segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Jorge Luís Matos – As Viagens de Colombo e a Náutica Portuguesa de Quinhentos (2)

Colombo tem muitas notas que nos permitem inferir que, efectivamente, esteve na Guiné e, eventualmente, em S. Jorge da Mina. As que me parecem mais significativas são as assimilações de vocabulário e as comparações que faz quando chega a novas terras, tomando como referência objectos, pessoas, ambiente ou flora da região da Guiné19. Há, apesar de tudo, informações con­cretas dessa sua presença que, nalguns casos, nos suscitam apenas mais dúvi­das e interrogações. Por exemplo, diz-nos a certa altura que “debajo de la línea equinoccial, en perpendicular, se encuentra la fortaleza de la Mina”. O referido lugar está afastado do Equador de 5º 10’ para norte, parecendo o erro demasiado grosseiro para se aceitar que efectivamente por ali andou e –como diz– “observé con diligencia la derrota, como suelen los capitanes y marine­ros, y después tomé la altura del sol con el cuadrante y otros instrumentos muchas veces”20 . O erro de mais de cinco graus pode dever-se ao facto de ter perdido a estrela Polar e de não saber, efectivamente, usar a altura do sol para determinar a latitude, apesar de o dizer. Hoje, a estrela deixa de ser observável abaixo da altitude de seis graus norte (depende da habilidade do observador), mas na época poderia sê-lo até um pouco mais a sul, dado que o seu afastamento polar era um pouco maior. Ponho a hipótese, portanto, de que ao ver a Polar muito baixa ou até de ter deixado de a ver, tenha inferido que estava sobre o Equador, estando ainda um pouco a norte dele. Em todo o caso esta é apenas uma hipótese plauzível para um erro que se afigura incom­preensível em face do saber anunciado21. Numa outra nota, do género das anteriores, diz que “El Rey de Portugal envió a Guinea en el año del Señor 1485 al maestro José, su físico y astrólogo, para reconocer la altura del sol en toda Guinea. Este cumplió com todo y dio cuenta al dicho sereníssimo rey, cuando yo me encontraba presente”. Esta afirmação (que não podemos esquecer ter sido escrita uma década depois dos factos) poderia entender-se como tendo Mestre Vizinho explicado a D. João II, quais as latitudes de diversos pontos de África, verificados por si próprio, sendo que isso “acon­teceu” na presença de Colombo, talvez quando veio a Portugal na segunda metade da década de oitenta, já depois de daqui ter saído, em 1484.

Poderíamos aceitar que tal facto foi simultâneo com a descrição de Bartolomeu Dias dos lugares do sul e da posição do Cabo da Boa Esperança, que Colombo também diz ter ouvido contar ao rei pelo próprio, apesar de ter registado a latitude com um erro de cerca de 10º22. Um problema um pouco diferente surge numa das anteriores notas do seu punho, ao afirmar que tomou (o próprio) a altura do sol com o quadrante “y encontre que concor­daba con Alfragano, es decir, que correspondian a cada grado 56 milhas y 2/3 [...] Lo mismo halló el maestro José, físico y astrólogo y otros muchos”23. Não cabe no âmbito deste trabalho analisar com pormenor os valores do grau terrestre com que contou Colombo, Toscanelli ou, eventualmente, Ptolomeu, para deduzirem que o espaço da terra desconhecida, entre o extremo da Ásia e a Europa, era bastante curto e estava ao alcance de uma viagem marítima muito fácil. O que não levanta dúvidas é que o módulo do grau terrestre de Mestre Vizinho era de 17 ½ léguas, e presumia um perímetro equinocial que não permitia as interrogações (sonhos) que assaltavam Colombo. E isto quer dizer que não pode ser verdade que se tenham encontrado e partilhado expe­riências desta natureza na costa da Guiné.

Bem sei que, no emaranhado de medidas de comprimento, que povoaram o Mediterrâneo desde a Antiguidade, e respectivas correspondências com o grau terrestre, não é fácil saber com certezas, que valor tinha a milha de que falava Colombo. Que comprimento tem cada um dos estádios daqueles que quinhentos perfazem um grau de latitude, segundo Ptolomeu? Que tamanho exacto teria a milha das que considera Alfragano?... É muito difícil sabê-lo e os jogos de números, quando estes nos surgem nestas quantidades, permi­tem tudo. O que parece óbvio é que, atendendo à distância que permeia entre o extremo ocidental da Europa e o extremo oriental da Ásia (medida em está­dios, em milhas, em léguas ou em côvados árabes, isso pouco importa), o almirante acreditava que das Canárias a Cipango distavam apenas cerca de 45 ou 50 graus. Sendo evidente que esta ideia não era aceite nem pelos cosmó­grafos portugueses nem pelos castelhanos. Não quer isto dizer isto dizer que Colombo não foi à Guiné. Significa apenas que não teve com Mestre Vizinho as conversas que afirma terem ocorrido, e que não estava a par dos mais avançados conceitos geográficos do seu tempo. A fabulosa biblioteca de Cristóvão Colombo só foi formada a partir do momento em que saiu de Portugal (talvez por razões de natureza económica), e é como anotações a alguns dos livros que adquiriu então, que surgem os comentários supracita­dos, com as afirmações acerca de factos e acontecimentos que, nalguns casos, me parece difícil que tenham ocorrido. Não quer isto dizer que o almirante desconhecesse as matérias sobre que lia. Na maioria das situações, os dados e os utensílios intelectuais da época, não permitiam uma explicação incon­testável da maioria dos conceitos, e as suas ideias poderiam parecer tão legí­timas como quaisquer outras. É muito fácil olhar para o que disse ou para o que acreditou e defendeu desesperadamente, e criticá-lo com o saber de hoje, mas não é legítimo fazê-lo. Entendo que estava no limiar de um saber de ori­gem clássica, que avançava a passos largos, e que o deixou petrificado no patamar onde imaginou que podia fazer algo tão fabuloso como chegar à China e ao Japão navegando para ocidente. Terá falhado como renascentista erudito, mas não falhou como navegador, como veremos mais adiante.

As grandes navegações portuguesas que conduziram à exploração do Atlântico até ao Cabo da Boa Esperança, abrindo o caminho da Índia e do Extremo Oriente, começaram de forma sistemática a partir de 1415/18, após a conquista de Ceuta levada a cabo pelo rei D. João I, com a estreita colabo­ração dos seus três filhos mais velhos. É sabido como o infante D. Henrique ficou encarregado dos assuntos africanos, a partir de 1418, e como a concen­tração de meios navais no porto de Lagos permitiu o lançamento de sucessi­vas viagens de reconhecimento que, persistentemente, foram chegando mais e mais longe. Ao ler o Diário da Primeira Viagem de Colombo, e tomando consciência dos temores que afligiram as tripulações, ao ponto de viverem a eminência de motins e revoltas, entendemos a angústia daqueles que pela pri­meira vez seguiram ao longo das praias desertas da África Ocidental, camin­hando para sul, mas sentindo o medo de não conseguirem regressar, e de não terem meios suficientes para sobreviver. Tinham herdado os portugueses as técnicas ancestrais de navegação praticadas no Mediterrâneo desde longa data, e que eram do conhecimento de quase toda a Europa.

Conheciam a bús­sola, sabiam manter um rumo no mar, estimavam a distância percorrida e esperavam alcançar uma costa em pouco tempo, acreditando que a chegada a um porto onde pudessem obter apoio não seria muito difícil. E foi com estas técnica simples que se aventuraram pelo Atlântico, não ousando, porém, afastar-se muito de terra, confiando em sinais que a experiência tinha ensi­nado a ler e interpretar, como avisando de mau tempo, da proximidade de terra, da existência de baixos ou escolhos, etc. E defendiam-se com técnicas que observamos também nas viagens de Colombo, quando sabe que está na proximidade de ilhas e tem de navegar devagar, sempre de dia e com vigias nas vergas, etc. São saberes ancestrais, nalguns casos milenares, transmiti­dos de geração em geração, com uma aplicabilidade que, nalguns casos, vem até aos dias de hoje, apesar do desenvolvimento técnico e da panóplia de aju­das à navegação disponíveis. Estou em crer que no primeiro reconhecimento da Madeira (1418) e nas viagens até às Ilhas Canárias nada mais se utilizou do que o velho saber marinheiro do Mediterrâneo, delineando as rotas com base em referências de terra e estimando os caminhos percorridos, quando das sempre pequenas travessias. Um problema grave se levantava, contudo, a estas viagens ao longo da costa africana. No caminho do sul –sobretudo durante as épocas de bom tempo, favoráveis à navegação– corre um ventin­ho favorável de norte ou noroeste, a que se soma uma corrente franca com o mesmo sentido, a ajudar à viagem. O problema é que, a constância desse tempo, faz com que o regresso se transforme num suplício, em que os navios tinham de fazer bordos alternados, demorando um tempo infindo para ganhar o mesmo caminho que para sul fora feito num instante. O que sentiria essa gente, quando olhava para a costa deserta das praias africanas, sem um local onde recolher alimentos ou água, sabendo que cada dia de viagem para sul, poderia significar vários dias para voltar ao ponto de partida?

Assim compreendemos como foi difícil o avanço e como apenas 16 anos depois do reconhecimento da Madeira, se conseguiu passar além do mítico Cabo Bojador. Por incrível que isso possa parecer, quando tal aconteceu, já há sete anos que tinham sido avistadas as primeiras ilhas dos Açores (1427). Gago Coutinho tem uma explicação lógica para esta precoce descoberta, imaginando que os navios que regressavam de África começaram a fazer um imenso bordo ao largo do Atlântico, com o vento na amura de estibordo, para depois virarem e demandarem a costa portuguesa, por alturas do Algarve ou de Lisboa. Foi num desses bordos largos que foi avistada a primeira ilha aço­riana. Contudo, essa navegação, mais ou menos larga, que constituía a solução mais fácil de regresso a Portugal, apresentava uma dificuldade que se veio a notar na forma titubeante e lenta como se colonizou este arquipélago. Os marinheiros embrenhados assim no mar alto, não tinham uma maneira de saber onde estavam, confiando em intuições que, de maneira nenhuma, se podiam revelar seguras. Impôs-se aos homens do mar alto a necessidade de utilizar um meio astronómico de orientação, semelhante, no fundo, aquele que já era conhecido dos cosmógrafos, mas que era difícil de aplicar por gente tosca e mal preparada em coisas de matemática, com dificuldade para contas complicadas. A primeira informação concreta da utilização de um quadrante para observar a altura da Estrela Polar, como forma de identificar o local onde se navegava, consta de um relato de Diogo Gomes, numa viagem ao largo das Ilhas de Cabo Verde, entre 1455 e 1460. Nessa altura já se sabia bem que a forma de contornar os ventos de norte e noroeste, para regressar a Lagos, era fazendo uma enorme volta pelo largo, passando, nal­guns casos, para oeste dos Açores, e regressando a terra, num outro bordo, quando a altura da Estrela Polar indicasse que era tempo de o fazer. Foi assim que se fez a aprendizagem do Atlântico Norte, aperfeiçoando a técnica de observação astronómica, sabendo que a altura do Pólo Norte era igual à lati­tude do lugar, e analisando como se comportavam os ventos e as correntes. No tempo de D. João II, quando Colombo já estava em Portugal, as viagens já tinham entrado pelo Golfo da Guiné e já tinham revelado as voltas que o mar dá nas zonas equatoriais. Provavelmente, já existia uma nova forma de cálculo da latitude, por observação da altura do sol e realização de um cál­culo simples, onde entra a declinação do astro, lida numa tabela própria.

Depois de que, em 1481, foi construída a fortaleza da Mina, as viagens eram frequentes porque o comércio era lucrativo. O caminho do sul era fácil porque, depois da “nortada portuguesa” associada à circulação de ar em torno do anticiclone dos Açores, surgem os ventos alísios de nordeste, que permi­tem fazer toda a viagem relativamente perto da costa. Passada que era a Serra Leoa e dobrado o Cabo das Palmas, os navios continuavam a ter uma contra corrente equatorial que os arrasta para dentro do golfo da Guiné e que conti­nua a facilitar a viagem, mesmo em situações de calmaria. Para regressar era praticamente inútil tentar fazer o mesmo caminho, porque a corrente o impossibilitava. Navegava-se francamente a sul, procurando a corrente equatorial do sul, e entrava-se na tal volta larga que, muitas vezes, ia bastante para ocidente, e que pode estar na origem de avistamentos de ilhas a que não era possível regressar, mas que podem ter alimentado as lendas ouvidas por Colombo quando da sua estadia em Portugal. Com a sua ida à Mina –even­tualmente pelos anos oitenta a oitenta e três do século XV– o almirante pode não ter falado com Mestre José Vizinho (como já se disse) e pode até nem se ter apercebido bem da latitude desse local, mas aprendeu que existia uma vento regular, soprando de NE, entre o paralelo das Canárias e o Golfo da Guiné24, e numa extensão considerável para oeste. Era esse vento que tinha de ser contornado com uma volta larga, até que pela latitude dos Açores sur­gia um vento de oeste que permitia a aproximação à costa portuguesa com toda a facilidade25. E é na conjugação destes dois ventos, conhecidos dos por­tugueses desde que se efectuavam as viagens à Mina, que reside o “segredo” náutico das viagens de Colombo. E a forma serena como ele conduz os seus navios parece demonstrar que sabe isso muito bem, embora compreenda que os outros não estão tão seguros quanto ele.


Observemos, portanto, alguns aspectos registados no chamado Diário de Bordo da 1ª viagem e que, infelizmente, não é mais do que uma cópia modi­ficada e simplificada, provavelmente tirada de outras cópias de um original perdido. E é importante referi-lo porque o texto, apesar de ser o produto da consciência de Las Casas, apresenta erros grosseiros, que nos parece impossível constarem do documento primitivo, se o mesmo foi escrito por quem dirigiu a navegação e esteve atento aos fenómenos marinhos. A pri­meira questão que me parece pouco coerente é a constante referência ao facto de Colombo, na viagem de ida, estimar uma distância percorrida e registar um valor ligeiramente inferior, com o intuito explícito de dar a entender ao pessoal de bordo que não estavam a afastar-se tanto de terras de Espanha, quanto, na verdade, acontecia. Esta atitude ocorre logo no registo de 10 de Setembro, pouco depois de perderem de vista a terra das Canárias. Diz expli­citamente: “Nesse dia e nessa noite fez sessenta léguas [...] Mas só contou quarenta e oito léguas a fim de que sua gente não se assustasse com a duração da viagem”26. Esta situação repete-se até à chegada às Bahamas, mas tem como contradição o facto de que, em determinadas alturas, se reunirem os pilotos dos diferentes navios, e acertarem entre si a estima, como aconteceu no dia 19 de Setembro. Na minha opinião, este género de descrições de “manobras” atribuídas a temerários comandantes, para ludibriar as tripu­lações ou mesmo forçá-las a ficar no mar sem revoltas ou protestos (porque entregues à competência daquele único homem), tem algo de mítico, que se repete em muitos outros relatos e, de um modo geral, são histórias construí­das a posteriori27. Não estou inclinado para valorizar o facto.

Não me parece serem de valorizar, igualmente, pequenas incongruências de registo como a que acontece no dia 17 de Setembro. “Continuou a navegar para oeste [...] A corrente ajudava-os” –e logo a seguir– “Viram muita erva e muitas vezes. Era erva de rocha e vinha do poente”. Ora se vento e corrente “empurravam” para oeste, a erva não podia vir desse mesmo lado. Trata-se, naturalmente, de um interpretação que tem a ver com a ansiedade de encontrar terra daquele lado, presente na forma como se interpretavam todos os sinais.

Há, no entanto, um conjunto de registos referentes a variações nas agul­has magnéticas que é interessante comentar. O primeiro vem logo no dia 13 de Setembro, onde se lê: “Nesse mesmo dia, ao começo da noite, as bússolas marcaram o noroeste, e de manhã ligeiramente o nordeste.” O fenómeno tem hoje uma natural explicação na variação da declinação magnética em função do local, havendo linhas chamadas de agónicas, onde essa declinação é zero. A fazer fé no registo do Diário –que me parece perfeitamente verosímil– Colombo afastou-se para oeste ao encontro dessa linha agónica, que hoje é difícil saber onde passava exactamente, mas sobre a qual há alguns registos do princípio do século XVI que apontam para a região das Canárias (não é incompatível que fosse ligeiramente mais a oeste). O Tratado da Agulha de Marear, de João de Lisboa (1514), não só aponta a existência da mesma, como a identifica com um meridiano, e, com base nisso, aponta uma solução para determinação da longitude que logo se revelou errónea. As mais rigoro­sas informações que até nós chegaram foram-nos dadas por D. João de Castro, na sequência da sua primeira viagem à Índia (1538), e indicam que nas proximidades das Canárias as agulhas declinam 5º 30’ para nordeste (nordesteiam, na linguagem da época). Mas, alguns anos antes destas obser­vações, surge no extremo sul do continente africano o topónimo “Cabo das Agulhas”, referenciado nos roteiros portugueses como um sítio onde as agul­has não variavam. Quando os navios passavam demasiado ao largo, sem con­seguirem avistar terra, saberiam que cruzavam o cabo, verificando este fenómeno, dizem-nos. O Cabo das Agulhas é uma designação relativamente tardia, mas tive ocasião de ver recentemente que o planisfério português anó­nimo, dito “Cantino”, refere a pequena baía, contígua a esse cabo, designada “Golfo das Agulhas”, revelando que no princípio do século XVI, os marin­heiros portugueses conheciam o fenómeno da declinação, e sabiam que variava de local para local. Ora, em boa verdade, os registos do Diário, refe­rem a variação das agulhas, mas não são muito claros quanto à interpretação dos mesmos. No entanto, não me parece possível que alguém possa andar no mar alto sem ter reparado nele. Se Colombo observava a Polar, para deter­minar a latitude do lugar e sabia até que havia um regimento para acertar os valores da altura, em função da posição da Ursa Menor, não me parece possí­vel que nunca tivesse reparado na diferença (por pequena que fosse) entre a direcção do Pólo e a que é indicada pela agulha. E em abono da diligência e atenção com que observava as estrelas, faço notar o que consta no registo de 30 de Setembro, onde está escrito o seguinte: “Anotou que «as estrelas a que se chama guardas, quando cai a noite, estão perto do braço da porta do poen­te; e quando o dia nasce, estão alinhadas, sob o braço, na direcção nordes­te...»”28.

(Olhando o norte na noite de 29 para 30 de Setembro de 1492, ao anoitecer e ao amanhecer, podiam ver-se as guardas da Ursa Menor nas posições referenciadas no Diário.Clique para ampliar)

Hoje esta disposição do céu é fácil de verificar como verdadeira e rigorosa com a ajuda de um computador e de um programa de astronomia, como tive ocasião de fazer. De certo modo, parece-me difícil que qualquer navegador que utilize correntemente a bússola e a altura da Polar, não tenha noção das variações da agulha. Deve dizer-se, no entanto, que a mais antiga referência escrita que conheço é a que consta no Diário. Estou em crer que quem não percebeu o fenómeno foi Las Casas, porque não tinha de o per­ceber, mas o almirante não podia deixar de o conhecer muito bem29.

Por último saliento a rota que o almirante procurou realizar até ao seu destino (que para si seria Cataio ou Cipango) e como regressou à Europa. Do que se infere do Diário, partiu de Palos a 3 de Agosto, realizando um per­curso simples e conhecido até às Canárias, onde reparou a Pinta que fizera uma avaria no leme. Só zarpou em direcção ao Atlântico ocidental a 6 de Setembro, partindo de La Gomera (28º N). Seguiu um rumo oeste, com um vento favorável, que suponho ter soprado de NE, fazendo-lhe orçar os navios e levando a que tivesse de chamar a atenção dos marinheiros do leme30. Só mesmo no final da viagem cedeu em guinar para SW, porque avistou muitas aves que nesse sentido voavam. O Diário afirma “porque o almirante sabia que a maior parte das ilhas que são dos Portugueses foram descobertas seguindo o voo das aves”, mas eu julgo esta consideração irrelevante, por me parecer que esse saber era de todos os marinheiros e não só dos portugueses... Alcançou a ilha de S. Salvador em 12 de Outubro de 1492, percorrendo toda a região das Bahamas. A 30 de Outubro, estando em Cuba, opinou que esta­ria “quarenta e dois graus norte da linha equinoxial”, segundo o texto de Las Casas. Mas o copista acrescenta, “se o manuscrito de onde copiei isto não estiver errado”, o que efectivamente acontecia. Estavam por cerca de 21ºN. Aliás, no dia 2 de Novembro está escrito “Nesse local [não muito longe do anterior], nessa noite, o almirante fez o ponto com o auxílio de um quadran­te e achou que estava a quarenta e dois graus da linha equinoxial”. Volta a haver um erro, para o qual não tenho explicação coerente e não quero espe­cular. Apenas não creio que seja falta de conhecimento de Colombo ou defei­to do instrumento em causa, tanto mais que, noutros locais do Diário, se tecem considerações sobre que a latitude daquelas ilhas deve ser próxima das Canárias. Além do mais, era conhecida a latitude das Ilhas dos Açores, de Lisboa, de Cádiz e de Palos. Não seria, portanto, normal que achando-se a 42º de latitude, procurasse ganhar ainda mais norte para regressar a Espanha, como de facto aconteceu. A meados de Janeiro iniciou o regresso a Espanha e a 16 de Fevereiro estava em Santa Maria, nos Açores, precisamente no caminho que tinha de seguir.


Jorge Luís Matos

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