FLORENTINO, Nicolau; A Mulher de Colombo, Lisboa, Pap. e Tipografia Guedes, 1892, pp. 11-20.
A MULHER DE COLOMBO
I
A FAMÍLIA MONIZ. – SEU TRONCO, GLORIOSO PAPEL HISTÓRICO
E DEDUÇÃO GENEALÓGICA
ATÉ D. ISABEL MONIZ, 3.ª MULHER DE BARTOLOMEU PERESTRELO
E SOGRA DE CRISTÓVÃO COLOMBO
I
A FAMÍLIA MONIZ. – SEU TRONCO, GLORIOSO PAPEL HISTÓRICO
E DEDUÇÃO GENEALÓGICA
ATÉ D. ISABEL MONIZ, 3.ª MULHER DE BARTOLOMEU PERESTRELO
E SOGRA DE CRISTÓVÃO COLOMBO
APELIDO Moniz, durante os primeiros anos do seu aparecimento em Portugal, figurou apenas na sua legítima derivação patronímica do valente D. Muninho Viegas, cognominado O Gasco, por ser oriundo da Gasconha. D. Muninho passou a Portugal em tempo de D. Ramiro III, rei de Leão, acompanhado de dois filhos, que não deixaram nome menos glorioso do que seu pai na denodada conquista das terras de Riba-Douro. ([1])
Com os Monizes coincide a nacionalização dos Guédon, também apelido francês, ([2]) em Guedes, porque D. Muninho era casado com D. Valida Trocosendes, filha de Trocosendo Guedas, apelido, em que já então degenerara Guédon, em virtude de diversas alianças, sendo D. Trocosendo a origem conhecida, onde vão entroncar-se os Guedes, de Portugal.
O sangue vigoroso d’O Gasco não se circunscreveu, porém, na sua propagação, aos pequenos limites territoriais do nosso país, então ainda embrionário numa parcela de Espanha.
Na vida baralhada dos povos da península, e que continuou sempre assim, mais ou menos caracteristicamente, apesar da raia política, delineada pelo conde D. Henrique, alargada e consolidada pelos seus sucessores, os Monizes, como muitos outros, espalharam-se até aos Pirinéus; e na permuta, através deles estabelecida pelo génio aventureiro da época, iríamos certamente, se necessário fosse, reencontrar na pátria de D. Muninho herdeiros consanguíneos das suas famosas tradições.
Tanto assim, que já no século XII se distinguia o apelido Moniz em Castela, com manifesta radicação genealógica; e o século seguinte fornece-nos, entre outros exemplos de quanto os Monizes sustentaram ali, como em Portugal, a herança moral do seu glorioso progenitor, os de D. Diogo Moniz, mestre da ordem de Santiago em 1306, e de D. Pedro Moniz ([3]) mestre da ordem de Calatrava e mais tarde da de Santiago, posto, em que morreu valorosamente a 5 de Outubro de 1385 na batalha de Valverde, travada entre o exercito castelhano, por ele comandado e pelo mestre de Alcântara, e o português, que tinha a sua frente o condestável D. Nuno Álvares Pereira.
Não é fácil, porém, reconstituir a sucessão rigorosa dos Monizes desde D. Muninho até fins do século XIV. Nos primeiros tempos da monarquia portuguesa, conservou-se ela sofrivelmente nítida, asseverando mesmo alguns escritores, que Mem Moniz, irmão de Egas Moniz, o Bem-Aventurado, usara já as armas da família desse apelido, que, embora admitido o facto, não perdeu de todo a sua feição patronímica. ([4])
Os Monizes, talvez um pouco apeados do seu antigo esplendor, desapareceram temporariamente absorvidos em diversas alianças com outras famílias – os Ataídes, os Alvarengas, os Coelhos, etc.; ([5]) e só na fulgurante alvorada do século XV, é que surgem os primeiros elos duma cadeia genealógica, que nunca mais se solveu, a despeito dos poderosos cruzamentos de sangue, em que entrou, pelo decorrer do tempo. ([6])
Aparecem-nos par essa época três irmãos do apelido Moniz: Vasco, Garcia e D. Leonor; o primeiro dos quais é o ponto de partida para a sucessão ininterrupta dos Monizes, a que pertence D. Isabel, mulher de Bartolomeu Perestrelo. Retomá-lo-emos na devida altura.
O segundo, que enumeramos, e o último na ordem do nascimento, Garcia Martim Moniz, foi sujeito de grande fidelidade e valor militar. Planeada a expedição a Ceuta, Garcia Moniz distinguiu-se por sua actividade enérgica nos preparativos da empresa, e acompanhou a África o infante D. Henrique, cujos primeiros anos ele guiara com austera solicitude, nunca o abandonando um momento, nem como guarda as irreflexões da sua adolescência, nem como companheiro devotado nos perigos da sua afanosa virilidade.
Muitas e sucessivas provas de dedicação, aureoladas do prestígio duma espada de primeira força, deram a Garcia Moniz, sobre o infante, um ascendente moral que bem se revelou com o seu famoso pulso no seguinte episódio da tomada de Ceuta: D. Henrique, acompanhado de alguns homens de armas, irrompera pelas portas da cidade, achando-se envolvido na refrega, que se levantara entre os mouros e os primeiros portugueses, que haviam entrado. Chegou um momento em que a luta esteve seriamente comprometida para a nossa gente; porque o infante, embrenhando-se pelas ruas de Ceuta, deu de frente com um tropel de inimigos, cujo número muito superior ao dos nossos, o ia esmagando. Até se espalhou da parte de fora dos muros a notícia de que D. Henrique caíra mortalmente ferido no combate.
Garcia Moniz, que estava ao lado de D. João I, apenas ouviu a triste nova, soltou um rugido de vingança, precipitou-se louco de dor e desespero por uma das portas atulhadas de cadáveres, abriu caminho à espada, como um dos arcanjos lendários dos combates, até encontrar o infante, que, longe de haver caído, disputava quase sozinho uns lampejos mortiços de vitória. Desenvencilhou-o dos mouros, que o cingiam num círculo cada vez mais estreito, advertiu-o severamente daquela temeridade, conseguindo arrancá-lo ao perigo, que o embriagava e tornara surdo a todos os conselhos dos seus outros companheiros. Este acto heróico valeu a Garcia Moniz a amizade de D. João I e a admiração de quantos o presenciaram.
Do valente português, contudo, nada mais se sabe do que os seus prodigiosos feitos de armas e estreitas relações com o infante D. Henrique; nem mesmo se foi casado, ou se deixou sucessão.
D. Leonor Moniz foi segunda mulher de Gil Aires, secretário ou escrivão da Puridade do condestável D. Nuno Álvares Pereira, e seu alferes-mor, conciliando nós as diversas opiniões a tal respeito. Gil Aires teve sepultura no mosteiro do Carmo, de Lisboa, na capela de Nossa Senhora da Piedade. ([7]) Deste casamento nasceram quatro filhos, que tiveram larga e distinta representação nas empresas militares e marítimas de Portugal no século XV.
Especializaremos apenas Vasco Gil Moniz, casado segunda vez com D. Leonor de Lusignan, a qual veio de Castela na qualidade de dama da infanta D. Isabel, mulher do infante D. Pedro, duque de Coimbra, e era filha de Febo Lusignan, que os linhagistas deduzem da família dos reis de Chipre. Deste ramo lateral dos Monizes é que proveio o grande patriota Febo Moniz, que em 1580 tanto sobressaiu por sua indignação e desassombrado levantamento contra a vil entrega do Reino nas mãos despóticas dos Filipes. ([8])
Finda esta digressão, que entendemos não dever dispensar, voltemos a Vasco Martim Moniz, no qual, como dissemos, se reata o fio genealógico de D. Muninho Viegas, e que nunca mais se perde até D. Isabel Moniz.
Vasco Moniz foi um fidalgo de grande nomeada no tempo de D. João I e exerceu o cargo de vedor da casa do infante D. Henrique. Como seu irmão Garcia, também assistiu à tomada de Ceuta, tendo largo quinhão nas glórias ali ganhas pelos portugueses. Casou com D. Beatriz Pereira, filha de Paio Pereira, fidalgo da casa real, e de D. Leonor Formosa, da qual houve quatro filhos, continuando-se a sucessão no primogénito, Henrique Moniz. ([9])
Henrique Moniz, alcaide-mor de Silves, casou duas vezes, sendo a segunda com D. Inês Pereira, filha de D. Diogo Álvares Pereira. ([10])
Desta aliança nasceram 5 filhos, e o segundo na ordem do nascimento, Vasco Martins Moniz passou à ilha da Madeira, que então já se tornara um centro de bastante actividade industrial e uma espécie de acampamento para a exploração das costas africanas e sondagem dos caminhos, que nos levariam às suspiradas regiões do oriente.
Vasco Moniz, pai de D. Isabel Moniz, mulher de Bartolomeu Perestrelo, não era um dos aventureiros vulgares, que naquela época vagueavam terra marique em busca de fortuna. Por intervenção de seu pai entrou muito novo ainda no serviço da casa real, de que teve o foro de moço fidalgo, e foi sempre muito estimado de D. Afonso V, ao lado do qual combateu nas guerras de África, tão assinaladas nesse tempo pelas conquistas de Alcácer-Ceguer, Tânger e Arzila, interessando-se até à última pela sorte do infeliz monarca.
Instalou-se na vila do Machico, onde se distinguiu de quantos portugueses e estrangeiros ali viviam, por sua generosidade, pela fidalguia do seu trato e pelo fastigio principesco da sua casa, cujas comodidades e atractivos não o enervaram; pelo contrário, sempre que o rei e o país lhe reclamaram os serviços, ele deixou a família para acudir com o seu braço e muitas vezes com a sua bolsa.
Vasco Martins Moniz impôs-se por muitos títulos a veneração dos vindouros; mas há, sobre tudo, um tão raro e sublime, do superior a todas as conquistas da espada e da bússola, que o não seguiremos minuciosamente, como aos seus antepassados, no campo da luta, para admirá-lo como homem no amor consagrado a sua mãe. Debaixo da armadura de guerreiro pulsava-lhe um coração delicado de criança, na sua mais indizível impressionabilidade filial.
Nas distracções absorventes dos combates e da vida solarenga no meio da numerosa família que constituíra, Vasco Moniz conservara sempre viva a abençoada lembrança da mulher, que lhe deu o ser, e da qual a tempestuosa agitação dos tempos o separara ainda em bem tenra idade. Poucas tréguas lhe haviam deixado os seus trabalhos para acompanhá-la nas lágrimas da viuvez e da ausência ansiosa dos filhos, que as vicissitudes do mundo lhe desgarrara para um e outro lado.
Nos últimos anos, e os mais sossegados da sua afadigada existência, Vasco Moniz vinha amiúde visitar sua mãe, D. Inês de Menezes, à vila do Torrão, onde ela vivia numa idade avançadíssima. Sentindo-se próximo a repousar de vez, reuniu ainda um resto de forças e de alento para atravessar o mar, deixou a vida ruidosa do Machico e veio refugiar-se no lar materno, falecendo aqui, com testamento fechado em 5 de Setembro de 1489, e no qual instituiu morgado da terça para seu filho primogénito.
Casou na ilha da Madeira três vezes. Do primeiro matrimónio não teve filhos, e do segundo houve três, que não destoaram por seu valor do sangue e tradições de seus antepassados. Foi sua terceira mulher D. Joana Teixeira, filha legitima do celebre Lançarote Teixeira, o Velho, ([11]) e de D. Beatriz de Góis e neta paterna do esforçado navegador Tristão Vaz, ([12]) materna de D. João do Rego e de D. Brites de Góis, da família do bem conhecido cronista português Damião de Góis.
O terceiro matrimónio de Vasco Martins Moniz foi fecundíssimo em filhos, alguns dos quais como, por exemplo, o bispo titular de Anel D. Cristóvão Moniz, sustentaram e ampliaram os pergaminhos desta antiquíssima família, com o mais levantado capricho cívico, inspirado nos deveres para com a pátria e na obrigação que nos impõe a lembrança de nossos maiores, como herdeiros do seu nome e dos seus haveres.
Também teve um bastardo com o nome de Vasco Moniz Barreto, que foi graduado em leis e letrado muito apreciado no seu tempo.
Um dos frutos do terceiro casamento foi uma filha – D. Isabel Moniz, terceira mulher de Bartolomeu Perestrelo, e da qual nos ocuparemos com mais particularidade, quando tratarmos de seu marido.
Com os Monizes coincide a nacionalização dos Guédon, também apelido francês, ([2]) em Guedes, porque D. Muninho era casado com D. Valida Trocosendes, filha de Trocosendo Guedas, apelido, em que já então degenerara Guédon, em virtude de diversas alianças, sendo D. Trocosendo a origem conhecida, onde vão entroncar-se os Guedes, de Portugal.
O sangue vigoroso d’O Gasco não se circunscreveu, porém, na sua propagação, aos pequenos limites territoriais do nosso país, então ainda embrionário numa parcela de Espanha.
Na vida baralhada dos povos da península, e que continuou sempre assim, mais ou menos caracteristicamente, apesar da raia política, delineada pelo conde D. Henrique, alargada e consolidada pelos seus sucessores, os Monizes, como muitos outros, espalharam-se até aos Pirinéus; e na permuta, através deles estabelecida pelo génio aventureiro da época, iríamos certamente, se necessário fosse, reencontrar na pátria de D. Muninho herdeiros consanguíneos das suas famosas tradições.
Tanto assim, que já no século XII se distinguia o apelido Moniz em Castela, com manifesta radicação genealógica; e o século seguinte fornece-nos, entre outros exemplos de quanto os Monizes sustentaram ali, como em Portugal, a herança moral do seu glorioso progenitor, os de D. Diogo Moniz, mestre da ordem de Santiago em 1306, e de D. Pedro Moniz ([3]) mestre da ordem de Calatrava e mais tarde da de Santiago, posto, em que morreu valorosamente a 5 de Outubro de 1385 na batalha de Valverde, travada entre o exercito castelhano, por ele comandado e pelo mestre de Alcântara, e o português, que tinha a sua frente o condestável D. Nuno Álvares Pereira.
Não é fácil, porém, reconstituir a sucessão rigorosa dos Monizes desde D. Muninho até fins do século XIV. Nos primeiros tempos da monarquia portuguesa, conservou-se ela sofrivelmente nítida, asseverando mesmo alguns escritores, que Mem Moniz, irmão de Egas Moniz, o Bem-Aventurado, usara já as armas da família desse apelido, que, embora admitido o facto, não perdeu de todo a sua feição patronímica. ([4])
Os Monizes, talvez um pouco apeados do seu antigo esplendor, desapareceram temporariamente absorvidos em diversas alianças com outras famílias – os Ataídes, os Alvarengas, os Coelhos, etc.; ([5]) e só na fulgurante alvorada do século XV, é que surgem os primeiros elos duma cadeia genealógica, que nunca mais se solveu, a despeito dos poderosos cruzamentos de sangue, em que entrou, pelo decorrer do tempo. ([6])
Aparecem-nos par essa época três irmãos do apelido Moniz: Vasco, Garcia e D. Leonor; o primeiro dos quais é o ponto de partida para a sucessão ininterrupta dos Monizes, a que pertence D. Isabel, mulher de Bartolomeu Perestrelo. Retomá-lo-emos na devida altura.
O segundo, que enumeramos, e o último na ordem do nascimento, Garcia Martim Moniz, foi sujeito de grande fidelidade e valor militar. Planeada a expedição a Ceuta, Garcia Moniz distinguiu-se por sua actividade enérgica nos preparativos da empresa, e acompanhou a África o infante D. Henrique, cujos primeiros anos ele guiara com austera solicitude, nunca o abandonando um momento, nem como guarda as irreflexões da sua adolescência, nem como companheiro devotado nos perigos da sua afanosa virilidade.
Muitas e sucessivas provas de dedicação, aureoladas do prestígio duma espada de primeira força, deram a Garcia Moniz, sobre o infante, um ascendente moral que bem se revelou com o seu famoso pulso no seguinte episódio da tomada de Ceuta: D. Henrique, acompanhado de alguns homens de armas, irrompera pelas portas da cidade, achando-se envolvido na refrega, que se levantara entre os mouros e os primeiros portugueses, que haviam entrado. Chegou um momento em que a luta esteve seriamente comprometida para a nossa gente; porque o infante, embrenhando-se pelas ruas de Ceuta, deu de frente com um tropel de inimigos, cujo número muito superior ao dos nossos, o ia esmagando. Até se espalhou da parte de fora dos muros a notícia de que D. Henrique caíra mortalmente ferido no combate.
Garcia Moniz, que estava ao lado de D. João I, apenas ouviu a triste nova, soltou um rugido de vingança, precipitou-se louco de dor e desespero por uma das portas atulhadas de cadáveres, abriu caminho à espada, como um dos arcanjos lendários dos combates, até encontrar o infante, que, longe de haver caído, disputava quase sozinho uns lampejos mortiços de vitória. Desenvencilhou-o dos mouros, que o cingiam num círculo cada vez mais estreito, advertiu-o severamente daquela temeridade, conseguindo arrancá-lo ao perigo, que o embriagava e tornara surdo a todos os conselhos dos seus outros companheiros. Este acto heróico valeu a Garcia Moniz a amizade de D. João I e a admiração de quantos o presenciaram.
Do valente português, contudo, nada mais se sabe do que os seus prodigiosos feitos de armas e estreitas relações com o infante D. Henrique; nem mesmo se foi casado, ou se deixou sucessão.
D. Leonor Moniz foi segunda mulher de Gil Aires, secretário ou escrivão da Puridade do condestável D. Nuno Álvares Pereira, e seu alferes-mor, conciliando nós as diversas opiniões a tal respeito. Gil Aires teve sepultura no mosteiro do Carmo, de Lisboa, na capela de Nossa Senhora da Piedade. ([7]) Deste casamento nasceram quatro filhos, que tiveram larga e distinta representação nas empresas militares e marítimas de Portugal no século XV.
Especializaremos apenas Vasco Gil Moniz, casado segunda vez com D. Leonor de Lusignan, a qual veio de Castela na qualidade de dama da infanta D. Isabel, mulher do infante D. Pedro, duque de Coimbra, e era filha de Febo Lusignan, que os linhagistas deduzem da família dos reis de Chipre. Deste ramo lateral dos Monizes é que proveio o grande patriota Febo Moniz, que em 1580 tanto sobressaiu por sua indignação e desassombrado levantamento contra a vil entrega do Reino nas mãos despóticas dos Filipes. ([8])
Finda esta digressão, que entendemos não dever dispensar, voltemos a Vasco Martim Moniz, no qual, como dissemos, se reata o fio genealógico de D. Muninho Viegas, e que nunca mais se perde até D. Isabel Moniz.
Vasco Moniz foi um fidalgo de grande nomeada no tempo de D. João I e exerceu o cargo de vedor da casa do infante D. Henrique. Como seu irmão Garcia, também assistiu à tomada de Ceuta, tendo largo quinhão nas glórias ali ganhas pelos portugueses. Casou com D. Beatriz Pereira, filha de Paio Pereira, fidalgo da casa real, e de D. Leonor Formosa, da qual houve quatro filhos, continuando-se a sucessão no primogénito, Henrique Moniz. ([9])
Henrique Moniz, alcaide-mor de Silves, casou duas vezes, sendo a segunda com D. Inês Pereira, filha de D. Diogo Álvares Pereira. ([10])
Desta aliança nasceram 5 filhos, e o segundo na ordem do nascimento, Vasco Martins Moniz passou à ilha da Madeira, que então já se tornara um centro de bastante actividade industrial e uma espécie de acampamento para a exploração das costas africanas e sondagem dos caminhos, que nos levariam às suspiradas regiões do oriente.
Vasco Moniz, pai de D. Isabel Moniz, mulher de Bartolomeu Perestrelo, não era um dos aventureiros vulgares, que naquela época vagueavam terra marique em busca de fortuna. Por intervenção de seu pai entrou muito novo ainda no serviço da casa real, de que teve o foro de moço fidalgo, e foi sempre muito estimado de D. Afonso V, ao lado do qual combateu nas guerras de África, tão assinaladas nesse tempo pelas conquistas de Alcácer-Ceguer, Tânger e Arzila, interessando-se até à última pela sorte do infeliz monarca.
Instalou-se na vila do Machico, onde se distinguiu de quantos portugueses e estrangeiros ali viviam, por sua generosidade, pela fidalguia do seu trato e pelo fastigio principesco da sua casa, cujas comodidades e atractivos não o enervaram; pelo contrário, sempre que o rei e o país lhe reclamaram os serviços, ele deixou a família para acudir com o seu braço e muitas vezes com a sua bolsa.
Vasco Martins Moniz impôs-se por muitos títulos a veneração dos vindouros; mas há, sobre tudo, um tão raro e sublime, do superior a todas as conquistas da espada e da bússola, que o não seguiremos minuciosamente, como aos seus antepassados, no campo da luta, para admirá-lo como homem no amor consagrado a sua mãe. Debaixo da armadura de guerreiro pulsava-lhe um coração delicado de criança, na sua mais indizível impressionabilidade filial.
Nas distracções absorventes dos combates e da vida solarenga no meio da numerosa família que constituíra, Vasco Moniz conservara sempre viva a abençoada lembrança da mulher, que lhe deu o ser, e da qual a tempestuosa agitação dos tempos o separara ainda em bem tenra idade. Poucas tréguas lhe haviam deixado os seus trabalhos para acompanhá-la nas lágrimas da viuvez e da ausência ansiosa dos filhos, que as vicissitudes do mundo lhe desgarrara para um e outro lado.
Nos últimos anos, e os mais sossegados da sua afadigada existência, Vasco Moniz vinha amiúde visitar sua mãe, D. Inês de Menezes, à vila do Torrão, onde ela vivia numa idade avançadíssima. Sentindo-se próximo a repousar de vez, reuniu ainda um resto de forças e de alento para atravessar o mar, deixou a vida ruidosa do Machico e veio refugiar-se no lar materno, falecendo aqui, com testamento fechado em 5 de Setembro de 1489, e no qual instituiu morgado da terça para seu filho primogénito.
Casou na ilha da Madeira três vezes. Do primeiro matrimónio não teve filhos, e do segundo houve três, que não destoaram por seu valor do sangue e tradições de seus antepassados. Foi sua terceira mulher D. Joana Teixeira, filha legitima do celebre Lançarote Teixeira, o Velho, ([11]) e de D. Beatriz de Góis e neta paterna do esforçado navegador Tristão Vaz, ([12]) materna de D. João do Rego e de D. Brites de Góis, da família do bem conhecido cronista português Damião de Góis.
O terceiro matrimónio de Vasco Martins Moniz foi fecundíssimo em filhos, alguns dos quais como, por exemplo, o bispo titular de Anel D. Cristóvão Moniz, sustentaram e ampliaram os pergaminhos desta antiquíssima família, com o mais levantado capricho cívico, inspirado nos deveres para com a pátria e na obrigação que nos impõe a lembrança de nossos maiores, como herdeiros do seu nome e dos seus haveres.
Também teve um bastardo com o nome de Vasco Moniz Barreto, que foi graduado em leis e letrado muito apreciado no seu tempo.
Um dos frutos do terceiro casamento foi uma filha – D. Isabel Moniz, terceira mulher de Bartolomeu Perestrelo, e da qual nos ocuparemos com mais particularidade, quando tratarmos de seu marido.
[1] Estes dois filhos chamavam-se Egas Moniz e Garcia Moniz, nomes mais tarde usados também por outros indivíduos desta família. Com D. Muninho, segundo afirmam o conde de Barcelos e outros, veio igualmente um seu irmão, D. Sesinando, que foi bispo do Porto. Dizem mais esses autores, que aquele Egas Moniz casado com D. Toda Hermigues Alboasar, descendente de D. Ramiro, é o avô de Egas Moniz, aio do nosso primeiro rei D. Afonso Henriques.
[2] Armorial Universel, por M. Gouffroy d’Eschavanes - Paris, 1844, vol. 1.º, pág. 205.
[3] A Pedro Moniz de Godoy chamam alguns escritores Pedro Nunes, por terem pela antiga preferência usual seguido o patronímico Nunes, tirado de Nuno Fernandes, pai do valente mestre de Santiago.
[4] Egas Moniz era também filho dum Muninho = Muninho Hermigues.
As armas dos Monizes são em campo azul, cinco estrelas de oiro postas em aspa, e por timbre um leopardo de azul com uma estrela das armas, na testa.
[5] Lê-se nos nobiliários mais autorizados, que dos descendentes conhecidos de D. Muninho Viegas, o Gasco, se passou aos Ataídes por Martinho Viegas de Ataíde, que se presume ser neto de Egas Moniz, e que, fora de toda a dúvida, é o sexto avô do 1.º conde de Atouguia.
[6] Todavia, entre outros vestígios históricos, que provam não haver sido completa uma tal absorção, apontaremos o seguinte: Frei Marcos da Silva, cronista de S. Francisco e diversos autores escrevem que no primeiro claustro do convento de S. Francisco de Lisboa, descendo pela escada que ia da portaria, à esquerda e pegado com o arco da capela, lia-se em latim a inscrição seguinte, que acomodamos a linguagem portuguesa:
À honra e louvor do sumo rei e da mui Bem-aventurada Virgem Madre e do Bem-aventurado Paraninfo Gabriel arc., João Moniz, clérigo e tesoureiro do ilustríssimo rei de Portugal, fez este claustro, capela e capítulo, e sua alma descansa em paz MCCCX.
Ou seja no ano 1272 do nascimento de Cristo.
[7] Esta capela foi fundada por Gil Aires; e, como ele não teve filhos da primeira mulher, passou em propriedade aos seus descendentes e de D. Leonor Moniz.
[8] Febo Moniz foi sepultado na capela fundada pelo seu ascendente Gil Aires. Actualmente são os condes de Sampaio os representantes directos do insigne português, por uma bisneta dele, D. Luísa Moniz de Torres e Lusignan, que herdou a casa do último Febo Moniz em linha recta.
[9] Um destes quatro filhos, por nome Vasco Moniz, casou com D. Aldonça Cabral e houve deste matrimónio D. Joana Pereira, mulher do 1.º vice-rei da Índia D. Francisco de Almeida. De Vasco Moniz descendem os marqueses de Angeja.
D. Beatriz ou Brites Pereira não era filha legítima, mas encontramos a sua legitimação no respectivo livro (3.°) a fl. 105.
[10] Diogo Álvares Pereira, primo do condestável, comendador-mor de Santiago e governador da casa do infante D. João filho del-Rei D. João I, foi casado com D. Mécia de Resende, dama da rainha D. Filipa e filha de Fernão Vasques de Resende. Deste casamento nasceram 2 filhas e 1 filho: 1.ª D. Isabel, mulher de D. Álvaro de Castro, alcaide-mor do Sabugal, conhecido pelo cognome de o do Torrão; 2.ª D. Inês, mulher de Gonçalo Nunes Barreto, alcaide-mor de Faro; 3.º Afonso Pereira, caçador-mor del-Rei, e que herdou em dote de sua 1.ª mulher a alcaidaria-mor de Santarém.
[11] Lançarote Teixeira, tronco duma numerosíssima e distinta família, era filho de Tristão Vaz, um dos heróis de Tânger e Ceuta, e companheiro de Zarco no descobrimento do arquipélago da Madeira.
Lançarote Teixeira foi uma reprodução típica admirável dos grandes cavaleiros medievais e gozava duma fama universal na arte de cavalaria. Altas personagens afluíam a Machico, vila da sua residência, para com ele aprenderem, e admirarem-no nos brilhantes torneios, que se faziam entre Machico e Santa Cruz, permitindo a avultada fortuna de Lançarote imprimir o maior fausto e lustre a estas festas varonis.
[12] Tristão Vaz, cavaleiro da casa do infante D. Henrique e donatário da jurisdição do Machico, foi homem célebre como guerreiro e navegador. Acompanhou o infante nas diversas jornadas de África, praticando actos de subido valor na tomada de Ceuta e no cerco de Tânger, onde foi armado cavaleiro pelo próprio D. Henrique. Voltando este as suas atenções e prodigiosa actividade para os empreendimentos, que desvendaram a Portugal os preciosos segredos do oceano, encontrou em Tristão Vaz um dos mais esforçados colaboradores da sua obra imortal.
Em 1418, indo em companhia de Gonçalves Zarco descobriu a ilha de Porto Santo, e no ano seguinte a da Madeira.
Uma das suas sete filhas, D. Ana Teixeira, deu causa a que Tristão Vaz cometesse um acto cruel, que lhe acarretou graves dissabores. D. Ana e um rapaz fidalgo, chamado Simão Barradas amavam-se com ardente afecto; mas o pai opôs-se terminantemente a essas relações, que continuaram às ocultas até que um dia, Tristão surpreendendo-os, fez desaparecer o Barradas, sem que se lhe soubesse o destino nem a causa do desaparecimento. Passados anos, descobriu-se que o amante de D. Ana fôra metido num subterrâneo, onde durante todo esse tempo esteve submetido à dura e degradante penitência de andar moendo em uma atafona. O caso foi participado a el-Rei, que mandou acto continuo a Tristão Vaz que comparecesse na côrte acompanhado de sua filha.
Vieram os dois. Sua alteza deu D. Ana em casamento a um fidalgo seu protegido, e ordenou que o pai fosse posto a ferros. Julgado pouco tempo depois, a sentença importou-lhe na perda da capitania e num degredo para a ilha do Príncipe. Expiada a culpa, voltou Tristão a Portugal; e a sua idade avançada bem como a recordação dos seus antigos serviços demoveram o rei a perdoar-lhe e a reentregá-lo na posse do Machico, que ainda governou por algum tempo, até que, indo em 1470 ao Algarve tratar de negócios da sua casa, morreu em Silves com 85 anos de idade, tendo nascido, por conseguinte, em 1385.
[2] Armorial Universel, por M. Gouffroy d’Eschavanes - Paris, 1844, vol. 1.º, pág. 205.
[3] A Pedro Moniz de Godoy chamam alguns escritores Pedro Nunes, por terem pela antiga preferência usual seguido o patronímico Nunes, tirado de Nuno Fernandes, pai do valente mestre de Santiago.
[4] Egas Moniz era também filho dum Muninho = Muninho Hermigues.
As armas dos Monizes são em campo azul, cinco estrelas de oiro postas em aspa, e por timbre um leopardo de azul com uma estrela das armas, na testa.
[5] Lê-se nos nobiliários mais autorizados, que dos descendentes conhecidos de D. Muninho Viegas, o Gasco, se passou aos Ataídes por Martinho Viegas de Ataíde, que se presume ser neto de Egas Moniz, e que, fora de toda a dúvida, é o sexto avô do 1.º conde de Atouguia.
[6] Todavia, entre outros vestígios históricos, que provam não haver sido completa uma tal absorção, apontaremos o seguinte: Frei Marcos da Silva, cronista de S. Francisco e diversos autores escrevem que no primeiro claustro do convento de S. Francisco de Lisboa, descendo pela escada que ia da portaria, à esquerda e pegado com o arco da capela, lia-se em latim a inscrição seguinte, que acomodamos a linguagem portuguesa:
À honra e louvor do sumo rei e da mui Bem-aventurada Virgem Madre e do Bem-aventurado Paraninfo Gabriel arc., João Moniz, clérigo e tesoureiro do ilustríssimo rei de Portugal, fez este claustro, capela e capítulo, e sua alma descansa em paz MCCCX.
Ou seja no ano 1272 do nascimento de Cristo.
[7] Esta capela foi fundada por Gil Aires; e, como ele não teve filhos da primeira mulher, passou em propriedade aos seus descendentes e de D. Leonor Moniz.
[8] Febo Moniz foi sepultado na capela fundada pelo seu ascendente Gil Aires. Actualmente são os condes de Sampaio os representantes directos do insigne português, por uma bisneta dele, D. Luísa Moniz de Torres e Lusignan, que herdou a casa do último Febo Moniz em linha recta.
[9] Um destes quatro filhos, por nome Vasco Moniz, casou com D. Aldonça Cabral e houve deste matrimónio D. Joana Pereira, mulher do 1.º vice-rei da Índia D. Francisco de Almeida. De Vasco Moniz descendem os marqueses de Angeja.
D. Beatriz ou Brites Pereira não era filha legítima, mas encontramos a sua legitimação no respectivo livro (3.°) a fl. 105.
[10] Diogo Álvares Pereira, primo do condestável, comendador-mor de Santiago e governador da casa do infante D. João filho del-Rei D. João I, foi casado com D. Mécia de Resende, dama da rainha D. Filipa e filha de Fernão Vasques de Resende. Deste casamento nasceram 2 filhas e 1 filho: 1.ª D. Isabel, mulher de D. Álvaro de Castro, alcaide-mor do Sabugal, conhecido pelo cognome de o do Torrão; 2.ª D. Inês, mulher de Gonçalo Nunes Barreto, alcaide-mor de Faro; 3.º Afonso Pereira, caçador-mor del-Rei, e que herdou em dote de sua 1.ª mulher a alcaidaria-mor de Santarém.
[11] Lançarote Teixeira, tronco duma numerosíssima e distinta família, era filho de Tristão Vaz, um dos heróis de Tânger e Ceuta, e companheiro de Zarco no descobrimento do arquipélago da Madeira.
Lançarote Teixeira foi uma reprodução típica admirável dos grandes cavaleiros medievais e gozava duma fama universal na arte de cavalaria. Altas personagens afluíam a Machico, vila da sua residência, para com ele aprenderem, e admirarem-no nos brilhantes torneios, que se faziam entre Machico e Santa Cruz, permitindo a avultada fortuna de Lançarote imprimir o maior fausto e lustre a estas festas varonis.
[12] Tristão Vaz, cavaleiro da casa do infante D. Henrique e donatário da jurisdição do Machico, foi homem célebre como guerreiro e navegador. Acompanhou o infante nas diversas jornadas de África, praticando actos de subido valor na tomada de Ceuta e no cerco de Tânger, onde foi armado cavaleiro pelo próprio D. Henrique. Voltando este as suas atenções e prodigiosa actividade para os empreendimentos, que desvendaram a Portugal os preciosos segredos do oceano, encontrou em Tristão Vaz um dos mais esforçados colaboradores da sua obra imortal.
Em 1418, indo em companhia de Gonçalves Zarco descobriu a ilha de Porto Santo, e no ano seguinte a da Madeira.
Uma das suas sete filhas, D. Ana Teixeira, deu causa a que Tristão Vaz cometesse um acto cruel, que lhe acarretou graves dissabores. D. Ana e um rapaz fidalgo, chamado Simão Barradas amavam-se com ardente afecto; mas o pai opôs-se terminantemente a essas relações, que continuaram às ocultas até que um dia, Tristão surpreendendo-os, fez desaparecer o Barradas, sem que se lhe soubesse o destino nem a causa do desaparecimento. Passados anos, descobriu-se que o amante de D. Ana fôra metido num subterrâneo, onde durante todo esse tempo esteve submetido à dura e degradante penitência de andar moendo em uma atafona. O caso foi participado a el-Rei, que mandou acto continuo a Tristão Vaz que comparecesse na côrte acompanhado de sua filha.
Vieram os dois. Sua alteza deu D. Ana em casamento a um fidalgo seu protegido, e ordenou que o pai fosse posto a ferros. Julgado pouco tempo depois, a sentença importou-lhe na perda da capitania e num degredo para a ilha do Príncipe. Expiada a culpa, voltou Tristão a Portugal; e a sua idade avançada bem como a recordação dos seus antigos serviços demoveram o rei a perdoar-lhe e a reentregá-lo na posse do Machico, que ainda governou por algum tempo, até que, indo em 1470 ao Algarve tratar de negócios da sua casa, morreu em Silves com 85 anos de idade, tendo nascido, por conseguinte, em 1385.
2 comentários:
já nao ha comentarios aqui? entao, o que se passou?
O que é feito do meu comentario acerca do texano "Antonio"???
está tuuuudo gravadinho!
Talvez devesse procurá-lo em "A Mulher de Colombo - Nicolau Florentino (5)".
E para a próxima grave tudinho com cuidadinho e tome notinha.
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