segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Jorge Luís Matos – As Viagens de Colombo e a Náutica Portuguesa de Quinhentos (3)


À maneira de conclusão, resumo pois os pontos de vista que tentei explanar ao longo do texto. Colombo era descendente de um mercador ita­liano (ele próprio ligado ao negócio), familiarizado com toda a riqueza ine­rente ao comércio com o Levante e com os produtos orientais, que não podia deixar de sonhar com uma forma de chegar a toda a riqueza que lhe passava diante dos olhos. Fascinou-o, por isso, o espaço português da segunda meta-de do século XV, quando se desenvolveu o comércio africano e Lisboa se tor­nou uma metrópole cosmopolita. Teve condições de acesso a um saber clássico, muito ao jeito do Renascimento. Aprendeu latim, leu livros que falavam de mundos distantes e prodigiosos e tomou conhecimento de con­ceitos geográficos que lhe suscitaram soluções alternativas à rede comercial que sempre conhecera. Pensou até que, se conseguisse abrir uma nova e revo­lucionária via para esse comércio, caber-lhe-ia o lugar que vira ser ocupado por gente que invejou durante a sua infância e juventude. Portugal foi, talvez, o local onde esta imaginação fértil e espírito aventureiro, mais se desenvol­veram, fosse pelo momento que se vivia, fosse pelas viagens que teve opor­tunidade de efectuar. Imaginou que o Oriente, de onde vinham as mercadorias ricas que, desde miúdo via chegar à sua terra e com que se cru­zara em Lisboa, podia estar ao alcance de meia dúzia de dias de viagem, caminhando atrás do sol poente. Foi um sonho de muitos outros, contudo, no caminho da Guiné e no contacto com as viagens portuguesas ele percebeu que no Atlântico Norte havia uma via de vento favorável ao caminho para o sul e ocidente (os alísios de NE) e outra de regresso, um pouco mas a norte. Digamos que ao juntar este saber prático, colhido no mar, com um conheci­mento geográfico clássico e difuso, aprendido em leituras rápidas e em dis­cussões literatas, elaborou o plano que seria a obsessão da sua vida. Apesar de não ter alcançado os objectivos que se propunha, as suas viagens são o espelho de um conhecimento náutico que não é possível negar, e que resul­tou de uma experiência múltipla onde teve um papel determinante o conhe­cimento do regime de ventos e correntes do Atlântico. A herança que levou de Portugal.

NOTAS
1 Casas, Bartolomé de las: Historia de las Índias, México, 1995, vol I, p. 34.

2 Colón, Hernando: Historia del almirante, Barcelona, 2006, p. 56.

3 “Cullam famoso cossairo Francês”, Cf. Rui de Pina, Crónicas de [...], Porto, 1977, p. 851.

4 Cf. Pedrosa, Fernando: Cristóvão Colombo corsário em Portugal (1469-1485), Lisboa, 1989, passim.

5 Colón, H.: Historia..., p. 74. Esta afirmação datou a viagem de Diogo Teive e a descoberta das ilhas de Flores e Corvo de 1452 e, segundo o relato de Hernando, com Diogo Teive ia um “piloto” de Palos (“gallego” segundo Las Casas), chamado Pedro Velasco (ou Pedro Vasquez), que, em La Rábida falou com Colombo.

6 Damião Peres, Damião: História dos Descobrimentos Portugueses, Porto, 1992, p. 252. Existem sérias reservas quanto à autenticidade do referido documento.

7 Radulet, Carmen: “As viagens de Descobrimento de Diogo Cão”, in Mare Liberum, nº 1, Lisboa, 1990, p. 188.

8 Apenas João de Barros –que escreveu muitas décadas depois do sucedido– lhe dedica umas linhas para dizer que “todos houveram por vaidade as palavras de Colom”. Apud Peres, D.: História dos..., p. 257.

9 É provável que esta viagem venha na sequência da que fora interrompida em 1476, pelo ata­que corsário, mas isso é apenas uma conjectura.

10 Historia Rerum ubique gestarum de Eneas Sílvio Piccolomini, eleito Papa Pio II.

11 Cólon, Cristobal: Textos y documentos completos, Alizana Editorial, Madrid, 2003, p. 285.

12 Em anos de extremo frio os gelos vêm até à ilha.

13 Esta afirmação de Colombo é, aliás, mais um problema para a análise da verdade do que ele próprio escreve. Por perto do Canal da Mancha e nalguns portos da costa ocidental da Grã-Bretanha, as marés podem atingir 10 metros (cerca de cinco braças e meia), mas na Islândia e na costa leste da Groenlândia é bastante mais pequena, não alcançando sequer os dois metros.

14 Estava há algum tempo em escavações uma estação arqueológica do que supunha ser uma povoação viking na Terra Nova.

15 Jaime Cortesão, Jaime: Os Descobrimentos Portugueses, vol. IV, 4ª Ed., Lisboa, 1985, p. 1146 e ss. Cristiano I tem um reinado quase coincidente com o de Afonso V.

16 Uma carta escrita pelo mercador veneziano, Lorenzo Pasqualigo, datada de 23 de Agosto de 1497 diz que “o nosso veneziano [Caboto] que partiu de Bristol num pequeno navio, para procurar novas ilhas, regressou e diz que descobriu terra firme a 700 léguas daqui, e que é o país do Grande Can [China]”. São palavras que demonstram bem o intuito da viagem de Caboto.

17 Apenas por intuição, e porque as informações que dá nos textos já citados não me parecem de quem conheceu a Islândia e muito menos os mares gelados que lhe estão a norte, estou a admitir que Colombo não passou de Bristol, reservando a possibilidade que tenha ido a Galway (Irlanda).

18 Estas informações referem-se a uma direcção predominante da corrente que só poderá arrastar objectos para as praias do norte e leste da Ilha do Porto Santo. No entanto, ocorrem fenómenos locais e de pequena duração que se manifestam de outra forma. Sobre o caso específico do Porto Santo tive o cuidado de contactar com o Comandante Castro, meu amigo, que desempenhou o cargo de Capitão do Porto do Porto Santo, durante quatro anos e meio. É um cargo que obriga a uma particular atenção sobre os fenómenos marinhos, e o seu testemunho era particularmente importante. Disse-me não ter notícia de nenhum relato de objectos vindos de longe, sobretudo de ocidente, mas refere que, em circunstâncias par­ticulares de vento dos quadrantes do sul, chegam às praias do Porto Santo objectos vindos da própria Ilha da Madeira. É insólito e invulgar, ocorre apenas numa área restrita, mas acontecia duas ou três vezes por ano. Esses objectos aparecidos na praia ocidental do Porto Santo podem ser identificados como vindos de longe, sobretudo, se é isso que se quer ver neles.

19 Varela, Consuelo: Cristobal Colom. Retrato de un hombre, Alizana Editorial, Madrid, 1992, p. 56.

20 Colón, Cristobal: Textos y documentos..., ed. de Consuelo Varela, Madrid, 2003, p. 90

21 Há muitos erros absurdos de coordenadas em escritos de Colombo ou em textos supostamen­te copiados deles. Nalguns casos não encontro explicação, mas aqui atrevo-me a avançar esta hipótese.

22 Colombo afirma ter ouvido Bartolomeu Dias dizer que o Cabo estava a cerca de 45º S, quan­do, na realidade está em 34º 30’S. Alguns historiadores quiseram interpretar esta informação de Colombo como o resultado de uma tentativa portuguesa de alongar distâncias e criar a sensação, em Castela, de que a volta do Cabo para a Índia era, de facto, muito longa. Sem querer afirmar nada em definitivo, porque me parece que o assunto necessita de mais estudo eu entendo todos estes erros de Colombo (Mina, Thule, Cabo da Boa Esperança, etc.) como uma tentativa do próprio de dar consistência à sua argumentação sobre as terras que descobrira a Ocidente.

23 Sobre esta eventual presença de Mestre Vizinho na Guiné, que me parece bastante duvidosa, veja-se Luís Albuquerque, int. e notas, Guia Náutico de Munique e Guia Náutico de Évora, Lisboa, 1991, p. 78.

24 Refiro-me aos alísios de NE que sopram no Hemisfério Norte e se sentem até regiões mais ou menos a sul, consoante a época do ano considerada e o deslocamento do chamado Equador Meteorológico.

25 A latitude dos chamados “gerais do oeste” varia também com a época do ano, como é com­preensível.

26 Colombo, C.: Diário de Bordo da 1ª viagem, Mem Martins, 1990, p. 24.

27 Apenas como exemplos desta forma mítica de fazer o relato, no sentido de valorizar a cora­gem do capitão, em relação a uma turba de pessoal assustado, realço o relato da viagem de Vasco da Gama, feito por Gaspar Correia (que não é confirmado por nenhuma outra fonte). Na Moby Dick, de Melville, num gesto de arrojo que transformaria a aventura irreversível, o capitão destrói as agulhas de bordo à frente de toda a tripulação.

28 A introdução é de Las Casas, mas a parte mais importante está assinalada como transcrição do que escreveu Colombo.

29 O que não quer dizer que o tenha estudado com rigor e atenção, procedendo a registos sis­temáticos. Pelo menos, eles não são conhecidos e não é isso que se deduz do texto de Las Casas.

30 “Os marinheiros governavam mal, derivando para o quarto noroeste e mesmo para o meio quarto”. Cf. Colombo, C.: Diário de..., p. 24. É um fenómeno natural com o vento fresco.

Jorge Luís Matos

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