduardo Albuquerque e Maria Benedita,
obrigada pelos vossos contributos, melhor do que eu terão contribuído para esclarecimento dos nossos leitores.
Bem hajam

Anónimo disse...

Caríssimo F.V.F.

É com muito gosto, que o venho felicitar, e a todos os autores deste Blog, pela feliz iniciativa da sua criação, constituindo, neste âmbito, um esclarecedor contraponto ao que por aí vai aparecendo.

Pessoalmente é uma honra e um privilégio poder de algum modo, como convidado, deixar o meu modesto contributo.

Reportando-me a escrituras e a notários, tomo a liberdade de deixar mais uma pequena nota atinente ao trabalho da Prof. Doutora Ana Luísa Balmori-Padesca, “O Notariado nas Ordenações Afonsinas, contributo para o seu estudo”, relevando a bibliografia generosamente aí inclusa.

Cfr. http://www.notariosportugal.org/NR/rdonlyres/11BE742A-FDDF-484D-8949-D03DB6362C50/52/EstudoDraAnaLu%C3%ADsaBalmori.pdf

Com o meu bem-hajam, um grande abraço de muita estima e consideração pessoal,

Eduardo Albuquerque

Anónimo disse...

Caros Eduardo e F.V.F.

Não obstante a claríssima e brilhante explicitação postada, se dúvidas persistirem,o que é difícil, deixo aqui a indicação de 2 trabalhos sobre esta matéria no primeiro dos quais é focada a confusão que, de facto, existia entre Igreja e Notariado e que que poderão ser encontrados via Google:

"Os testamentos e a História da Família" de Margarida Durães,
" O notariado nas Ordenações Afonsinas" de Ana Luisa Balmori-Padesca
Um abraço

Maria Benedita

Anónimo disse...

Nao acredito nisto,

O autor do artigo comentado e o F.V.F da "Segunda-feira, Maio 12, 2008 11:52:00 PM" mostram claramente serem a mesma pessoa ("Como não percebeu, volto a explicar duma forma mais simples.", "Coloquei as imagens").

No entanto, o F.V.F da "Quarta-feira, Maio 14, 2008 1:10:00 AM" parece congratular-se a si proprio (ao Eduardo Albuquerque que ele é), com possivel vontade de querer duplicar-se aos olhos de todos.

Mas que brincadeira vem a ser esta?!

Ainda ha quem aqui falou em egos mal alivinhados!

F. V. F. disse...

Ao anónimo das 8.59 pmd
Se usasse o método Menendez Pidal concluiria que Eduardo Albuquerque e eu temos estilos de escrita completamente diversos.

Anónimo disse...

O estilo da escrita tambem involve o uso da primeira pessoa com a afirmaçao explicita de detalhar o que foi prteviamente dito no artigo comentado ?!

A ma fé nao tem limites por aqui.

Alberto Dores - Ateu.

Anónimo disse...

Após esta brilhante lição de Diplomática, concluo o seguinte:
Os actos importantes como a entrada de um jovem como aprendiz de tecelão na oficina de uma aldeola perdida, estavam sujeitos a formalidades notariais, de tal forma que são hoje apresentados como prova da existência de um Cristoforo Colombo em Génova /Savona.
Já os testamentos ou actos menos importantes, parece que também eram sujeitos a actos notariais, mas depois os interessados destruiam os originais e qualquer papel chegado aos nossos dias pode ser aceite como uma cópia de um original que nunca ninguém viu.
Eu, quando fôr grande, quero ser professor de Diplomática.
Adamastor

Anónimo disse...

Caro F.V.F.
Perdoe-me a franqueza, mas acredita que o anónimo das 8.51 sabe o método Menendez Pidal ? Ou sabe, sequer, quem foi Menendez Pidal?
Será, talvez, melhor, dizer-lhe que o confrade Eduardo Albuquerque assina com o SEU nome! Creio que isso dá para ver, pelo menos!
Estou á espera que me digam que eu sou o P.R.! Grande honra, aliás!

Melhores cumprimentos

Maria Benedita

Anónimo disse...

Adamastor

Já foi indicado neste blog, em comentário a este mesmo post, informação sobre a matéria. O estudo de Margarida Durães sobre testamentos, as suas várias formas, e respectiva publicitação, disputada entre a Igreja e os escrivães, explica-lhe toda a matéria. Acredito que, para quem não saiba distinguir um testamento público de um cerrado, autógrafo, ológrafo, militar, especial, etc, tudo isto seja confuso, mas ler alguma coisa sobre a matéria antes de dissertar sobre ela é cautela mínima que pode prevenir asserções descabidas.

Maria Benedita

F. V. F. disse...

Caros Eduardo e Maria Benedita
Retribuo a gentileza firmando que muito me apraz e honra a vossa participação nesta página.
Gostaria ainda de congratular os contributos sagazes e certeiros com que nos brindam.
Um abraço

Anónimo disse...

Caríssimas F.V.F e Maria Benedita,

Agradecendo, sensibilizado, as benevolentes palavras, descuro, obviamente, outras “interpelações” desconexas...

No correr da próxima semana, espero deixar o depoimento de Américo Vespúcio, prestado em 9 de Julho de 1510, sobre a letra e assinatura de Cristóvão Colombo, que, de algum modo, ilustram o que se tem vindo a aduzir.

Um abraço de muita estima e pessoal consideração,

Eduardo Albuquerque

Anónimo disse...

Caríssima F.V.F.

Bem haja pela simpatia das suas palavras, que ultrapassam aquilo que mereço. Definitivamente, sou apenas advogada, nem sequer uma estudiosa da História do Direito Português, e perfeitamente amadora em história.Mas quero aqui deixar, como cidadã, o meu aplauso a este Blog que, pela defesa da verdade histórica, da honestidade intelectual e dos princípios que devem reger a investigação nesta e noutras áreas, se tornou um oásis dentro do deserto árido da tolice
arrivista reinante!

Um abraço

Maria Benedita