quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Filipa Moniz - conclusões após a leitura dum documento



TT, Convento de Santos-o-Novo, Doc. 477.
Convento de Santos[-o-Velho], 4-1-1475
Emprazamento em três vidas de terras de pão e herdades do convento de Santos-o-Velho a Álvaro Lopes por 550 reais anuais e 2 galinhas[1].




Edição Paleográfica – Excertos


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Em nome de Deos aamem Saibham os que este estromento d’enprazamento virem que no ano do nacimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil e quatrocentos e sat[an]ta, e çinquo annos quatro dias do mes de Janeiro no moeesteiro de Santos setuado a çerca da çidade de Lixboa, na cassa do cabido estando hi a m[ui]to honrrada, relegiossa, senhora dona Briatriz de Menesses comendadeira do dito moeesteiro e Graçia Estevez Lianor Correa Catarina Rodriguez Sussana Pereira, Catarina de Valadares dona Lianor de Menesses Filipa Monniz Johana da Silva Johana de Lordello Briatriz de Gooes e Catarina da Rossa todas donas do dito moeesteiro estando em cabidoo e cabido fazendo chamadas a elle per soo de canpa tangida segundo seu bõo custume espeçiallmente pera este auto que se adiante segue loguo per a dita Senhora Comendadeira e donas foy dito que he verdade que o dito moeesteiro tem em Campolide (...[descrição das terras, da outra parte e das condições]) E a dita Senhora, e donas prometeram e se obrigaram de lhe manterem este contrauto (...[cláusulas e protocolo finais, incluindo a identificação das testemunhas]).




Transcrição revista por F.V.F.
O ano do documento oferece dúvidas de transcrição. Sendo claramente 1475 (qualquer incerteza se desfaz lendo a primeira sílaba (ssa) ainda na primeira linha), a grafia de setenta não é de todo óbvia por a segunda sílaba se sobrepor ao E capitular no início do documento, podendo ser teen, tan, tem. A última sílaba não permite qualquer hesitação.
«Muito honrrada», a palavra muito, estando abreviada e com o texto ligeiramente manchado, não permitindo contudo qualquer incerteza quanto ao significado, deixa ligeira dúvida quanto à transcrição a adoptar: muyto ou muito.
A transcrição do nome Beatriz, que ocorre duas vezes, é a que deixa mais dúvidas: Para além da forma adoptada com boas razões, também pode ser Bratriz, Byatriz ou Breatriz.
«Rossa», acaba por não oferecer dúvidas quando se compara com o rr da abreviatura de Rodrigues.
«Catarina», nome grafado duas vezes, aparece sempre sob a forma abreviada, pelo que se optou por desenvolver pela grafia mais simples.


Donas:
Beatriz de Meneses (religiosa, senhora, comendadeira)
Leonor de Meneses

Não-donas:
Grácia Esteves
Leonor Correia
Catarina Rodrigues
Susana Pereira
Catarina de Valadares
Filipa Moniz
Joana da Silva
Joana de Lordelo
Beatriz de Góis
Catarina Rosa.


Só D. Beatriz de Meneses é referida como religiosa, termo que aparece no singular e só aplicado a ela. Do mesmo modo, também só esta é referida como comendadeira e senhora.
Distingue-se claramente entre a Senhora e todas as outras mulheres designadas genericamente como donas e que não são referidas como religiosas ou comendadeiras.
A designação genérica de donas não significa que todas elas o sejam verdadeiramente e de direito, já que só duas delas são claramente distinguidas pelo título que de direito mereceriam individualmente, confirmando assim que as restantes não o têm.
A Filipa Moniz aqui referenciada não é dona.
Por este documento não se sabe quem é Filipa Moniz – tal como não se sabe quem são todas as outras – e a homonímia é dos maiores problemas que se colocam no estudo deste período e mesmo de posteriores.
Sendo esta Filipa Moniz a mulher que casou com Cristóvão Colombo não é dona.
Para avaliar a relativa importância social de(sta) Filipa Moniz é de ver com quem casaram as outras mulheres aqui referidas – mas mesmo isso não parece que venha a dar resultados muito relevantes.
Para avaliar o real significado de donas e de comendadeira neste contexto é de comparar este contrato com outros do mesmo género, desta e de outras instituições femininas – muito trabalhoso mas dará resultados muito interessantes.


[1] Agradece-se a Manuel Rosa a indicação da referência arquivística deste documento.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Filipa Moniz - especulação em torno dum fragmento

O documento que tem estado em causa nos últimos tempos, sendo apresentado como um fragmento sem qualquer referência arquivística esconde o sentido integral do seu conteúdo. Como tal não permite a sua total compreensão e nesta forma o seu valor é completamente nulo.
No entanto, tendo-o por base, vou-me permitir algumas especulações.


Neste fragmento consta uma data muito interessante e poderá lançar por terra alguma da pseudo-história que tem sido apresentada como história.
Logo na segunda linha apresenta a expressão cuja grafia actualizada reza o seguinte: «trinta e cinco anos quatro dias do mês de Janeiro», pelo que se presume terem-se reunido a partes deste contrato no dia 4 de Janeiro de 1435.
  • Filipa Moniz, esposa de Cristóvão Colombo, foi mãe de Diogo Colombo, em 1475, 1476, 1479 ou 1480 – os autores variam sobre esta data.
  • Presumindo que o acto referenciado no documento é no ano 1435 (pois em 1535 Filipa Moniz estava morta e enterrada há muito tempo) vão deste ano a 1475 quarenta anos, ou 45 anos se se considerar o ano de 1480.
  • Para Filipa Moniz, mulher de Cristóvão Colombo, participar ou ser referida num acto notarial deste género deverá estar já na idade da razão, digamos 15 anos, pelo que em 1475 terá 55 anos de idade e em 1480 já será sexagenária, mas mesmo que tenha só 10 anos de idade, é fácil de fazer as contas…
  • Qual a idade limite da fertilidade feminina no século XV?
  • Cristóvão Colombo, da mais alta nobreza bastarda, se não mesmo bastardo da realeza, não arranjou esposa mais jovem para casar?
  • Casaria Cristóvão Colombo com uma mulher, quiçá, trinta anos mais velha?



    Adenda (12-9-2007):
    Já que Manuel Rosa resolveu tornar pública a existência dum documento que alegadamente resolve as dúvidas existentes sobre Filipa Moniz, pede-se aqui publicamente que dê a referência arquivística do dito de modo a proceder-se à verificação do mesmo. Pois só as provas verificáveis são admissíveis na ciência.

    segunda-feira, 10 de setembro de 2007

    O “antes de ser já o era”


    Gosto das coisas simples e claras.
    Como é que Filipa Moniz pode ser dona?
    O título de dona pode ser recebido por doação régia, por inerência de cargo, por via paterna ou por casamento - passo à frente outras hipóteses.
    Não conheço nenhum instrumento de doação régia ou de atribuição de cargo a Filipa Moniz. Restam-nos assim as duas últimas possibilidades: em que aquela recebeu o título de dona por ser filha dos Perestrelos ou por ser casada com Colombo.
    Os Perestrelos receberam o título de dom em 1522 e Colombo recebeu o mesmo título dos Reis Católicos depois de voltar das Antilhas quando já era viúvo e tinha reconstituído a família.
    Filipa Moniz só se tornaria dona se estivesse viva na altura em que o marido se tornou dom ou na altura da aplicação do instrumento do título de dom aos Perestrelo. Só com muito boa vontade e largueza de interpretação jurídica se pode considerar que o título de dom concedido aos familiares de Filipa se lhe aplicaria depois de décadas no túmulo.
    O filho de Colombo ao dizer que Filipa era dona só revela a sua parcialidade e vontade de ilustrar a família. Claro que lhe convinha que Filipa fosse da mais alta nobreza, contudo o que se sabe é que os Perestrelo eram originários da burguesia - e este grupo pertence à ordem do povo, ao mais alto estrato do povo, mas do povo.
    Os Perestrelos ascenderam à nobreza no início do século XV, mas até lá eram burgueses com privilégios régios. Trata-se dum caso de ascensão social em relativamente poucas gerações. O mesmo se passa em relação a Colombo: um agente comercial de firmas italianas que mais tarde resolve ir em busca da Índia por ocidente e se torna almirante com títulos régios de nobreza.
    Entre o testemunho de Fernando e o instrumento de emprazamento é de valorizar o segundo pois é o mais imparcial do ponto de vista da crítica histórica no que se refere à não intitulação de dona por Filipa Moniz. Neste último documento não há qualquer intenção ou motivo para alterar a realidade social. No emprazamento o escrivão mencionou sempre quem eram as outras senhoras envolvidas e quem de facto era dona.
    De qualquer forma, Filipa Moniz, não é como a pescada que antes de ser já o era.

    Filipa Moniz (bis)

    Neste texto de há 50 anos (portanto não coevo) está escrito com todas as letras dona Filipa Moniz.


    Se mais dúvidas houvesse acabavam aqui.




    Mas o nome que consta deste fragmento de documento pode não ser o da mulher de Cristóvão Colombo, e assim sendo este instrumento deverá ser descartado do baralho colombófilo.


    sexta-feira, 7 de setembro de 2007

    Filipa Moniz


    Nesta página apresentam-se seis linhas truncadas dum instrumento de emprazamento sem referência arquivística dizendo-se ser o único documento conhecido relacionando Filipa Moniz com o mosteiro de Santos.
    De facto nessas linhas consta o nome duma Filipa Moniz, mas não o duma Dona Filipa Moniz como tem sido afirmado ser o nome e título da primeira esposa do almirante das Índias.
    Não se pode invocar tratar-se dum lapso do escrivão já que este, aparentemente, escreve primeiro o nome das mulheres com o título de dona e só depois os das que o não têm.
    Este facto até pode ajudar os seguidores do programa pseudo-histórico, já que a ser esta Filipa Moniz a filha de Bartolomeu Perestrelo não deveria ter o título de dona, pois seu pai também o não tinha.


    E mais aqui não se diz por falta de dados.