segunda-feira, 17 de junho de 2019

Carta de D. João II a D. Fernando de Aragão, 23 de Maio de 1493



A recém-divulgada carta de D.João II a D. Fernando de Aragão de 3 de Maio de 1493 como a primeira notícia oficial da chegada de Cristóvão Colombo a Portugal depois do feito que o celebrizou e de como foi recebido pelo rei, fez esquecer por um pouco uma outra carta bastante mais rica e relevante para a compreensão da rápida sequência de acontecimentos que levarão à assinatura do tratado de Tordesilhas.
De facto, esta segunda carta assinada pelo monarca português também em Torres Vedras mas em 23 de Maio de 1493 é um dos primeiros passos para a resolução pacífica do grande problema que se colocou a Portugal após o feito de Colombo. Só por isto o seu valor é inestimável enquanto monumento, pois quanto ao conteúdo confirma o que já se sabia por outras fontes de igual importância.
Por haver veículos mais sérios de comunicação científica do que este, e pelas razões referidas, não valeria a pena dedicar-se neste espaço qualquer nota a esta segunda carta, não fôra o facto de nela haver duas palavras que demonstram como as ideias dum Cristóvão Colombo português, com este ou outros nomes, são totalmente improcedentes face à realidade das fontes. Essas duas palavras foram notadas por Pedro Pinto que, estando a trabalhar com estes documentos sobre aspectos relevantes para a História, de imediato se apercebeu do rombo que elas fariam nas ideias dominantes do Colombo português. E em nada contribuindo para o progresso da arte e da ciência que o ocupa, passou essa informação e a respectiva transcrição a quem dela pudesse tirar utilidade, o que aqui se agradece.


Aos praticantes das várias crenças de Cristóvão Colombo não ser Cristóvão Colombo interessa da longa carta de D. João II a seguinte passagem, logo no início da mesma:

[...] Recebemos huũa vossa carta de creença., e ouuimos alguũas cousas que da vossa parte per vertude della nos disse, E quanto aos pregões e defesa que nos enuiaaes Requerer e que mandemos dar pera que nenhuũas carauellas e nauios de nossos Reynos e fora delles, nom vaão ao que ora nouamente achou dom christouam colombo vosso almirante., [...]
Excerto da Carta de D. João II a D. Fernando de Aragão (23-05-1493), Toledo, Archivo Histórico de la Nobleza, Villagonzalo, CP. 553, D. 8.
Dizem e escrevem esses autores que Cristóvão Colombo nunca se chamou Colombo, mas sim Colon, sem acento no segundo o, e que o Cristoforo Colombo italiano que a generalidade dos historiadores considera consensualmente não é o mesmo navegador, almirante das Índias de Castela. São assim duas pessoas diferentes, sendo que a identificação de ambas numa só é feita por engano voluntário dos actores históricos coevos ou pouco posteriores.
Este logro, segundo essas teses – chamemos-lhes assim por conveniência do discurso –, foi atribuído a Rui de Pina e a Pietro Martire D'Anghiera, pois como muito bem mostra a carta de D. João IIde 20 de Março de 1488 ao futuro almirante o seu nome não é Colombo e que nunca foi referido em Portugal ou nos reinos vizinhos como tal. Como muito bem mostra a carta de D. João II, Cristóvão Colombo é o mesmo Cristobál Colón que saiu de Palos, foi às Antilhas, passou pelos Açores e aterrou em Lisboa.
Esta grafia do nome agora constatada nesta carta é totalmente irrelevante para a História, pois não traz qualquer novidade, não se ficou a saber mais do que já se sabia. Mas é um severo revés para quem quer fazer umas histórias alternativas. O porquê da insistência na distinção minuciosa das grafias do nome da mesma pessoa pelos defensores de qualquer naturalidade de Colombo que não a italiana – no sentido geográfico e não no de estado – reside no facto de não haver qualquer prova que sustente as suas ideias e por isso sentem a necessidade separar as duas fases da vida do Almirante, atribuindo pessoas diferentes a cada uma delas. Até ao momento esta abordagem era a mais fácil por ser aquela que não obrigava a declarar todas as fontes e testemunhos contrários como falsos, bastava clamar por alguns. Com esta carta reforça-se a ligação que já havia sido estabelecida pelos historiadores com outros documentos mas que foi declarada como falsa pelos colombófilos, como o documento dito de Asseretto.
Como não têm importado todas as críticas que têm sido feitas, mostrando os erros infindáveis destes raciocínios, vai-se assistir agora a novos contorcionismos para encaixar uma cartita, que não pode ser declarada falsa, numa narrativa que quer continuar a negar a evidência dos factos.

sábado, 15 de junho de 2019

Carta de D. João II a D. Fernando de Aragão, 3 de Maio de 1493


CARTA DE D. JOÃO II A FERNANDO, REI DE CASTELA E ARAGÃO, SOBRE A CHEGADA A LISBOA DO ALMIRANTE D. CRISTÓVÃO COLOMBO (1493)


Transcrição de Pedro Pinto

Centro de Estudos Históricos, Universidade NOVA de Lisboa
CHAM – Centro de Humanidades, FCSH, Universidade NOVA de Lisboa, Universidade dos Açores


Resumo

1493, Torres Vedras, Maio, 3

Carta de D. João II a Fernando, rei de Castela e Aragão, sobre a chegada a Lisboa do almirante D. Cristóvão Colombo.
Abstract

1493, Torres Vedras, 3 May
Letter from King John II to Ferdinand, king of Castile and Aragon, concerning the arrival to Lisbon of the Admiral Christopher Columbus.


Toledo, Archivo Histórico de la Nobleza, Villagonzalo, CP. 553, D. 10.



[1]DOCUMENTO

Muyto alto muyto exçellente e poderoso princepe Irmaão Nos dom Ioham per graça de deus Rey de portugal e dos algarues d aaquem e d aallem mar em africa e senhor de guinee vos enuiamos muyto saudar como aquelle que muyto amamos e preçamos
veeo teer com fortuna do mar ao nosso porto da nossa cidade de lixboa dom christouam vosso almirante que folgamos muyto de veer e mandar tratar bem por ser cousa vossa,
E por vosso Respeito no caso que quisesse hir per terra por que mais çedo fosse a vos lhe mandamos dar cartas e auiamento pera despachadamente poder hir per nossos Reynos.,
E ouuemos muyto prazer de sua nauegaçom e por seu trabalho nom seer sem boom efecto e asy da maneira que teue em comprir vosso mandado em sua nauegaçom acerqua do que a nos compria segundo nos certeficou e Nos a vossas cousas avemos sempre de fazer por as estimarmos e querermos como as nossas proprias, sobre o quall stpreuemos mais largamente a Rui de sande caualeiro de nossa casa e alcaide moor de torres vedras alguũas cousas que vos falara, Rogamos uos muy afectuosamente, praza uos dar lhe Inteira fe,
Muyto alto muyto excelente e poderoso princepe e Irmaão nosso senhor aIa vossa pessoa e Real stado em sua santa guarda,
stprita em torres vedras a iij dias de mayo de 1493

a)     El Rey

[Verso]

+

Ao muyto alto muyto excelente e poderosso princepe El Rey de castella d aragam de sezilia de graada etc nosso muyto amado e preçado Irmaão.,

[2] de iij de mayo sobre la venyda del almirante de las yndias


[1] Os critérios de transcrição adoptados são os da Universidade Nova de Lisboa, sugeridos em João José Alves Dias et al., Álbum de Paleografia, Lisboa, Estampa, 1987.
[2] Escrito, em castelhano, posteriormente.




(Imagens