quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Filipa Moniz - a não comendadeira

Dos estudos recentes sobre a comunidade feminina da Ordem de Santiago destacam-se os de Joel Mata: A Comunidade Feminina da Ordem de Santiago – A Comenda de Santos na Idade Média (1991) e A Comunidade Feminina da Ordem de Santiago – A Comenda de Santos em finais do Século XV e no Século XVI – Um Estudo Religioso, Económico e Social. Tratam-se de dois trabalhos exaustivos e sistemáticos, cobrindo cronologicamente a Idade Média e os inícios da Moderna, procurando compreender, à luz da documentação coeva – e na medida em que ela o permite – a realidade social, económica e religiosa das mulheres recolhidas neste convento.

O primeiro estudo é o mais interessante para o esclarecimento dos (falsos) problemas criados à volta de Cristóvão Colombo, especialmente em torno do seu casamento com Filipa Moniz, o seu estatuto social, e da relação de ambos com a Ordem de Santiago. Especificamente esta obra não é um estudo sobre a esposa de Cristóvão Colombo, nem sobre qualquer matéria colombina entendida como a busca de elementos para a biografia do navegador italiano. Trata exclusivamente do Convento de Santos e tem como um dos objectivos a inventariação dos nomes de mulheres referidas na documentação. Entre esses nomes surge o de uma Filipa Moniz, ao qual não está associado mais nenhum dado que possibilite a identificação positiva com a filha de Bartolomeu Perestrelo e esposa de Cristóvão Colombo. No entanto poderá aceitar-se ser a mesma pessoa, considerando o período cronológico e o facto de não se conhecerem outras referências a esse nome noutras fontes coevas.

No mosteiro de Santos Filipa Moniz é referenciada por Joel Mata em pelo menos dois documentos entre Janeiro de 1475 e Janeiro de 1479. Estes documentos são mencionados numa relação de mulheres onde, entre outros dados, se distingue entre dona e não-dona: Filipa Moniz é referida como não-dona[1]. Da leitura da tese de Joel Mata também se confirma a ideia já aqui aflorada de Filipa Moniz não ser comendadeira de Santos, logo, e necessariamente, de Santiago. Afirma o estudioso:

«Por várias vezes se encontra nos autores, o título de comendadeira expresso no plural pretendendo designar de uma forma geral as freiras professas. Com efeito, tal designação não foi detectada no acervo documental compulsado, excepção feita a um traslado datado de 1781 de um contrato agrário, de 1483, do tempo de D. Beatriz de Meneses»[2].

Contrariamente ao que tem sido insistentemente declarado pela pseudo-história, esta afirmação de Joel Mata, resultando de um estudo sistemático da documentação relativa ao Mosteiro de Santos e produzida num contexto onde as questiúnculas colombinas estão completamente ausentes, deverá ser prova suficiente de que Filipa Moniz não era comendadeira de Santiago, simplesmente porque esse título se referia exclusivamente à superiora da instituição.

Após a morte do mestre Mem Rodrigues de Vasconcelos o mestrado de Santiago passou para as mãos da família real portuguesa. Primeiro para D. João, filho de D. João I, depois para D. Fernando, genro do anterior e irmão de D. Afonso V. D. Fernando esteve «bastante atento aos negócios do Mosteiro de Santos[3]», sucedendo-lhe o seu filho D. João e, após a morte deste, o príncipe D. João.

Dada a falta de fontes portuguesas, o autor tenta colmatar o facto socorrendo-se sobretudo da bibliografia espanhola e dos estudos da historiografia do país vizinho sobre a ordem, o que poderá não corresponder inteiramente à realidade nacional.

Escreve:

«O governo e a administração destas casas estava a cargo de um grupo de monjas, freiras ou donas, como indiferentemente se chamavam, que faziam profissão e recebiam o hábito de Santiago, obrigando-se ao cumprimento absoluto dos ditames da Regra.

Oriundas em larga escala das camadas nobres elegiam, entre si, a prioresa que na Ordem toma o nome de Comendadeira, pela sua virtude e exemplo dado na comunidade, cuja aprovação era da competência do mestre[4]

Estas duas frases, a terem aplicação em Portugal, obrigam a deduzir que Filipa Moniz seria professa do mosteiro de Santos (as donzelas aos 15 anos tinham de optar por sair ou professar[5]), pois aparece referida em actos de administração do mesmo a partir de 1475. Já as mesmas duas frases não permitem concluir que fosse de alta-nobreza, mas tão só, e provavelmente, nobre.

A comendadeira, ou seja a superiora, é oriunda das camadas superiores da nobreza[6] e, no caso português, «algumas comendadeiras não têm ou parecem não ter qualquer afinidade com os cavaleiros da Ordem»[7]. O comendador tinha a competência de administrar o património das monjas, «o que no caso português pouca influência teve»[8]. A regra é omissa quanto à natureza dos membros femininos do mosteiro, servindo o mesmo para recolhimento da família dos freires quando em guerra ou retiro[9].

Mas todas estas normas, fossem elas quais fossem, de pouco valiam na altura em que Filipa Moniz frequentou o mosteiro de Santos; o desmando estava instalado ao ponto de obrigar ao estabelecimento de novas regras. É D. Jorge quem as vai estabelecer em 1509, pois, como o próprio faz escrever:

«porque a casa e moesteiro de Santos foy principalmente ordenada pera as vyuvas do habito que foram mulheres de cavalleiros da Ordem e pera suas filhas o que atee ora se nom guardou»[10].

O mesmo D. Jorge é bastardo duma comendadeira (D. Ana de Mendonça), sobrinha de outra comendadeira (D. Violante Nogueira), o que é prova cabal de que condições tidas por essenciais para o ingresso nas ordens, como a legitimidade, é coisa de somenos importância quando se trata do exercício dum poder efectivo que se detém sobre as instituições e sobre as pessoas.

Em conclusão, Filipa Moniz não é comendadeira, pois essa é a designação dada à superiora; não é dona, já que essa é uma das designações genéricas das freiras; nem é de alta-nobreza, pois nada há nestes documentos nem no estudo de Joel Mata que o permita afirmar.



[1] Joel S. F. Mata, A Comunidade Feminina da Ordem de Santiago. A Comenda de Santos na Idade Média, Porto, 1991, p. 237. O documento de 1475 está, provavelmente por gralha, identificado pelo autor como sendo de 1465.

[2] Id. Ib., p. 53.

[3] Id. Ib., p. 14.

[4] Id. Ib., pp. 16-17.

[5] Id. Ib., pp. 54-55.

[6] Id. Ib., p. 51.

[7] Id. Ib., p. 52.

[8] Id. Ib., p. 17.

[9] Id. Ib., p. 51.

[10] «Regra», apud Joel S. F. Mata, Op. cit., p. 52.


sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Optima Pars

Nas Cortes de Coimbra de 1472 queixavam-se os representantes dos concelhos de que muitos indivíduos, depois de cometerem, ou quando pretendiam cometer, mortes e roubos, procuravam alcançar o hábito de Santiago, para se isentarem da autoridade secular; e, se não lho concediam no reino, iam tomá-lo fora e para cá voltavam sem temer das justiças do rei, do qual diziam que não os podia julgar.
Nas Cortes de 1481-82 renovaram-se as queixas, em termos que testemunhavam o enorme descrédito a que haviam chegado as ordens militares.

«Ordens Militares ou de Cavalaria», Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. XIX, Lisboa - Rio de Janeiro, s. d., p. 571.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Francisco Contente Domingues - Navios e Viagens

Com a chancela da editora Tribuna da História será apresentado ao público o livro de Francisco Contente Domingues, Navios e Viagens - A Experiência Portuguesa nos Séculos XV a XVIII.
A apresentação da obra estará a cargo de João Paulo Oliveira e Costa, director do CHAM, e ocorrerá pelas 18h 15m do próximo dia 7 de Fevereiro na Academia de Marinha em Lisboa.